sábado, 21 de fevereiro de 2009

Contos e Lendas da Villa Maria



Dada a sua antiguidade e aparência a Villa Maria tem feito surgir à sua volta algumas história curiosas que muitas vezes se ouvem; claro está que no meio de tudo isto a verdade só está no coração de quem quer acreditar nelas ou nos factos de acontecimentos as vezes rocambolescos e quase sempre mal explicados e que depois fazem surgir os ditos populares.
O CANHÃO NO TORREÃO PARA DEFESA DA COSTA


Desde que vivo na Villa Maria sempre ouvi contar que esta casa tinha nos seus princípios um canhão para sua defesa e da zona da costa que fazia parte dos seus "domínios", isto provavelmente há muito mais de 250 ou 300 anos, pois as ameias que actualmente existem já existiam com outra forma na primitiva construção de 1501. Existiam na forma de muros altos e muito grossos, autenticas muralhas de defesa como atesta o antigo desenho existente num quadro cá na casa. E como ainda se pode confirmar pelos enormes paredões actualmente existentes.

Estas ameias segundo me contaram pretendiam proteger os atiradores de defesa de algum ataque pirata vindo do mar, visto a costa da Baía de Villa Maria ser exactamente uma bela baía de fácil acesso.
Esta peça de artilharia estaria colocada num torreão, espécie de torre alta que fica do lado poente da casa e onde existe uma grande pedra de colocação com um buraco de fixação da dita arma.
Este aspecto de defesa eram tão mais importante quando se sabe que os mares dos Açores eram frequentemente visitados por piratas e que eram frequentes os assaltos destes as localidades em terra.

Outro aspecto que pode ter contribuindo para a necessidade de protecção foi a utilização que sempre foi dada a esta baía para embarque e desembarque como foi o caso da sua utilização para desembarque de madeiras exóticas utilizadas na construção da casa, tanto Açoreanas (entre as quais o cedro) e muitas vindas do Brasil (como o pau Brasil) foram trazidas de caravela, embarcação essa que acostava na dita Baía de Villa Maria para descarregar. Como prova disso temos ainda agarrada ás pedras algumas mãos de ferro onde os barcos eram amarrados. Muitos anos mais tarde também esta baía foi bastante utilizada pelos seus proprietários que tendo propriedades na ilha de São Jorge onde produziam vinhos, nomeadamente na fajã de São João e na Urzelina, a utilizavam como porto de desembarque dessas pipas de vinho que era engarrafado na adega da Villa Maria.

Esta baía fica numa reentrância protegida da costa tendo dois acesso por terra, um a nascente na forma de escadas e outro a poente onde se chegava até a água com qualquer carroça ou outro meio de transporte antigo. Sendo isso ainda hoje possível.
A HISTÓRIA DO VAMPIRO

Há muito tempo atrás a Villa Maria esteve desabitada pelos seus proprietários que durante alguns anos viveram noutras ilhas dos Açores como foi o caso de São Miguel ou de São Jorge, onde eram proprietários de terras e vinhas. Aproveitando esse facto a casa foi alugada a um grupo de Militares dos Estados Unidos que prestavam serviço aqui na ilha Terceira.
Esse grupo era bastante heterogéneo contendo no seu interior pelo menos um homem que para espanto de todos tinha por hábito dizer que era vampiro indo ao ponto de à noite dormir afastado dos outros vestido com a roupagem que "normalmente" se atribui a estas personagens míticas, nomeadamente um fato preto brilhante e uma enorme capa preta de um lado e vermelha do outro. Esta estranha personagem para exibir o seu exotismo ao extremo dormia no enorme sótão da casa dentro de um caixão de Defuntos!
Este facto já de si é estranho, se estivesse chegado aos ouvidos das pessoas só por alguém contar podia ter dado que falar; no entanto acabou por chegar de uma forma mais brutal e aterradora que foi na forma de um assalto nocturno. Na localidade próxima, a freguesia de São Mateus um grupo de rapazes que sabiam que a casa estava desabitada, e não sabendo que tinham sido alugada, resolveram uma bela noite que iam assaltar a Villa Maria. Se melhor o pensaram, melhor o fizeram. Levando consigo umas cordas estes indivíduos lá conseguiram chegar até ao telhado da casa onde levantaram as telhas e o forro e de lá entrou um para "explorar" e a seguir descerem os outros.
Para grande infelicidade deles o rapaz que entrou fê-lo justamente na área onde dormia o "nosso" vampiro que com todo o barulho que eles fizeram acordou e se levantou do seu caixão em frente ao intruso que não é de espantar que com a visão aterradora a sua frente se pôs aos gritos e acabou por desmaiar deixando os seus amigos aterrados e em fuga. Mais tarde a história foi esclarecida no entanto pelo que aconteceu e pela enorme estranheza do acontecimento este foi contado de boca em boca entrando no mito popular. Ainda hoje muita gente diz que a Villa Maria é assombrada e que lá vivem vampiros e fantasmas. Pode ser, mas até hoje nunca vi nenhum.
A HISTÓRIA DO PADRE
Durante muitos anos sempre foi dito por pessoas amigas e mesmo familiares que visitavam quem cá vivia que durante a noite ou ai cair da tarde viam uma personagem vestida de branco que se passeava por um determinado quarto da casa.

Segundo as descrições feitas dessa visão ela era sempre basicamente o mesmo variando apenas em alguma da sua endomentária. Para alguns tratava-se de um fantasma, para outros de um médico pois uma das vezes foi "visto" com uma seringa na mão. Enquanto para outros tratava-se da roupa de um padre e por isso devia ser o antigo dono da casa sobre a qual a Villa Maria foi construída. Claro está que nunca será possível confirmar estes acontecimentos, pois pela sua estranheza eles são por si mesmo difíceis de acreditar.

No entanto esta "visão" não é recente, desde os mais antigos proprietários que há a historia do "avistamento" desta estranha figura, chegando ao ponto de uma das vezes ter sido pedido a uma padre da Igreja Católica que benzesse a casa. A casa foi benzida, mas segundo consta a personagem continua a aparecer. Umas vezes num quarto outras noutro, mas tanto quanto sei sempre nos quartos do andar de cima ou nas dependências do lado esquerdo da casa, virado ao nascente.

Nunca se manifestou de outro modo que não fosse deixar-se ver, nunca falou ou deixou pegadas, nunca mexeu nos objectos, ou fez correntes de ar. Deixa-se ver sempre à tarde, já na penumbra do inicio da noite ou então madrugada cedo quando a luz ainda fraca se escoa pelas portadas deixando os quartos mergulhados numa penumbra pouco esclarecedora.
UM DIA QUANDO FORAM PEDIR AÇÚCAR

Outra historia muito curiosa, e esta verdadeira pois passou-se com uma irmã minha foi o seguinte:

Estando um dia minha mãe a fazer um bolo e apercebendo-se que lhe tinha faltado o açúcar pediu a minha irmã que fosse pedir uma chávena de açúcar à avó. Ela assim fez. Quando chegou à porta do andar de cima esta estava fechado, o que não era habitual. No entanto bateu à porta para que lhe viessem abrir. Depois de várias tentativas e como ninguém lhe vinham abrir a dita porta pensou que a avó não estava em casa e começou a descer as escadas para o andar de baixo. Vinha mais ou menos a meio das escadas quando ouviu barulho de passos e olhando para a porta de vidro que fica ao cima das escadas viu um vulto, uma sombra que passava.

Perante isto pensou que era a avó que afinal estava em casa, voltou a subir a escadas e foi até a porta esperando que a avó lhe viesse abrir. Como isso não aconteceu voltou a bater. Não obtendo resposta e já sentindo-se ofendida pois avó estava em casa e não lhe querer abrir a porta veio-se embora.Estava a chegar ao fim das escadas quando para espanto dos espantos a avó chegou de carro mais o avô parando em frente da casa. Conclusão que lhe fez arrepiar os cabelos: a avó não estava em casa e o que ela tinha visto devia ter sido um fantasma. Ainda hoje continua a jurar que viu todo o que disse ter visto e acredita piamente que a Villa Maria tem fantasmas.
UMA MÃO NA MAÇANETA DA PORTA
É costume durante determinadas épocas do ano, como o Natal ou nas Passagens do Ano, fazerem-se festas com a presença de alguns familiares. Foi durante mais uma passagem de anos como tantas outras que se tinham passado na Villa Maria que se nasceu estas história que a sua interveniente continua ainda hoje a afirmar que tudo é verdade.

Depois do jantar que terminou já noite profunda, todos ficaram na sala de jantar a conversar e a por os acontecimentos em dia, falava-se de mim e uma coisas, de todas as coisas que fazem a vida dos seus problemas e das suas soluções.

Aos poucos e poucos cada um foi dando o assunto por terminado e assim, uma tia que actualmente já vai a caminho dos 80 anos resolveu que queria ir ver televisão, e levantando-se da mesa dirigiu-se para a sala de estar que fica no extremo oposto da casa ao que está a sala de jantar. As luzes não estavam todas acesas, e a Villa Maria como muito grande que é depois de se fazer uma curva do corredor neste caso afastando-se da sala de jantar onde estavam as luzes acesas, vai-se tornando escuro, ela como conhecia a casa não sentiu necessidade de acender as luzes e assim já no escuro chegou à porta do quarto de televisão.
Ao pôr a mão na maçaneta da porta para a abrir e ao fazê-lo sentiu por debaixo da sua, uma outra mão que também estava na maçaneta. Assustou-se, mas ao mesmo tempo pensou que se tratava do cunhado que lhe estava pregando uma partida, e dizendo: - Carlos se pensas que me metes medo estas muito enganado. Abriu a porta do quarto e ao acender a luz é que viu que não era o cunhado, pois estava totalmente sozinha.

Escusado será dizer que desatou aos gritos e desatou a fugir voltando a sala de jantar onde foi encontrar o cunhado no lugar onde ele ficara quando ela havia saído da sala.

Esta é outras história que ainda hoje continua sem explicação e que certamente nunca a terá.

AS NOITES DE TEMPORAL
Dizem também as histórias populares que nas noites de vendaval em que o vento sopra com força e a chuva caí impiedosa que quando se passa no acesso da entrada à casa desde o caminho até ao portão da frente se ouvem gemidos baixos e sossorros entre as árvores e as palmeiras que ladeiam a entrada, dizem também que se se olhar com atenção se vê um fumo branco esverdeado, fogos-fátuos de um outro mundo que nos tentam assustar.

A chuva bate com força na vegetação e nas árvores altas fazendo com que o escuro ainda se torne mais escuro e tenebroso, o ruído do bater insistente dos pingos da chuva nas ramagens confunde-se com o bramir do mar e os uivos do vento. Todo isto faz com que o local adquira um aspecto de respeito e de fora do comum. No entanto ir disto, que eu considero os estranhos aspectos da vida real até ao mundo do desconhecido é um salto muito grande e que costa a dar.

Para mim isto não passa do crer de cada um de nós pois desde há muitos anos, tanto de noite como de dia passo por estes caminhos e nunca vi ou ouvi qualquer barulho ou vi qualquer luz que não soubesse explicar. No entanto acredito que para as pessoas que crêem no sobrenatural isto seja possível e se torne real. A imaginação é algo muito poderoso e quando queremos acreditar em algo, esse algo pode tornar-se real ao ponto de nos fazer ver coisas que não existem.

É portanto esta mais uma historia que faz parte do historial de lendas que se criaram à volta da Villa Maria e que contribuem para a sua mitologia.
REINO DA ATLÂNTIDA

Nas grandes civilizações da antiguidade dizia-se que para além das colunas de Hércules, hoje Estreito de Gibraltar e onde agora se estende o atlântico, dominava o poderoso império dos Atlantes.

Este império era constituído por dez reinos, sob a protecção de Poséidon, pelos que os Atlantes eram exemplares, no seu comportamento, não se deixando corromper pelo vício e pelo luxo.

Toda a Atlântida era sonho e delicia. A terra produzia madeiras preciosas; havia minas de metais nobres; o clima excepcional favorecia uma agricultura florescente; as casas e palácios evidenciavam conforto e riqueza; havia estradas e pontes óptimas. O desafogo económico proporcionava o aparecimento de sábios e de artistas.
Todos se compraziam apenas em gozar e explorar as riquezas do seu reino, mas não deixavam de se ensaiar na arte da guerra.
Assim não foi difícil aos Atlantes defenderem o seu território dos ataques daqueles que, levados pela inveja, ansiavam conquistar a tão prodigiosa Atlântida. De tal modo se portaram na defesa da terra que o orgulho desabrochou e deu-se pela primeira vez a ambição de alargar os domínios do reino.

O poderoso exercito Atlante alastrou por todo o mundo conhecido de então e dominou os povos. Inebriados pelo triunfou, deixaram-se dominar pelo orgulho e pela vaidade, caindo no luxo e na corrupção, desrespeitando os deuses.
Zeus convocou um concilio para que se aplica-se um castigo aos Atlantes, agora tão depravados. Em consequência, a terra tremeu violentamente, o céu escureceu como se fosse de noite, o fogo lambeu as florestas, o mar galgou a terra e engoliu aldeias e cidades.

A Atlântida e toda a sua prosperidade desapareceram para sempre na imensidão do mar, mas nove dos montes mais altos dessa linda terra ficaram a descoberto. Muitos anos mais tarde essas pequenas ilhas, restos do grande continente, foram povoadas e são hoje as ilhas dos Açores que, pelo clima bonançoso e bom, pela beleza das suas paisagens, lembram a própria Atlântida.
LENDA DA LAGOA DO GINGAL

No século XV, vivia na freguesia dos Altares, na ilha Terceira, Pérola Rego, descendente dos Regos e dos Baldaias pela linha masculina e dos Pamplonas pela feminina. Era uma bela jovem de cabelos louros escuros, brilhantes e fartos, olhos castanhos de cetim, pele rosada e fina. Estes predicados assim como a doçura e bondade de coração granjeavam-lhe um grande numero de apaixonados, desejosos de a roubarem a tranquilidade do solar paterno.

Uma bela manhã, Pérola, levada por uma fascinação estranha, desceu o eirado e foi espelhar-se na água da cisterna. Uma fada, que queria defender Pérola de pretendentes fascinados, mas que não a amavam verdadeiramente, estava aí escondida á sua espera. Produziu o encantamento, apossando-se da vaporosa imagem reflectida na água. Começou então a magicar a forma de surpreender Pérola Baldaia durante o sono, para a arrebatar dos Altares e conduzir ao seu palácio encantado, situado no interior da ilha, junto ao pico do Vime.
O palácio imaginado pela fada para a bela jovem tinha jardins viçosos e bosques com árvores indígenas, tais como o azevinho, o Sanguinho, o cedro e o pau branco. Havia ainda campos onde louros trigais se enfeitavam do vermelho das papoilas. No centro ficava o castelo, deslumbrante, todo em mármore, marfim, prata e oiro.

À meia noite da véspera do dia de S. João, quando as estrelas brilhavam suavemente e a lua era rainha, Pérola foi levada pela fada nas suas asas brancas.
A notícia do rapto espalhou-se e os jovens enamorados recorreram a uma feiticeira que lhes revelou o palácio encantado onde estava a pretendida. Uns queriam ir em som de guerra sitiar o castelo, Outros mais cuidadosos, consultaram uma velha benzedeira dos Biscoitos que sentenciou saíram com alaúdes, à maneira de trovadores, cantando versos feiticeiros e executando marchas de magia, até avistarem o palácio encantado.
Alertou-os para o facto de que encontrariam uma inscrição sobre um rochedo e que, se fosse gravado a prata, indicaria o modo de atrair Pérola, mas, se fosse gravado a fogo, o seu feitiço não tinha força para vencer e nenhum deles merecia o amor da jovem.
Partiram de madrugada e iam cantando os versos ensinados pela benzedeira. De repente, um grito de alegria ecoou, enquanto ao longe aparecia o palácio brilhando ao sol nascente.

Desceram a encosta, percorreram um vale, subiram uma colina e, mágicamente, no sitio onde momentos antes tinham visto o palácio, agora só aparecia uma lagoa. Encontraram logo uma inscrição gravada a fogo que dizia o seguinte: "Aqui. neste espaçoso lago, escondeu-se o palácio da lenda Pérola, donzela de cabelos loiros".

Voltaram desiludidos e desistiram da ideia de conquistar Pérola, mas a mãe da jovem, cristã piedosa, na própria manhã do rapto fora-se ajoelhar diante da imagem de S. Roque e pedir a sua intervenção. No fim da prece ouviu uma voz que lhe segredou : - Vai tranquila, a tua filha está ao anjo da guarda. Os pretendentes foram vencidos e, no dia de S. Pedro, à hora do pôr do sol, Pérola surgira no Terraço do solar, acompanhada por um Arcanjo, num batelo de marfim puxado por um cisne.

Assim sucedeu. Pérola voltou a casa e alguns anos mais tarde um bravo e digno cavaleiro que vestia a armadura refulgente do Santo Gral apaixonou-se e desposou a bela jovem.
O lago que escondeu o palácio encantado lá ficou, embelezando a paisagem campestre, e passou a chamar-se Lagoa do Gingal por ali existir uma ribanceira coberta por um belo ginjal.
A LAGOA DO NEGRO

Alguns séculos atrás, na ilha Terceira, havia uma família nobre que tinha, como era hábito na altura, os seus criados negros.

A morgada fizera um casamento imposto pelo pai e os interesses da família onde não havia amor, mas em que a mulher, por educação e honestidade, se submetia ao marido. Porém ninguém manda nos sentimentos, nem mesmo a mulher mais digna.
Os criados negros de então não eram vistos como seres humanos com sentimentos. Ninguém sequer imaginassem que tivessem atrevimento de se apaixonarem pela sua senhora. Contrariando todas estas leis, criadas pelos interesses dos homens, o escravo negro e a morgada enamoraram-se, denunciando apenas no olhar tímido, mas expressivo, o sentimento que os unia.
A vida monótona da morgada era então iluminada pela alegria do amor que nunca tinha sentido. Em certas tardes, quando do jardim do seu solar olhava o mar e o horizonte, cantava uma suada balada de amor. Outras vezes, a amargura arrochava-lhe o coração porque sabia que estava presa até à morte a um homem que não amava. Então, quando se sentava a bordar, lágrimas abundantes desciam-lhe pelas faces.

O escravo negro via tudo isto sem que nada pudesse fazer. Convenceu-se de que a sua presença naquela casa só causava mais sofrimento á morgada que também o queria.
Numa noite, depois de ter pensado muito, fugiu e caminhou por montes e difíceis veredas. A certa altura parou e decidiu ficar ali, longe dos homens, chorando a sua desdita. Chorou tanto que as suas lágrimas ao caírem no chão se juntaram e fizeram um grande lago.

Esta lagoa ainda lá está a embelezar a ilha Terceira e, para que nunca seja esquecida o sofrimento do negro e o seu amor pela morgada, chamou-se-lhe Lagoa do Negro.
URZELINA
Na crista da enorme cordilheira, que atravessa a ilha de S. Jorge de ponta a ponta, erguia-se, há muitos, muitos anos atrás, um majestoso castelo do príncipe Romualdo. A sua corte faustosa entregava-se a orgias, banquetes e outras diversões, que causavam espanto na população trabalhadora. Uma madrugada, a trombeta real ecoou através das montanhas, anunciando a grande caçada que iria começar ao toque das Avé Marias.

Em frente ao palácio foram estacionando as seges, os cavalos, muitos criados de libré, carregados com os apetrechos destinados á caça.
Os pobres e maltratados trabalhadores do campo já tinham começado um dia de trabalho duro, quando o segundo toque de trombeta soou e a comitiva do príncipe partiu a grande velocidade, rindo de alegria ao galgar os montes.

Os trocazes voavam espavoridos pela gritaria e Lina, a amada do príncipe, serpenteando com o cavalo por entre as urzes e rochedos em perseguição de alguns pombos que lhe fugiam, acabou por se afastar da comitiva.
Quando deram pela sua falta, esqueceram a caça e procuraram Lina por todo o lado, mas não a encontraram. Voltaram ao palácio, a alegria deu lugar ao desanimo e à tristeza.

O príncipe mandou encerrar todas as portas a festas e diversões e, durante as noites e dias seguintes, a sua voz soluçante gritava: " Lina! Lina! " enquanto corria como louco esfarrapado e desgrenhado por precipícios e ravinas á procura da sua amada.
Uma noite, quando voltava ao castelo, Romualdo estacou com um quadro terrível. No fundo de uma ravina, um cavalo morto esmagava com todo o seu peso a querida Lina. O príncipe, correndo, desceu o precipício mas o cadáver já a apodrecer e entre lágrimas cortou uma trança dos seus lindos cabelos louros. Apanhou um ramo de urze e aí enrolou a trança.

Voltou ao castelo, desalentado, como morto. Nunca mais quis saber de festejos e os cortesãos começaram a chamar aquela planta Urze de Lina. Passado pouco tempo, o príncipe morreu de desgosto e, com o decorrer dos anos o esquecimento da hepocrita corte que o adulava, a sepultura ficou completamente coberta de Urze de Lina.
Em homenagem à dor do príncipe que Deus duramente tinha castigado, chamou-se Urze de Lina e mais tarde por aglutinação Urzelina à povoação à beira mar, onde faziam eco as atrocidades praticadas no castelo e onde vivia o povo que sofria a tirania dos cortesãos.

A corte aduladora e hipócrita, sem respeito pela morte do príncipe redobrou as festas e a tirania ao povo, mas foi castigado. Deus, que vela pelos pobres, fez rebentar um vulcão nos alicerces do palácio, a lava soterrou toda a corte maldosa e destruiu todo a volta, correndo até ao mar.
LENDA DA FAJÃ DE SÃO JOÃO

Decorria o ano de 1757 e na fajã de S. João, em S. Jorge, vivia uma pobre mulher, já de idade que ás vezes era zombada pelos vizinhos. Nesse tempo, o pão de milho era a base de alimentação e era cozido em todas as casas, quase sempre ao sábado. Depois limpava-se, enfeitava-se com flores nascidas nos pequenos jardins e tudo ficava pronto para o domingo, dia de descanso.
Estava a dita velhinha nestes afazeres de por o lume ao forno e amassar o pão, quando bateram á porta. Como tinha as mãos sujas, falou de dentro, mandando abrir.

A porta rodou sobre os cachimbos e apareceu ema formosa senhora a quem a velhinha disse com agrado: - Entrai, vinde para junto do meu lar, que gosto de dar a todos do pouco que deus me deu.
Mas a senhora, com voz de encantar, Respondeu-lhe: - Ide dizer a toda a gente que fuga deste lugar e vá para a serra antes de chagar a noite. Um caso estranho vai dar-se em breve.

A senhora fechou a porta e logo a velhinha deixou o que estava a fazer. O lume apagou-se no forno e o pão ficou por acabar de amassar, mas foi de porta em porta, chamando e dizendo a todos que fugissem de casa e da fajã, porque ia dar-se um acontecimento terrível.
Mais uma vez as pessoas zombaram da pobre velha e ninguém acreditou em tão triste profecia. Mas ela não hesitou e, acreditando no que lhe tinha dito a senhora, pôs-se a caminho da serra, só com a filha, única pessoa da família e da vizinhança que acreditou. Durante a caminhada, não deixava de cismar no triste caso que se iria dar e nas pessoas que, por serem incrédulas, tinham ficado em perigo na fajã de S. João.

Pela meia noite a terra começou a baloiçar e o mar uivava ao longe com um som sinistro, deu-se um grande terramoto. Muitas encostas desabaram, rochas enormes rolaram pela fajã, indo parar ao mar, derrubando casas e destruindo cultivações na sua passagem veloz. Os gritos das pessoas, o barulho da terra e das rochas vibraram no mar.
Quando a manhã despertou e o sol começou a subir, a fajã de S. João estava totalmente destruída e muita gente, que zombara da velhinha, dormia na paz do senhor.

O povo passou a dizer que a velhinha que fizera a profecia tinha falado com a Virgem Santa Maria e que, por ter tido fé, se tinha salvo e á filha.
LENDA DA CALDEIRA DE SANTO CRISTO

Há muitos anos, como agora ainda acontece, por vezes, as pessoas das várias freguesias de S. Jorge iam ás fajãs passar partes do ano com os seus gados ou apenas durante um bocado do dia para pescar, apanhar lapas. Numa das fajãs havia uma linda e mansa lagoa de água salgada.

Ali apanhavam amêijoas que se desenvolviam abundantemente nas águas límpidas e mansas. Outras vezes apanhavam lapas, polvos, moreias, por entre as pedras da costa, nas poças que ficavam nas redondezas da lagoa.
Certo dia, um homem de cima veio cá abaixo à caldeira. Andou muito tempo por um atalho custoso e apertado e, quando chegou junto à caldeira, sentou-se para descansar um pouco antes de ir pescar. As pernas até tremiam do esforço da descida mas, com a vista que dali se desfrutava, depressa se sentiu descansado.

Quando vagueava com o olhar pela lagoa, deparou-se com um objecto que lhe parecia ser uma imagem do Senhor Santo Cristo. Levantou-se logo e pegou na imagem que, apesar de estar metida na água, não estava nada apodrecida. Ficou todo contente com aquele achado. E não era para menos porque, naqueles tempos, achar uma garrafa na costa ou um pranchão era já uma sorte, quanto mais um santinho tão bonito.
Quando voltou para casa ia tão satisfeito que a difícil subida nem lhe custou nada. Puseram o Santo Cristo no melhor quarto da casa.

Mas no outro dia pela manhã, para desgosto e espanto de toda a família, o santo já tinha desaparecido. Procuraram-no e vieram encontra-lo no areal, nas margens da caldeira. E o episódio repetiu-se. Por fim alguém disse:
- Santo Cristo quer estar lá em baixo á beira da caldeira.
O povo juntou-se e decidiu fazer uma igreja. Pensaram levantá-la na outra banda da lagoa, mas, quando tentaram levar para lá a pedra, não conseguiram. O lugar era ali perto de onde Santo Cristo tinha desaparecido.
Depois de muito sacrifício e trabalho, a igreja ficou concluída e lá puseram a imagem.

Assim, aquela linda fajã passou a chamar-se Caldeira do Santo Cristo.
E o povo, que gosta muito de se divertir para esquecer trabalhos e sofrimentos, em pouco tempo começou a fazer uma festa muito grande e bonita, onde os festejos religiosos se completavam com diversões profanas. Bailava-se alegremente e era frequente ouvir, durante a dança os homens entoarem esta cantiga:

O Senhor Santo Cristo
Onde foi fazer morada?
Para a rocha da Caldeira,
perto da água salgada.

A certa altura o senhor padre, por qualquer razão, não queria o Santo Cristo na igreja e decidiu leva-lo para casa. Pegou na imagem, mas não se conseguiu mexer, os pés ficavam aferrados ao chão. Disse então ao sacristão:

- Ajuda-me aqui que eu não posso andar.
O sacristão bem tentou, mas por fim confessou:
-Ó senhor padre, eu também não consigo dar passada!
- Então deixa-se o santinho aqui - disse o padre.

E assim foi. Logo os pés e as pernas ficaram ágeis e o padre e todas as pessoas se convenceram que era ali que santo Cristo tinha de ficar.
A PONTA FURADA

Há muitos anos atrás, S. José vivia lá para norte de S. Jorge. Um belo dia meteu-se nortes a baixo no seu barquinho, trazendo consigo Nossa Senhora e o menino Jesus ainda pequenino. O mar estava manso e o santo vinha sempre a navegar junto à costa para apanhar a abrigada de terra.

Tudo correu muito bem até que a Sagrada Família chegou próximo da Ponta do Garajau. Aí deparou-se com uma ponta de terra muito alta que entrava pelo mar dentro. S. José esteva ansioso por chegar ao Toledo e já se sentia cansado de remar. Ter agora que contornar a ponta de terra era-lhe muito difícil.
Pensou no que havia de fazer. Sem muitas demoras e confiante no poder de Deus, levantou o dedo indicador e com ele tocou mais ou menos no meio da ponta. Como se fosse um bocado de massa de milho, logo a terra cedeu e fez-se um buraco enorme por onde passou facilmente a Sagrada Família no seu barquinho.

S. José, feliz, avançou e em pouco tempo estava no Toledo, onde fixou residência para sempre. Tornou-se muito querido do povo ao ponto de ser feito padroeiro do curato.
Esta ponta que esta situada entre S. António e o Toledo ficou com um buraco arredondado no meio como se fosse um olho de peixe, mas tão grande que o seu diâmetro tem a altura da torre da igreja. A parte da ponta que S. José empurrou com o dedo ficou um pouco á frente, formando um pequeno ilhéu que imerge ligeiramente das águas.

A ponta, pouco a pouco, pelo seu formato, fruto de um acontecimento tão estranho, passou a chamar-se Ponta Furada.
S. José ainda hoje é um santo de muita devoção no lugar do Toledo e por isso assim canta o povo:

Este povo tem fé
no bondoso S. José
que é o seu padroeiro.
S. José é meu padrinho
que eu adiro com carinho
e no seu é primeiro.
NOITE DOS DIABRETES NA FAJÃ DE VASCO MARTINS

Em tempos idos, acreditava-se que em certa noite do ano, mais precisamente na noite de dois de Fevereiro, os diabretes desapareciam, fazendo as mais diversas e inesperadas diabruras e assustando as pessoas, que se costumavam fechar em casa e fugiam nessa noite da costa, como o diabo foge da cruz.
Ora, no lugar do Toledo, havia um grupo de homens que se julgavam mais corajosos que os outros resolveram enfrentar os diabretes.

Combinaram o que iam fazer e escolheram o lugar. Chegado o dia, dirigiram-se para a fajã de Vasco Martins, armados de paus, e foram pescando, pela noite adentro, sempre à espera que os diabretes fizessem das suas. O tempo foi passando, até que chegou a meia noite sem nada acontecer. Regressaram a uma casa lá na fajã, sentaram-se a conversar e a rir, sempre armados, cada um com um pau e um foicinho.

De repente começaram a ouvir uma grande barulheira: Parecia que as telhas estavam-se a partir-se, outras a serem arrastadas; ouvia-se pancadas fortes nas portas e janelas. O barulho era tão grande que parecia o fim do mundo e os homens, que se achavam muito destemidos, começaram a tremer de medo e não se arriscaram a ir sequer há porta para ver o que se estava a passar.
Ali ficaram o resto da noite, aconchegados a um canto, disfarçando como podiam o seu medo, e só quando o barulho parou e a manhã clareou é que tiveram coragem de sair para ver o que tinha acontecido.
Qual não foi o seu espanto quando olharam para o telhado e viram que nem uma telha não estava partida nem uma fora da sua carreira e nas portas não havia sinal das pancadas.
A novidade espalhou-se e daí em diante as pessoas do Toledo nunca mais gostaram de brincar ou gozar com os diabretes.

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