quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Dos mais capitães da parte da Praia até ao governo dos Filipes. Sucessos notáveis daquela capitania

Capítulo III
O terceiro capitão na parte da Praia foi Álvaro Martins Homem, como seu avô; casou na ilha da madeira com D. Beatriz, filha de D. João de Noronha, a 9 de Maio de 1513, e celebrou-se escritura em Lisboa, nos palácios de el-rei à Ribeira, por ser a noiva dos nobres de primeira classe. El-rei D. João III o confirmou na capitania em 10 de Outubro de 1520, como afirma o Padre Maldonado. No ano de 1517 ainda vivia seu pai, Antão Martins, e já lhe havia cedido o governo, como dissemos.

Habitou a maior parte do tempo na sua capitania, e sustentou pleito contra os corregedores, que, além de vexarem a Praia com as aposentadorias, como já se disse, conheciam de acção nova, levando consigo, quando se ausentavam, os feitos cíveis e crimes para os despachar, com graves prejuízos dos moradores; motivo porque ele se opôs, e obteve alvará no ano de 1584 para que cessassem de fazer semelhante vexame aos moradores da capitania, e nisto se empenhou muito a Câmara. Por largo tempo serviu este arresto para suster iguais vexames nas outras ilhas dos Açores. De seu governo nada mais sabemos; nem onde faleceu. Depois de sua morte continuou a viúva, sua mulher D. Beatriz, a feitura do Mosteiro de Jesus, que seu sogro, o dito Antão Martins, havia começado; e ela mesmo nele faleceu em clausura com suas filhas D. Inês, D. Brianda, D. Francisca, D. Isabel, e D. Filipa, todas religiosas professas.

O quarto e último capitão da Praia foi Antão Martins da Câmara; casou com D. Joana, dama da Infanta D. Isabel, mulher do Infante D. Duarte, filho de el-rei D. Manuel. Ignoramos em que tempo começou a governar; mas acha-se em uma sentença da relação, pela qual foi obrigado a fazer a cadeia nova, que no ano de 1540, e a instância do corregedor Jerónimo Luiz, assinou um acórdão em que reconheceu ser obrigado a fazê-la como capitão do donatário. Sustentou grande pleito, estando em Lisboa, para que o seu locotenente assistisse ao tirar dos pelouros dos oficiais da Câmara, e que lhe foi julgado no ano de 1543; tempo em que o negócio das aposentadorias procedia em muito vigor, conforme a provisão que trouxe o corregedor, o científico e recto Gaspar Touro.

Sobreveio depois, quando ele se encontrava ausente da Capitania em Lisboa, o importantíssimo negócio da fortificação da ilha, não só em razão das guerras que sustentávamos fora do reino, senão ainda por causa dos corsários que infestavam estes mares com grande poder e tinham saqueado a cidade do Funchal, na ilha da Madeira, em cujo socorro foi a armada que na Terceira andava, às ordens do famoso capitão Francisco do Canto, filho ilegítimo do nobre Pedro Anes do Canto; e deste feito se acham suficientes vestígios na carta régia escrita ao mesmo Francisco do Canto, e que vai sob o n.º 5, documento E, para servir de capitão-mor na parte da Praia enquanto durava a ausência do capitão do donatário Antão Martins.

Mui activas foram as providências que naquela capitania se deram para fortificar a baía da Praia; e dentro da vila, consta por um fragmento do livro dos acórdãos, se fizeram entrincheiramentos na entrada das ruas. E porque a Terceira estava desarmada, e sem defesa alguma na costa, mandou el-rei D. Henrique lançar finta de 15 mil cruzados nas duas capitanias, dos quais, por assento que se fez, coube à Praia a quantia de 5 mil cruzados. Para se verificar a cobrança, pôr a finta na fazenda dos presentes e ausentes, e também a imposição nos vinhos, azeites e carnes, e o dois por cento, veio à Câmara o corregedor Gaspar Ferraz, o primeiro que teve o cargo de capitão-mor na parte de Angra, e com o ouvidor do capitão Jerónimo Paim, os juizes João Homem da Costa e Manuel Machado; vereadores Diogo Lopes Evangelho e Gil Fernandes Teixeira; o procurador Baltazar Monteiro; Gaspar Fernandes e Gonçalo Martins, ambos dos misteres, lançou o imposto, e fez o lançamento da finta aos moradores do concelho, na forma que se acha escrito no respectivo livro; e lhes deu conta, como el-rei mandava nesta diligência ao capitão Antão Martins: e que outrossim lhes enviava 300 arcabuzes com seus vasos, e cento e cinquenta piques, para se distribuírem na forma do regimento da ordenança. Foi a apresentação do corregedor em Câmara a 2 de Maio de 1567, e o regimento da imposição datava de 6 de Março daquele mesmo ano. Veio então o engenheiro Tomás Benedicto, e sortiu a sua missão em fazerem-se em toda a cortina do sul 24 fortes, além de algumas estâncias e muralhas indispensáveis nas diferentes baías; o que tudo à chegada do marquês de santa Cruz tornava a ilha inconquistável, como afirmam os escritores daquele tempo e provam os vestígios nesses lugares da costa.
Até esta data de 1567, em que foi obrigado a vir para a ilha, viveu Antão Martins em Lisboa, e acho que em 1548 era seu locotenente Domingos Homem. E suposto que el-rei escreveu ao provedor das fortificações João da Silva do Canto, fazendo-lhe saber que mandava agora Antão Martins, para na Praia fazer a fortificação da baía, [isto por carta de 5 de Junho de 1571] com o poder de cortar e derribar algumas casas e quintais onde estendesse a fortificação, parece que nem assim mesmo o dito Antão Martins chegou à sua capitania neste ano, porque acho ser, no ano de 1575, seu locotenente o mui nobre e rico Gomes Pamplona de Miranda; porém o certo é que ele faleceu na Praia a 9 de Junho de 1577, e foi sepultado na capela mor. No dia imediato foi o corregedor Diogo Álvares Cardoso à Câmara, e nela tomou posse da capitania, por estar vaga.

Então propôs el-rei casamento à filha do finado Antão Martins, D. Clemência, prometendo-lhe a capitania de seu pai; mas porque ela insistiu em não casar, se reputou extinta a linha doada na pessoa do varão.

E suposto que D. Leoniz, filho do conde da Feira, por grandes serviços na Índia, África e em Ceuta, obteve de el-rei D. Henrique palavra de lhe ser dada, sobrevindo-lhe a morte, o mesmo conde da Feira a pediu para seu irmão natural D. Jorge Pereira, que estava retirado na ilha de S. Miguel; e tendo dela palavra, no entretanto chegou da Índia António de Noronha, irmão do finado Antão Martins, que em paga dos serviços lá feitos a pediu, e lhe foi concedida à condição de mandar logo vir sua mulher e filhos, e passar com eles a residir na capitania; que tal era a necessidade da própria residência! Todavia sobreveio a António de Noronha a morte, e faleceu em Lisboa, de peste que então ali grassava, sem que jamais se ouvisse falar na mulher e filhos que deixara na Índia.

Então diz-se que os da Praia pediram a el-rei quem os governasse, e lhe propuseram o dito Gomes Pamplona de Miranda, que já servia de capitão-mor; e suposto que não acho notícia de tal requerimento, ele com efeito os governou até à chegada do marquês de Santa Cruz, em que foi doada ao marquês de castelo Rodrigo, incorporando-se então as duas capitanias da ilha Terceira, como o haviam sido em tempo do primeiro donatário Jácome de Bruges (documento F).
Fontes:
Francisco Ferreira Drummond. Memória Histórica da Capitania da Praia, in Memória Histórica do Horrível Terramoto de 15.VI.1841 que Assolou a Vila da Praia da Vitória, edição da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Praia da Vitória, 1983 (reimpressão fac-similada da edição de 1846), 283 pp.A ortografia foi actualizada e a errata introduzida.

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