quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Governo do Capitão Donatário Antão Martins Homem; pleitos que sustentou; estabelecimentos que em seu tempo se fizeram

Capítulo II
Falecido Álvaro Martins Homem, primeiro capitão da parte da Praia, depois da morte de Jácome de Bruges, que o fora de toda a ilha Terceira, sucedeu-lhe seu filho Antão Martins, casado com Isabel de Ornelas, filha de Pedro Álvares da Câmara e de Catarina de Ornelas Savedra (1); e foi-lhe passada carta de confirmação na vila de Moura a 26 de Março de 1483 (2).

Sustentou o pleito a respeito da capitania, o qual a seu pai propusera Duarte Paim; e porque faleceu em 1499, o continuou seu filho Diogo Paim até ao ano de 1521, em que se compuseram, por escritura celebrada na mesma vila, dando-se fim a tudo pelo casamento de Catarina da Câmara, filha do réu, com o autor dito Diogo Paim. Assim acabam as maiores inimizades, quando menos se esperam composições (3) desta natureza; porém, a capitania correu no primogénito de Antão Martins até caducar, como veremos, e se incorporou nos próprios da Coroa.

Igualmente sustentou Antão Martins grande pleito contra alguns, e não poucos, moradores do concelho da Praia, que fizeram atafonas para moerem seu pão, por não dar ele moendas em abastança; e finalmente decidiu o ouvidor Vasco Afonso, que então estava na ilha com cargo de capitão no ano de 1487, que Antão Martins até ao ano de 1488 fizesse mais quatro moinhos, e trouxesse os da Agualva bem corrigidos; e que os não fazendo naquele espaço, dali por diante fizesse moendas quem quisesse, sem pagar foro nem tributo, nem a el-rei, nem ao donatário. E porque ele não os fez, recorreram ao ouvidor que se seguiu, Afonso de Matos, e no ano de 1491 lhe destinou três meses; porém, nem assim cumpriu; depois do que se resolveu por sentença da relação, que os moradores da parte da Praia pudessem ter atafonas os seis meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro, em que haviam menos águas. Também o monopólio do sal lhe foi derrogado por sentença, que permitia se comprasse a bordo dos navios a 5 e a 4 reis e meio o alqueire: o que tudo se manifesta no primeiro livro de registo da mesma Câmara.
No testamento que fez o nobre Álvaro Lopes da Fonseca, no ano de 1506, também se queixa de lhe haver este donatários quebrado a carta da sua dada na Fonte do Bastardo; e que finalmente lhe fora julgado em relação a seu favor. Do que se evidencia não serem de grande consistência as doações que das terras se faziam, porque os capitães as tomavam com o fundamento de não estarem em todo cultivadas dentro do prazo marcado, que era de cinco anos.

No Capítulo I mostrei que no ano de 1482 ainda a Praia não era vila; porém, conforme uma justificação de nobreza, que conservo, tirada a requerimento de Antão Gonçalves de Ávila, no ano de 1487, a 19 de Abril, era nesse ano ali juiz ordinário Pedro Álvares Biscainho, que a sentenciou, e escrivão dela o tabelião Henrique Cardoso. E este é o primeiro documento porque consta a existência de tal vila, sem que em parte alguma se ache a carta da sua criação, nem já no ano de 1630 a achou o escrivão da Câmara, António Ferreira de Gusmão, que disso passou certificado. Pelo que fica demonstrado, foi esta vila criada ao certo no espaço que decorreu de 1482 a 1487, o que não padece dúvida.
Apesar dos pleitos em que se viu envolvido o donatário Antão Martins, e de alguns que lhe não fazem muita honra, em seu tempo se deu princípio à factura dos seguintes estabelecimentos de caridade e piedade, que em parte o honram muito.

Crescendo na sua capitania maravilhosamente a cultura das terras, e consequentemente os cereais e o fabrico do pastel, principalmente nos Altares, vieram à ilha, e passaram à dita capitania, homens de muito crédito e amor da religião, entre os quais foi um bem conhecido por sua nobreza, chamado Frei Simão de Novais; e foi esse mesmo que fundou naquele lugar, ainda antes de ser vila, o mosteiro de S. Francisco, com o número de 15 religiosos. Doou o terreno Afonso Gonçalves de Antona, o Velho de S. Francisco, e fez a capela mor Catarina Franca, mulher de Sebastião Cardoso Homem. Por este mesmo tempo (1480) teve lugar a fundação do Convento da Luz, com o número de 26 freiras, e nele foi a primeira Catarina de Ornelas, que o fundara; e não há dúvida que este foi também o primeiro convento de religiosas que nas ilhas houve, como diz Fr. Luís Gonzaga.

Estabelecidos os corregedores no ano de 1503, e com alçada nestas ilhas, dizem fora o primeiro Afonso de Matos, que já se disse servia de ouvidor geral em toda a ilha no ano de 1491, logo começou o vexame das aposentadorias a vila da Praia; e em 1511 recorreram os moradores daquela vila, queixando-se de que eles se demoravam ali mais tempo do que lhes era determinado no seu regimento, motivo porque se expediu o alvará que vai no Documento C. Infelizmente durante vários anos, e ainda por mais de um século, sempre os moradores desta vila experimentaram mui grandes vexames neste género, como sobejamente patenteiam os livros de registo e dos acórdãos da Câmara.

Vindo de visita à ilha Terceira o Bispo D. Duarte, a requerimento do capitão Antão Martins, em presença do senado e de muitas pessoas da governança, sagrou a matriz da mesma vila da Praia em 24 de Maio de 1517, como se evidencia do auto que está a fl. 126 verso do livro de registo, e que vai no Documento D.

Ainda vivia o segundo capitão da Praia, Antão Martins, quando el-rei D. Manuel concedeu e aprovou o compromisso dos 13 irmãos da Misericórdia da mesma vila, por alvará de 11 de Julho de 1521; e por se não declarar nele ficava revogada a Ordenação do Reino em contrário, não quis a Câmara entregar aos ditos 13 irmãos o hospital que ali havia. No entretanto faleceu el-rei que fizera a mercê; e recorrendo a irmandade a el-rei D. João III, que então governava, a 21 de Junho de 1524 determinou, por seu alvará, se cumprisse a vontade de seu pai: e com efeito se cumpriu, dando-se aos irmãos o hospital com todas as oficinas, móveis e rendimentos (mui poucos então haviam, ou quase nenhuns, pois se supria de esmolas) com que se continuou em melhor forma. Todo este processo consta dos livros respectivos no cartório da dita Casa da Misericórdia, mas não encontrei os privilégios desta casa, que obteve pelos anos de 1560, e que perdeu por se descuidar em pagar o censo anual à Sé de Roma, o qual consistia em duas libras de cera lavrada.

Na mesma vila da Praia fundou Gonçalo Vaz Homem, que foi casado com Inês Afonso Columbreiro, o hospital de S. Lázaro, e lhe anexou o aposento em que morava, por testamento no ano de 1520; e foi ele a primeira pessoa que faleceu do mal. Andou esta administração por mais de um século na pessoa de um administrador nomeado anualmente pela Câmara, a quem dava contas. Por alvará do Cardeal Rei se determinou que os homens estivessem neste hospital, e as mulheres no que havia em Angra.

Tais foram os estabelecimentos de caridade e piedade, que na vila da Praia se fundaram no fim do século XV e princípio do século XVI, para os quais concorreu a benignidade e grandeza de el-rei D. Manuel; e bem assim concorreram os nobres moradores daquela rica capitania, não merecendo pequenos elogios o donatário Antão Martins, e os nobres cidadãos que empregados no serviço da república tão decididamente se dedicaram ao bem estar dos seus administrados. Esta época marcou naquela vila um grande vulto de celebridade, e atesta a riqueza e civilização dos seus habitantes. Ignora-se em que ano faleceu Antão Martins, acima referido: à sua morte sucedeu-lhe Álvaro Martins, a quem ele já em sua vida havia cedido a administração pública da capitania.
Notas
1. Instituíram em fideicomisso a grande propriedade de Porto Martins no ano de 1499, e caducando em seu filho João de Ornelas, por não ter filhos, e depois de grandes pleitos que sustentou Domingos Homem da Câmara para se conservar na injusta posse, foi convencido a largar a administração a Álvaro Martins, cuja linha caducando também, passou então à linha de António Paim da Câmara, de quem hoje descende o actual administrador, visconde de Bruges.
2. Nesta carta, que se acha inserta em uma outra do marquês de Castelo Rodrigo, é tratado por fidalgo escudeiro, que naquele tempo era o maior foro que havia.
3. Dizem que esta desistência fora procedida de se achar Diogo Paim traído por seu sogro, que lhe dissipara dos autos a original doação feita a seu avô Jácome de Bruges; e por não a poder apresentar, carecia de direito para convencer o réu.
Fontes:
Francisco Ferreira Drummond. Memória Histórica da Capitania da Praia, in Memória Histórica do Horrível Terramoto de 15.VI.1841 que Assolou a Vila da Praia da Vitória, edição da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Praia da Vitória, 1983 (reimpressão fac-similada da edição de 1846), 283 pp.A ortografia foi actualizada e a errata introduzida.

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