quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Guerra dos Castelhanos, e partido que tomam as milícias da Praia. (...) Preparativos contra os corsários.

Guerra dos Castelhanos, e partido que tomam as milícias da Praia. Flagelo da peste em 1599. Conflitos da jurisdição eclesiástica. Terramoto de 1614. Preparativos contra os corsários.
Capítulo IV
A grande empresa da guerra de África havia ocupado inteiramente o ânimo de el-rei D. Sebastião, e tudo eram preparativos para ela em Portugal e nas ilhas dos Açores, apesar do deplorável estado dos cofres públicos. Em consequência do que feito e impresso um regimento militar, começou a repetir os exercícios da milícia na ilha Terceira; e na parte da Praia foram nomeados capitão-mor Gomes Pamplona de Miranda, de quem se falou no capítulo antecedente, sargento-mor Manuel Quinteiros; capitães das companhias na vila Gaspar Camelo do Rego e Simão de Andrade, e outros mais para as outras freguesias (1), de forma que em pouco tempo se pôs esta capitania prestes e adestrada para uma vigorosa defesa, quando acontecesse invasão de inimigos, que fora a principal causa da fortificação da costa, e mais preparativos bélicos, como se manifesta de uma carta escrita à Câmara (2) em 7 de Novembro de 1578, e remetida pelo corregedor em 9 de Maio de 1579.

No dia de S,. Tiago, 25 de Agosto de 1580, às nove horas da manhã, achou-se a maior parte desta milícia na batalha da salga, na vila de S. Sebastião, para repelir a invasão que ali havia feito o general Pedro Valdez; batalhou com valor principalmente a companhia de Alexandre Pinheiro, a qual se compunha da gente da Fonte do Bastardo, Ribeira Seca e cabo da Praia: motivo porque o dito Alexandre Pinheiro (3) foi processado com outros, e estando perto de dizerem de facto e de direito, el-rei o absolveu e aos seus colegas no infortúnio.

Seguiu a vila da Praia, e os moradores da sua capitania, abertamente o partido do Prior do Crato, e no dia 5 de Agosto do dito ano o aclamaram em Câmara, conforme as instruções que ali mesmo apresentou o seu enviado António da Costa. Apesar disto, pouco tempo depois, tocando-se rijamente a rebate, por aparecerem naquela baía 12 galeões, e outras muitas velas da armada castelhana, não acudiram aos seus postos os oficiais e ordenanças; em tanto que o corregedor Ciprião de Figueiredo, que servia de capitão-mor, constando-lhe o risco em que estivera a ilha por esta causa, foi à casa da Câmara repreender os vereadores e oficiais da milícia, obrigando todos a um estrito juramento de fidelidade (4).

Por ser a Praia o ponto reconhecido por onde naquele tempo se julgava facilmente poder desembarcar-se, foi o cuidado do governo mandar fortificá-lo; e assim lhe fundaram 12 fortalezas, além de várias estâncias, que tudo se achava munido de artilharia grossa. O conde regedor, Manuel da Silva, ali assentou o seu efectivo quartel, esperando o desembarque dos castelhanos, que todavia no dia de Santa Ana, 26 de Julho de 1583, depois de fazerem diferentes acometimentos em várias partes, e igualmente na Praia, com o fim de cansarem e distraírem as forças da ilha, verificaram o combate na baía das Mós, da vila de S. Sebastião, onde desembarcaram: e durante todo esse dia ocorreu a escaramuça; no dia imediato, 27 de Julho, retrocedendo a montanha, foram alojar-se em Angra. No mesmo dia 27, quando já os nossos estavam em debandada, chegaram as ordenanças da Praia, e fazendo alto em S. Sebastião, sabendo da desfeita dos nossos, e traição do conde dito Manuel da Silva, cuidaram de se retirar à sua capitania e pôr cobro em suas casas. Retirados alguns com Mr. de Chatre, e fazendo-se fortes com ele no sítio dos moinhos da Agualva, poucos dias depois tiveram de capitular, servindo esta retirada somente para impedir que o marquês de Santa Cruz mandasse saquear a Praia, como fora a dita vila de S. Sebastião e a cidade de Angra: tanto assim, que por não estar ali em perfeito sossego, mais tarde, e só no dia 11 de Agosto nela se fez a aclamação do novo rei, D. Filipe, como vemos do respectivo auto, documento G.

Mui distintos foram os serviços do padre João Luiz Homem, vigário da Matriz, parte dos quais constam do referido auto; serviços na verdade bem opostos à sua profissão, e diferentes daqueles que prestara o seu patrício, o mencionado Alexandre Pinheiro Mariz: e assim por uma bizarria da fortuna se viu este proibido de gozar o perdão geral; e aquele premiado pela sua infidelidade ao Rei Português D. António. Todos os dias se nos oferecem estes exemplos, e não longe da mesma família se acham irmãos com opostos sentimentos neste género!

Mui notórios são os vexames que experimentaram os habitantes da Terceira, geralmente falando, depois da dominação castelhana; e se até ali tinham donatários que advogavam algumas vezes os interesses de suas capitanias, agora também perderam essa protecção: el-rei D. Filipe doou os direitos daquelas capitanias ao marquês de Castelo Rodrigo, juntamente com os das ilhas de S. Jorge, faial e Pico, que tudo rendia uns anos por outros 400 moios de trigo, e 60 000 reis anuais impostos na saboaria preta e branca da ilha Terceira [documento H]. Continuando a série dos infortúnios dos terceirenses, também tiveram de defender-se das invasões que pelos anos de 1597 lhes preparou o conde de Essex, e outros chefes da pirataria.

Parece que não só os homens se haviam conspirado na perdição deste povo, mas também o céu os perseguia. No ano de 1599 começou na Terceira o terrível mal da peste, que em toda a ilha matou mais de 7 000 pessoas, maiores e menores. O padre Bartolomeu Cardoso, vigário da Matriz de Santa Cruz, abrindo assento dos mortos, logo que o mal começou, o encerrou depois de um ano, certificando serem ali falecidas 700 almas, cujos nomes por falta de tempo se não escreveram, e só deles ficou um rol informe, que ainda se conserva.

Passado este terrível flagelo seguiu-se outro de não menos consequência que foi a oposição das autoridades administrativas e judiciárias, e a invasão que nestes poderes de vez em quando arrojava a censura eclesiástica. Os corregedores Leonardo da Cunha e Manuel Vieira Horta foram dois frenéticos executores e desapiedados ministros de Filipe III; e os bispos D. Pedro de Castilho e D. Jerónimo Teixeira Cabral coalharam as ilhas dos Açores de interditos e censuras indiscretas, tolhendo a jurisdição de el-rei em toda a parte. Só o governo deste ministros, e as suas imprudências, ocuparia um volumoso tratado (5).

Ainda o céu fulminava castigos contra os Praienses, e no dia 24 de Maio de 1614 caíram por terra assolados os cinco povos daquela capitania, com o terrível terramoto acontecido às 3 horas e meia da tarde. Não me demorarei a contar o que na ilha e em toda a parte foi transmitido pela mão de mui hábeis escritores, depois de uma relação minuciosa que traz o insigne padre M. L . Maldonado. Bastará dizer que ficaram por terra 25 igrejas maiores e menores, com morte de mais de 200 pessoas, inclusive o padre Melchior Machado, cura da dita Matriz.

Logo a câmara de Angra, a da Praia e o cabido deputaram a el-rei o cidadão João Vaz de Vasconcelos, que lhe expusesse a calamidade em que se achavam os povos daquela capitania, pedindo-lhe socorros; sobre o que teve lugar a carta régia que a diante vai transcrita, - documento I - e que se acha a fl. 137, verso, do 1º Livro do registo da referida Câmara da Praia, em 18 de Maio de 1615, acusando a participação daquele miserando caso, segundo a pintura que lhe fizera o benemérito corregedor João Correia de Mesquita, dando-lhe parte do modo e maneira como com que acudira aos trabalhos em que se acharam os religiosos e religiosas, e mais gente daquele povo, por tão extraordinário sucesso; aprovando as medidas que tomara, e recomendando-lhe que o tempo que lhe restasse dos negócios ordinários, assistisse naquela vila, para se tornar a povoar de forma que ainda ficasse melhorada do que era.

Mandou, outrossim, el-rei a provisão de 18 de Maio referido, que está a fl. 138, para que os mosteiros de Jesus, da Luz e de S. Francisco fossem primeiro reedificados à custa das suas rendas; e que pudessem pedir nas ilhas dos Açores esmolas para este fim. Ordenava mais, que os cidadãos reedificariam as suas casas dentro de três anos, com pena de ficarem os sítios e chãos devolutos ao concelho da dita vila, para o corregedor e Câmara, com a comissão dos homens bons, os poderem dar a quem reedificasse; podendo lançar novas ruas e travessas (como com efeito se fizeram algumas) em boa direcção e a cordel, para que se levantassem finalmente as casas e muros da vila, e ficasse a ilha mais bem fortificada.
Que para isto se efectuar concedia os sobejos das rendas dos dois por cento de todas as ilhas Terceiras, que estava aplicado e pertencia à fortificação de cada uma delas; que se pusesse imposição de um real no arrátel de carne, canada de vinho e azeite, por tempo de um ano, também em todas as ilhas; que durante aquele tempo não pudessem os soldados do presídio ter taverna; e que os moradores daquela capitania da Praia não pudessem ser fintados para nenhuma outra obra; e para que melhor se povoasse a vila (6), concedeu aos moradores, e pessoas que servissem nos cargos da governança dela, os privilégios que tinham e de que gozavam os cidadãos do Porto; cujo traslado mandava se lhes desse, e lhes fossem guardadas tais isenções e privilégios.

Consta outrossim a fl. 140, que por outra provisão mandara el-rei dar 2 000 cruzados para a reparação das capelas mores, retábulos e sacristias das igrejas paroquiais, e por tempo de 4 anos (por provisão de 20 de Maio de 1615). E a fl. 142 se acha outra provisão dos decaídos, que estavam em depósito principalmente na ilha de S. Miguel, e que estavam aplicados para a fortificação; isto a requerimento de João Vaz de Vasconcelos, procurador da Câmara, que ,logo preveniu sabia haveriam embargos a tal provisão.

Todavia mandou el-rei que se preenchesse, e cumprisse a provisão real que mandava pôr nos líquidos atavernados e nas carnes verdes, e que vindo alguém com embarcação a ela se lhe desse vista em separado; e quanto aos decaídos se aplicassem também, para mais depressa ficar desobrigado este tributo; que o corregedor conhecesse dos embargos com que viessem algumas vilas, e os remetesse ao desembargo do paço. Foi esta provisão datada de 10 de Setembro de 1615.

Porém, não obstante estas sábias providências, as freiras de Jesus, protegidas pelo Bispo D. Agostinho Ribeiro (7), e de antes por seu antecessor D. Jerónimo Teixeira Cabral (8), destinavam fazer convento em Angra; e por isso porfiava a Câmara que o seu convento fosse o primeiro que se reedificasse; e que logo acabado fossem recolhidas em clausura, na forma do Breve Pontifício que a este fim alcançara contra elas e o dito Bispo. Assim mandou el-rei definitivamente, cometendo a reedificação deste convento ao capitão-mor Francisco da Câmara Paim, por uma sua provisão de 2 de Agosto de 1617, já quando, e há muito as religiosas da Luz haviam consertado o seu convento e nele moravam.

Finalmente chegando tão suspiradas providências, e as melhores que naquele tempo se podiam esperar, foram autuadas na Câmara da Praia ante o corregedor dito Mesquita, sendo presentes os vereadores de Angra, Cristóvão de Lemos de Mendonça, juiz; Luís Homem da Costa, Cristóvão Borges da Costa, e Luiz do Canto, vereadores; Pedro Dias procurador, e com os misteres. E da Praia estavam presentes Manuel do Canto Vieira, e Manuel Paim da Câmara, juizes; André de Sousa Pereira, Gaspar Monteiro, e Luiz Vaz de Vasconcelos, vereadores; e Domingos Pacheco, procurador do concelho: e, com os homens bons, o capitão-mor Francisco da Câmara Paim, Gaspar Camelo do Rego, Henrique Bettencourt, Luiz de Badilho da Câmara, Paulo Lopes Machado, João Luiz Teixeira, João Mendes de Vasconcelos, e Miguel do Canto Vieira, todos pessoas da governança da vila e termo.

Proposto o negócio das novas imposições não faltaram dificuldades, como sempre acontece: os de Angra opuseram-se, como se esperava, alegando que a cidade pagava muitos impostos de mantimentos, um para pagamento do aluguer das casas ocupadas pelo presídio castelhano; outro que era a imposição velha sobre carnes azeites e vinhos, que servia para a lenha e azeite dos dois castelos; que mais pagavam os moradores da cidade por outra provisão 3 000 cruzados, para se fazer o alojamento dentro do mesmo Castelo de S. Filipe, e muitos outros e outros; e que tudo isto se não podia deixar de cumprir; pelo que entendiam eles embargantes, não era possível carregar a dita cidade com novos impostos. A isto replicaram os da Praia, que se cumprisse a provisão; e assim se mandou: do que resultou agravar a Câmara de Angra, alegando, além do que fica dito, muitos serviços prestados pelos seus habitantes, de trinta anos àquela parte; o que tudo manifesta do referido Livro do Registo de fl. 144 em diante. Em conclusão da sentença referida e dada na relação, não foram agravados os agravantes pelo corregedor João Correia de Mesquita, e foi proferida em 11 de Março de 1616.

Ficando assim terminada a questão, feitos os registos dos novos impostos embarcou o corregedor para as ilhas de baixo no mês de Outubro de 1615, antes de proferida sentença na relação, porém já correndo nesta ilha a imposição, excepto na Vila de S. Sebastião, onde se não pôs; porquanto impugnando a Câmara com o fundamento de Ter ali a vila, e a fortificação da costa, sofrido pelo terramoto, foi atendida. E sem embargo dos que lhe puseram todas as Câmaras das ditas ilhas, estabeleceu a imposição (9); e demorando-se nelas até ao mês de Maio de 1616, passou à Terceira a fazer arrematar as obras da igreja Matriz, paço do concelho e audiências, alinhando as ruas da dita vila, a praça, e tratando da reedificação dos conventos. E porque recebeu ordem de el-rei para ir a S. Miguel a outros negócios urgentes, se embarcou em Novembro daquele ano, deixando comissão ao capitão-mor, o dito Francisco da Câmara Paim: demorando-se ali até Agosto de 1617, chegou no entretanto o sargento-mor Marcos Fernandes de Teive, com regimento para se fazer uma junta no castelo de S. Filipe sobre a fortificação e defensão destas ilhas, pelas mui certas novas de serem atacadas pelos corsários; pelo que de novo cometeu o corregedor o negócio da fortificação ao dito Paim, entregando-lhe o dinheiro necessário, de que era depositário o nobre Manuel do canto Vieira (10).

Fez da mesma forma as ditas imposições na ilha de S. Miguel, no importe de três mil cento e tantos cruzados, dos quais fez cobrar, estando naquela ilha 383:000 reis, os quais salvara consigo da barca que se queimou (11), perdendo nela a sua roupa, com morte de cinco religiosos, dois escrivães, e o porteiro da correição. Tal foi o conteúdo do precatório referido, mandado ao capitão-mor Francisco da Câmara Paim a 15 de Março de 1618, e registado no mencionado Livro dos Acórdãos.

Apresentado este precatório foi aceito em tudo, menos na parte que dizia respeito às freiras de Jesus; porquanto, suposto Sua Majestade lhe houvesse incumbido a reedificação do seu convento, as religiosas haviam dele dado uma força, e se achava o caso por apelação. Todavia, acha-se que o mesmo corregedor João Correia se deliberou a ir pessoalmente tratar da conclusão das obras da Praia, em 6 de Outubro daquele ano, sendo a primeira a reedificação do mosteiro das ditas religiosas, da qual dependia a maior parte da vila, e Sua Santidade as mandava recolher, logo que estivesse formada clausura nele; e se deviam terminar os gastos que em Lisboa se faziam com o procurador João Vaz de Vasconcelos, sobre este objecto e obras de reedificação. Assentaram mais o dito corregedor e a Câmara, que se requeresse a el-rei mandasse entregar ao tesoureiro geral desta reedificação, os dois mil cruzados que por tempo de quatro anos se acordavam tirar dos três mil cruzados aplicados às obras da Sé de Angra; pela experiência que os provedores da fazenda não cumpriam tal determinação, apesar de serem passados três anos. Assentaram mais, se pedisse a el-rei aplicasse a esta obra, o dinheiro que estava aplicado ao Bispo para fazer esmolas, para assim restituir as grandes perdas que tinha causado em não cumprir as letras do Santo Padre, e as provisões de el-rei sobre a mudança das mencionadas religiosas de Jesus: E porque as ditas freiras não queriam dar coisa alguma para se reedificar o próprio convento, e "manhosamente" retiravam da jurisdição da Praia suas rendas, se lhe embargassem dez ou doze moios de trigo nas rendas daquela novidade. Assim tratado este negócio, assinaram o respectivo auto.

Enfim, depois de vários anos, e de imensas dificuldades para se reunirem fundos suficientes a reparação tão custosa, resistindo ao pagamento todas as Câmaras das ilhas, principalmente as de S. Miguel, onde foram por vezes alguns deputados da Praia (12), terminou-se este importante negócio: el-rei mandou uma provisão em 12 de Maio de 1621, anuindo à queixa que lhe fez a Câmara, para que as freiras de Jesus viessem habitar no seu convento; e porque não quiseram, decididamente ordenou em 7 de Junho, que o corregedor as obrigasse, e fizesse ver ao Bispo o erro em que incorria, impedindo-as com despachos engenhosos para que não voltassem. Voltaram então em cruz alçada, e a parte dos moradores que pretextavam a sua falta para não voltarem aos seus lares.

Tais foram os trabalhos de reedificação da Praia e povoações da sua capitania, arruinadas no infausto dia 24 de Maio de 1614 pelo extraordinário terramoto que ali teve lugar; em cuja reedificação muito se distinguiu o zelo do referido corregedor João Correia de Mesquita, a quem tudo se deveu, como disse a el-rei o procurador da Câmara, o dito João Vaz de Vasconcelos, em um requerimento que lhe fez: que a não ser ele, e as acertadas providências que dera, muitas pessoas teriam acabado de miséria, e à pura necessidade de tudo. Não ensinavam ainda as luzes do tempo, como os homens, por meio de socorros mútuos, empréstimos e esmolas, se podem salvar de semelhantes catástrofes, da forma que ainda no ano de 1841 se experimentou naquela vila. Mas é verdade que também ainda naquelas praias não havia ressoado o canhão da liberdade, como agora se experimentou.

Continuaram no entretanto (1618) os preparativos da costa para excluir os piratas, que com grande poder infestavam os mares dos Açores, e saquearam as ilhas de Santa Maria, e Porto Santo; motivo por que veio para Angra o capitão e sargento-mor Marcos Fernandes de Teive, de quem já falei, o qual com o corregedor, o governador do Castelo e a Câmara de Angra, assentaram a maneira de reparar a fortificação da costa. Mais tarde se foi procedendo na Praia, porque acho um auto de vistoria em 3 de Julho de 1620, em que assistiu o corregedor Manuel Vieira Borba, o capitão-mor Francisco da Câmara Paim, e oficiais da Câmara, que todos juntos, depois de lida uma carta régia que anunciava uma esquadra de argelinos, composta de 46 velas, com 6 a 8 mil homens, resolveram reparar as fortificações da baía da Praia. Igual participação recebeu o governador castelão Pedro Ponce. Mas esta famosa enseada que no tempo do governador Manuel da Silva teve 12 fortes municiados de artilharia de bronze (13), além de muitas estâncias e trincheiras, agora estava em abandono, com somente três peças, duas de ferro, e uma de bronze arremendada.

Tal era o estado da fortificação da baía da Praia, porque o castelão do Castelo de S. Filipe, tudo arrastara à cidade para nela se fortificar; e porque não havia dinheiro para tão grande obra, assentaram, de faxina, fazer alguns reparos e melhoramentos no forte de Santo Antão, Santa Catarina, e Santa Cruz. Apesar de todas estas medidas, e dos exercícios da ordenança que toda se armou de novo, mandando o capitão-mor e provedor das fortificações prontificar oito moios de trigo em bolacha, o inimigo não apareceu, inutilizando-se tudo isto, e perdendo-se o tempo que decorreu de 3 de Julho até ao fim de Setembro daquele ano de 1620.
Notas

1. Colhemos esta notícia pelos assentos respectivos da milícia, que ainda pudemos encontrar na Câmara em alguns fragmentos de letra gótica. Sentimos achar ocasião de notar como inexacta a notícia que na Topographia da Terceira, T. 2, a página 120, dá o seu autor Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, quando diz que marcharam para o combate da Salga na vila de S. Sebastião, a 25 de Julho de 1580, os capitães da Praia Sebastião do Canto, Bernardo de Távora, Pedro Cota, e outros, comandando as companhias de milicianos. Nenhum destes era capitão nesta parte; e pela reforma que se fez na ordenança, suposto fossem todos capitães antigos da cidade, não consta assistissem ao combate que ali se deu, e cruamente feriu naquele dia. Assistiram sim outros muito diferentes, que todos achámos em documentos dignos de fé, e na relação que disto se fez.

2. Dizia a carta régia que os ingleses e franceses armavam grandes esquadras para invadirem os domínios de Portugal e as ilhas dos Açores.
3. Era natural do Cabo da Praia, filho de Baltazar Gonçalves, o "Meninarro", cavaleiro do Infante D. Luiz no sítio de Ceuta.
4. Consta do Livro das Vereações, onde se lê o auto em data de 11 de Agosto de 1580. Note-se a célebre coincidência de certos factos neste dia, entre aquele povo. No dia 11 de Agosto de 1583 aclamou-se D. Filipe; e em 11 de Agosto de 1829 arvorou-se na mesma vila o estandarte da liberdade, excluído o governo infausto de D. Miguel.
5. D. Pedro de Castilho excomungou o corregedor Ciprião de Figueiredo e seus oficiais no ano de 1580, por causa da prisão de uma Margarida Álvares; e se bem que as Câmaras lhe requisessem que levantasse a excomunhão, ele não só as desatendeu, senão ainda excomungou o juiz da Praia João Cardoso, e o tabelião Francisco Lagarto Lobo, porque lhe não mostravam os autos que fizeram. D. Jerónimo em 1602 também invadiu o direito dos seculares com penas e censuras escandalosas. Igual procedimento teve o ouvidor do dito bispo D. Jerónimo contra o juiz dos órfãos da vila de S. Sebastião, declarando-o excomungado, porque indo fazer inventário a casa do beneficiado Francisco de Toledo, por deixar os seus bens a um sobrinho, Gaspar de Toledo, leigo e da jurisdição secular, os testamenteiros, Simão Fernandes e Vicente Fernandes, ambos padres, lhe impediram entrar em casa, vendo-se ele obrigado a romper as portas a machado. Todas estas desordens procediam da interpretação sinistra que se dava ao Concílio Tridentino, com o qual se achara em oposição uma constituição do bispado, em matéria de jurisdição.
6. As freiras de Jesus eram as únicas pessoas que , por suas comodidades e indução do Bispo, não se queriam mudar, como veremos, e consta da impugnação que fez a Câmara de Angra.
7. Os antigos escritores, e o contemporâneo M. Fr. Diogo das Chagas, contam que este Bispo fora um excelente orador; e que reconhecendo o quanto os padres abusavam de seus ofícios, logo que se achavam colados nas igrejas e benefícios curatos, durante o tempo do seu governo não quis servisse algum senão como ecónomo; e que sendo-lhe perguntada a causa não recusava dize-la. A experiência tem mostrado que D. Agostinho se não enganava. E que diria ele hoje, se visse o que nós vemos!
8. Este prelado fulminou censura contra a Câmara da Praia em 1600, quando os franciscanos puseram o seu convento dentro da vila, tomando o partido das freiras de Jesus, que os não queriam junto de si: do que resultou que por sentença final se mandasse lançar uma travessa, pela qual se dividiram, e tem hoje o nome de Rua dos Remédios (consta do arquivo franciscano). Daqui veio a repugnância que estas religiosas tinham a morarem na Praia; e não por falta de saúde, tísica e ética, como alegou a Câmara de Angra subtraindo-se ao pagamento da fruta.

9. Tudo isto consta de um precatório do mesmo corregedor ao capitão-mor Francisco da Câmara, fl. 121 7º do Livro dos Acórdãos.

10. O depositário Bartolomeu de Miranda, em Angra, tinha em seu poder 910 000 da imposição, e 203 050 do rendimento da ilha do Faial, procedidos de três quartéis; e todo este dinheiro se despendia, por mandados do corregedor. Neste mesmo deprecado repreende certas quantias que se despenderam na Praia por ordem da Câmara, com ordenados e salários de comissões fora das ditas obras, e sem mandados por ele assinados, a quem só competia.
11. Parece que se queimou o navio onde vinham para a Terceira.
12. Foram enviados nesta comissão à ilha de S. Miguel, os vereadores Luiz de Badilho da Câmara e Francisco Ferreira Drumond, que era morador à Ribeira Seca, o primeiro deste apelido na Terceira.
13. Neste auto fez-se a menção da muralha que ia do forte das Chagas ao Porto do Calhau, com suas banquetas e parapeitos.

Fontes:

Francisco Ferreira Drummond. Memória Histórica da Capitania da Praia, in Memória Histórica do Horrível Terramoto de 15.VI.1841 que Assolou a Vila da Praia da Vitória, edição da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Praia da Vitória, 1983 (reimpressão fac-similada da edição de 1846), 283 pp.A ortografia foi actualizada e a errata introduzida.


Mais informação sobre Francisco Ferreira Drummond e a sua obra:
Nota biográfica de Francisco Ferreira Drummond.
O Historiador Francisco Ferreira Drumond - A sua Vida e a sua Obra, por Joaquim Moniz de Sá Corte-Real e Amaral.
Anais da Ilha Terceira.
Memória Histórica da Capitania da Vila da Praia da Vitória.

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