sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O Comércio dos Açores no no século XVIII

Rotas e Transações

1. Introdução

Nos alvores da colonização açoriana de quatrocentos, a garantia do provimento quotidiano e a mitigação de carências externas modelam o semblante da estrutura económica, que naturalmente repousa na necessidade da subsistência e no estímulo da exportação(1). Nestas circunstâncias, reconhecemos a emergência de um modelo de economia plural, porque o auto-abastecimento promove a diversificação da agricultura e o fomento do comércio insular, enquanto as solicitações dos vorazes mercados português e europeu determinam a comedida especialização, firmada no predomínio de certas culturas.


Na definição do quadro económico dos Açores, reconhecemos ainda o coerente cruzamento de tradição e modernidade. De facto, os portugueses transportam para as ilhas os ingredientes da dieta alimentar metropolitana, concretamente os cereais e o vinho, mas a crescente procura euporeia fomenta as novidades, sobretudo o açúcar e o pastel, que muito beneficiam das experiências de italianos e flamengos. Todavia, os condicionalismos ambientais e as conjunturas mercantis euro-ultramarinas favorecem a perene abastança frumentária e a periódica uberdade da tintureira, determinando a irrelevância comercial das produções de vinho e de açúcar, que descobrem na Madeira propício meio de medrança. Assim, o arquipélago açoriano sempre corresponde aos propósitos económicos da expansão quatrocentista portuguesa, porque suaviza as tradicionais carências cerealíferas nacionais, curiosamente agravadas pela empresa africana, e suscita a obtenção de muitos proveitos, resultantes da consentânea comercialização do pastel em circuitos internacionais. Além disso, as ilhas constituem seguro campo de ensaio e transplante de culturas para o sobrante universo atlântico, que por vezes redunda na prática de ruinosa concorrência (2).


O estudo da economia dos Açores manifesta a marcante influência de inexoráveis dinâmicas externas, que paradoxalmente significam progresso e debilidade. Com efeito, as consecutivas conjunturas euro-ultramarinas motivam períodos de grande prosperidade abruptamente separados por fases de declínio, que determinam a irrequieta busca de novas soluções (3). Nestas circunstâncias, alguns historiadores caracterizam a história económica das ilhas pela sucessão de distintos ciclos. A cuidada averiguação dos factos desmistifica, entretanto , esta visão que, por demasiado simplista, granjeia natural acolhimento. Com efeito, a restritiva noção de ciclo implica obviamente a monocultura e, por conseguinte, a inteira dependência dos mercados externos, para a pontual colocação de exportações e a necessária compra de abastecimentos. No arquipélago, nunca reconhecemos esta situação, porque a imperiosa subsistência e a diversidade do meio admitem apenas a desigual predominância de certas produções. De facto, as dificuldades de comunicação, as privações portuguesas e até a inexorável perspectiva colonial ditam o auto-provimento das novas comunidades insulares, que impossibilita a unicultura. Do mesmo modo, a heterogeneidade dos ambientes impõe a explícita arrumação das produções, criando um estado de equilíbrio.


Nos Açores, a coexistência de economias de subsistência e mercado não anula a suprema relevância das variáveis produções predominantes, que intensificam a inserção das ilhas nos circuitos comerciais euro-ultramarinos, gerando a realização de considerável riqueza. Neste caso, releva a perdurável cultura dos cereais, que minimiza a tradicional insuficiência frumentária do Reino e acorre às inalteráveis rupturas de abastecimento das praças marroquinas, muito determinadas por dinâmicas de guerra, e às surgentes privações madeirenses, sobretudo resultantes de compreensíveis intentos de maior especialização(4). Ademais, a história económica açoriana ressalta, na confluência dos séculos XVI-XVII e na primeira metade de oitocentos, o valimento das culturas de pastel e laranja respectivamente, que motivam tempos de singular ventura(5). À luz desta leitura, necessariamente superficial, releva o problemático marasmo económico do século XVIII, ainda decorrente do colapso da produção de pastel na dobragem do primeiro quartel de seiscentos e da tardia descoberta de uma alternativa de equiparável rentabilidade com o incremento da cultura de citrinos no termo de setecentos. Porém, o simples reconhecimento do complexo encadeamento dos factos e das conjunturas do passado demanda a circunspecta ponderação, para prevenir o ordinário enleio em contradição.


A tradicional historiografia açoriana converge na individualização de decadência nos Açores do século XVIII. Aliás, o eminente historiador oitocentista terceirense F. Ferreira Drummond demarca, por exemplo, um tempo de torpor desde o movimento da Restauração em 1640 até às reformas pombalinas de 1766, significativamente equiparadas a projecto de regeneração(6). Na origem deste singular entendimento, enumeramos as referências políticas, os ditames da estratégia e naturalmente a ordinária sucessão das oportunidades económicas.


No âmbito político, a vulgar repulsa dos historiadores do século XIX em referência ao anteposto primado do Antigo Regime acentua, também nas ilhas, o incerto síndroma de crise, que necessariamente acarreta indisfarçável dissimulação. Na verdade, estes estudiosos deploram os invariáveis sucessos do determinismo económico internacional e condenam a acção política portuguesa, isentando apenas o génio de Pombal, cuja obra quadra no prelúdio do liberalismo, apesar do imaginário paradoxo(7). Ademais, no conspecto político e militar, a falta de real protagonismo salienta o presságio de decadência. Com efeito, depois da heróica resistência anti-filipina e da gesta da Restauração, a preponderância dos Açores na definição do destino de Portugal aguarda pelas vicissitudes das lutas liberais, que ocorrem no 1º terço do século XIX (8).

No domínio da estratégia, o excepcional posicionamento geográfico dos Açores no Atlântico Norte, muito potenciado pelos condicionalismos físicos do mar e pelas condições técnicas da navegação, converte desde cedo o arquipélago em relevante expediente da constante aproximação dos continentes (9). Esta função faculta o usufruto de evidentes benefícios económicos, resultantes da regular escala das rotas transatlânticas de retorno, que transportam os cobiçados produtos exóticos e metais preciosos, suscitando lucrativas oportunidades de redistribuição e contrabando (10). Na exploração do Ultramar, avulta o pioneirismo dos portugueses e a subsequente concorrência castelhana, constituindo o clausulado de Tordesilhas a solução da anteposta disputa e o reconhecimento do exclusivo ultramarino dos ibéricos, contra as pretensões mais incipientes das restantes potências europeias(11). Porém, na 2ª parte de seiscentos, a reordenação da influência colonial penaliza transitoriamente a projecção das ilhas, nas inseparáveis e prepostas perspectivas de comercialização de bens e etapa da conquista do Além-Mar. Com efeito, ao cabo de dois séculos de monopólio ultramarino, os peninsulares enfrentam a competição dos nórdicos no Oriente e na América. Nestas circunstâncias, a decadência do império colonial português e o pleno acesso da Europa do Norte ao Ultramar prejudicam a inserção dos Açores em circuitos do comércio internacional, por força da exploração de novas rotas transatlânticas, resultantes da definição de distintos centros nevrálgicos de domínio dos mares. No entanto, a força da geografia depressa recoloca o primado do arquipélago no seio das novas dinâmicas euro-coloniais, minimizando a revelação de perdurável prenúncio de declínio, de maior significado na restrita perspectiva portuguesa. De facto, a preservação da tradicional relevância dos Açores nas relações entre a Europa e o Ultramar, nomeadamente as Américas, faculta também a fruição do corrente benefício comercial. No sustento do tráfico mercantil, ressaltam uma vez mais a redistribuição e o contrabando de mercadorias exóticas e ainda o esteio das produções locais, que conquistam os mercados externos (12).

Na análise da situação económica açoriana, as perturbações euro-atlânticas de seiscentos aconselham a opção por uma estratégia de desenvolvimento interno menos dependente da inconstância do comércio internacional. Todavia, o colapso da cultura do pastel acresce naturalmente as dificuldades, considerando a abrupta interrupção do lucrativo comércio de exportação para distintos pólos "industriais" europeus. Este sombrio panorama não significa, entretanto, irremediável declínio. Na verdade, a influência da geografia determina a rápida revalorização na nova orgânica ultramarina. Além disso, o labor dos homens promove o conveniente aproveitamento das potencialidades insulares, em contínua obediência aos invariáveis requisitos da subsistência e aos vantajosos intentos da comercialização. Com efeito, o desaparecimento do pastel reforça o tradicional cultivo dos cereais, avultando o acréscimo das colheitas de milho, e fomenta a produção de leguminosas, principalmente as favas e o feijão. A vulgar utilização do milho e dos legumes no sustento quotidiano dos necessitados, que constituem o grosso da população, liberta ainda as colheitas de trigo para o cumprimento das usuais obrigações de provimento externo(13). Ademais, no século XVIII, a vinha descobre espaço de proveitosa lavoura nos solos pedregosos das ilhas do grupo central, particularmente no Pico. A abundância de vinho e o consequente fabrico de aguardente, que geram profícuo trato mercantil, desmentem a suposta inaptidão vinícola açoriana, resultante da primitiva introdução dos bacelos nas ilhas de S. Miguel e Terceira, de fraca fertilidade e ordinária qualidade, e da abastança e superioridade das produções metropolitana e madeirense (14). Por último, na era de setecentos, acresce a cultura do linho, que sustenta frágeis projectos manufactureiros e proficientes carreiras comerciais, e avulta a antevisão da quadra de prosperidade decorrente do incremento dos citrinos (15).


2. As Relações Comerciais

As produções agrícolas açorianas, a descontinuidade geográfica insular e o posicionamento do arquipélago na confluência de muitas rotas transatlânticas determinam o figurino dos principais tratos mercantis. À margem das naturais relações inter-ilhas, o comércio dos Açores busca distintas e até longínquas paragens, nomeadamente Lisboa, Madeira, Canárias e Marrocos, o Novo Mundo, sobretudo as cidades brasileiras e as colónias inglesas da América do Norte, e a Europa Setentrional, com realce para a Grã-Bretanha.

2.1. O tráfico açoriano

Nos Açores, a variante geográfica, a diferenciada estrutura económica e a política régia de auto-suficiência condicionam o comércio insular. De facto, as naturais relações de vizinhança, as assimetrias económicas inter-ilhas e a imprevisível contribuição metropolitana definem no arquipélago rotas e relações comerciais privilegiadas. Deste modo, o tráfico ilhense cumpre três desígnios fundamentais: a garantia do auto-abastecimento, através de uma política niveladora das disparidades económicas regionais, a concentração de todas as exportações nos portos de relevo internacional e a redistribuição pelas ilhas mais afastadas e menos influentes das importações portuguesas, ultramarinas e estrangeiras. No arquipélago, a maior assiduidade de contactos mercantis decorre entre as ilhas do grupo central, geograficamente muito próximas e de características agrícolas distintas. A inserção dos grupos oriental e ocidental no comércio insular processa-se com maior dificuldade, por via da fertilidade agrícola de S. Miguel, que obriga apenas à importação de algum vinho e aguardente, e do isolamento das Flores e Corvo. Ademais, diversas ilhas estabelecem apertadas relações de complementaridade e dependência, avultando neste particular o conjunto Faial-Pico, mas também a relativa subordinação de S. Jorge e Graciosa, Santa Maria e Corvo para com a Terceira, S. Miguel e Flores respectivamente.


No meio do arquipélago, o trato comercial fervilha em redor dos portos de Angra e Horta, resultando da vizinhança das ilhas, que faculta a utilização de pequenos barcos construídos localmente, e da coexistência de economias tão dispares como as do Pico, Faial, S. Jorge e Graciosa, que fomentam o intercâmbio mercantil. Aliás, no grupo central, apenas a Terceira dispõe de uma estrutura económica variada e auto-suficiente, mas as conexões euro-ultramarinas do porto de Angra reclamam os excedentes das ilhas circundantes(16).Porém, os barcos das costas sul de S. Jorge e norte do Pico preferem viajar para a Horta. Todavia, intensifica-se o tráfego entre o Faial e a Terceira, ao mesmo tempo que se fortalece uma importante carreira que une as vilas das Lajes do Pico e do Topo de S. Jorge a Angra, cuja cidade pontifica no comércio com a Graciosa (17).

Os incompletos registos camarários angrenses testemunham a predominância de algumas permutas e rotas mercantis. Com efeito, o improtelável provimento do vasto mercado de Angra reclama a afluência de excedentes agro-pecuários das ilhas circundantes, nomeadamente gado, vinho, aguardente, cereais, legumes, madeira e lenha, para suprir contingentes necessidades locais e constantes solicitações externas. O gado provêm da ilha de S. Jorge, mormente do concelho do Topo (18). Aliás, a correspondência do Topo com a cidade de Angra equivale aproximadamente a metade do movimento marítimo entre S. Jorge e a Terceira. Como é óbvio, este fenómeno decorre da localização da vila do Topo, porquanto ainda por força da geografia os municípios da Calheta e sobretudo das Velas repartem as suas correlações mercantis com a ilha do Faial. As importações de vinho procedem em primeiro lugar do Pico, mas releva a entrada de muitas pipas de S.Jorge e ainda de menos quantidade da Graciosa e do Faial (19). Na verdade, a fecunda produção vinícola picoense não ressalta claramente nas trocas comerciais com a Terceira. De facto, como se sabe, o município da Madalena, de maior fertilidade, mantêm laços económicos privilegiados com a vila da Horta. Assim, a maioria das embarcações picoenses que aportam em Angra dimana das jurisdições de S. Roque e Lajes, transportando também muita madeira e lenha. Em relação às importações de aguardente, em meados de setecentos, ressalta o predomínio da Graciosa , seguido de perto pelo Pico, constando depois os contributos de S. Jorge e do Faial (20). O motivo da prevalência gracioense resulta decerto da inferioridade das castas, que aconselha a atempada destilação dos vinhos. As compras terceirenses de cereais e legumes também procedem sobretudo da Graciosa, ressaltando as importações de cevada (21). Por sua vez, a madeira e a lenha fluem principalmente do Pico e ainda de S. Jorge (22). Ademais, os graciosenses e os jorgenses exportam habitualmente para Angra outras produções locais de menor valor económico. Assim, da Graciosa chegam toucinhos, carneiros, galinhas e ainda plantas tintureiras, concretamente sumagre e urzela. Por seu turno, de S. Jorge, desembarcam muitos queijos e inhames. Por fim, provenientes da ilha do Faial, descarregam-se em Angra diversos produtos de origem inglesa e norte-americana, designadamente bacalhau, arroz, queijos, ferro, cera e fazendas. Esta ocorrência deriva, como é evidente, da privilegiada inserção da vila da Horta nas rotas comerciais britânicas, que unem ambas as margens do Atlântico Norte (23).

A Terceira, por sua vez, acorre às demais ilhas do grupo central, na eclosão de graves crises frumentárias, muito frequentes no Pico, Faial e S. Jorge. Assim, os terceirenses expedem trigo, milho e outros víveres. Estas exportações geram um comércio rentável, que até perturba a subsistência da própria ilha (24). Além disso, os comerciantes de Angra redistribuem pelas ilhas circunvizinhas muitas importações metropolitanas e do estrangeiro, nomeadamente sal, azeite, manufacturas e quinquilharias.


Ao invés do que sucede no centro do arquipélago, a inserção dos grupos oriental e ocidental no comércio insular afigura-se mais problemática. Em primeiro lugar, o afastamento geográfico e a agitação marítima impõem o uso de embarcações de alto bordo, designadamente bergantins, que as mais das vezes só operam com segurança no decurso do Verão (25). Além disso, a auto-suficiência de S. Miguel dificulta a manutenção de permutas regulares com as produções das outras ilhas , exceptuando algum vinho e aguardente que os micaelenses importam para consumo próprio e redistribuição. De igual modo, a exiguidade dos mercados insulares demove a cobiça dos comerciantes e proprietários de Ponta Delgada, mais interessados na conquista de sólidas posições nas lucrativas praças metropolitanas, coloniais e europeias. Neste contexto, o auxílio de S. Miguel às crises de subsistência que grassam nas ilhas economicamente mais débeis resulta em muitos casos da interferência dos agentes régios, após insistentes súplicas dos necessitados (26). No referente às relações comerciais com as Flores e Corvo, as reduzidas potencialidades destas ilhas, proporcionais à sua limitada dimensão, provocam a indiferença dos agentes económicos insulares que, apenas em períodos de acentuada escassez de cereais, recorrem às sobras de trigo do grupo ocidental. Esta conjuntura constrange os florentinos a enviar em cada Verão um bergantim carregado de trigo, madeira de cedro e miudezas, que procuram trocar nas cidades do arquipélago ou mesmo em Lisboa pelos bens que necessitam, sobretudo vinho, azeite, sal e artefactos (27).

2.2. A correspondência com o Reino, a Madeira, as Canárias e o Norte de África

As tradicionais abundância e insuficiência frumentárias, próprias respectivamente dos Açores e de Portugal, singularizam as relações comerciais entre as ilhas e a metrópole. Com efeito, o provimento cerealífero do Reino e particularmente da cidade de Lisboa estabelece a continente importação do estrangeiro, que advém de regiões muito dissemelhantes, como sejam o Mediterrâneo, o mar do Norte e até as colónias inglesas da América setentrional(28). Esta conjuntura releva a importância económica dos Açores para o Reino, que ainda redobra na ocorrência de crises agrícolas na Europa e nas colónias norte-americanas (29). Todavia, o comércio com Lisboa não prospera grandemente na centúria de setecentos , em virtude da relativa equivalência das produções agrícolas metropolitanas e insulares, que impossibilita trocas de recíproca vantagem. De facto, à margem da ordinária exportação de trigo açoriano para a capital, cuja regulamentação ainda defrauda os desígnios de ganho de proprietários e comerciantes, a abundância vinícola do continente e a pertinaz conquista de novos mercados, amparada pelo poteccionismo régio, dificultam a colocação do vinho dos Açores no Reino, no Brasil e na Inglaterra. No âmbito das importações, as ilhas dependem do sal metropolitano, imprescindível à dieta quotidiana. Porém, os tecidos, manufacturas e quinquilharias, que na maioria dos casos completam o carregamento dos barcos provenientes de Lisboa, adquirem-se também no arquipélago, em contacto com os mercadores da Europa do Norte (30).

Nos Açores, por meados do século XVIII, as trocas mercantis com a metrópole assentam na exportação de víveres de produção local, nomeadamente cereais, mas também legumes, carne e alguma aguardente. A comprová-lo , registe-se que em Abril de 1757 a Junta do Comércio remete ao mercador terceirense Frutuoso José Ribeiro o iate Família Sagrada, para carregar na Terceira ou S. Miguel <<... trigo e em segundo lugar sevada, senteio, e milho e na falta destes toda a casta de legumes, carne de porco, e Agoas Ardentes...>> (31). No âmbito das importações, ressaltam as remessas metropolitanas de sal, que os açorianos aguardam por vezes com muita ansiedade, por via da relevância na dieta alimentar quotidiana (32). Em segundo lugar, avultam as entradas de azeite metropolitano. Aliás, em 1763, o comerciante angrense Frutuoso José Ribeiro, reportando-se às principais importações insulares, refere <<... o sal, azeite e mais [produtos] que uem alem do mar...>> (33). Ademais, as embarcações provenientes de Lisboa transportam mercadorias diversas, concretamente tecidos, chapéus, meias, cera, papel, ferro, tabuado, tabaco, frutos secos, azeitonas, cerâmicas e artefactos (34).

Na globalidade, o comércio das ilhas com a metrópole assenta na permuta do trigo açoriano pelo sal português. Todavia, reconhecemos a prevalência da questão cerealífera neste périplo mercantil. De facto, o móbil do envio de muitos carregamentos de sal aos Açores resulta da necessidade de acorrer a prementes carências frumentárias metropolitanas (35). Do mesmo modo, alguns transportes de sal, azeite, tecidos e quinquilharias, de fácil comercialização no arquipélago, pretendem rentabilizar o negócio dos víveres, obstando aos inconvenientes da realização de viagens em lastro entre Lisboa e as ilhas (36).

A descontinuidade dos registos aduaneiros e camarários açorianos e nacionais não possibilita a rigorosa reconstituição do movimento comercial marítimo entre os Açores e o Reino no decurso da era de setecentos. Contudo, os elementos disponíveis indiciam um tráfego pouco intenso, que privilegia as ligações entre Lisboa e Ponta Delgada (37). De resto, as demais embarcações fluem dos portos produtores de sal, designadamente Setúbal, Aveiro, Figueira e Peniche e no Algarve, de Faro e Portimão(38). O predomínio de Ponta Delgada nas trocas mercantis entre os Açores e o Reino deriva porventura da maior proximidade geográfica, mas sobretudo da pujança agrícola da ilha de S. Miguel, dotada de um mercado interno mais vasto.

A questão cerealífera impera igualmente nas relações comerciais entre os Açores e a Madeira, por força da invariável insuficiência frumentária do Funchal e das determinações régias que incumbem aos açorianos o aprovisionamento dos madeirenses. Aliás, após o abandono de Magazão, o marquês de Pombal eleva o provimento cerealífero da Madeira a fundamental prioridade da produção açoriana (39). Todavia, no século XVIII, o mercado do Funchal reclama também os demais comestíveis açorianos, designadamente os legumes e a carne (40). Ao invés, as produções madeirenses predominantes, mormente o vinho e a casquinha, não conquistam o mercado setecentista açoriano, em virtude do desenvolvimento da viticultura nas ilhas do grupo central. Nestas circunstâncias, as trocas mercantis entre ambos os arquipélagos não adquirem invulgar projecção. As mais das vezes, constam da permuta de víveres dos Açores por moeda, o que desperta a letárgica crise financeira madeirense (41). Ademais, o Funchal reexporta vulgares produtos de origem metropolitana e britânica.

A relevância económica da Madeira não avulta nas rotas comerciais portuguesas. Como se disse, a questão cerealífera determina o tráfico com os Açores. O relacionamento mercantil com a metrópole encontra-se igualmente dificultado, por via da insuficiência cerealífera e da abundância vinícola metropolitanas (42). Pelo contrário, a importância geoeconómica do arquipélago da Madeira ressalta em périplos comerciais estrangeiros, designadamente britânicos. Com efeito, os ingleses frequentam muito o porto do Funchal, donde extraem o excelente vinho da Madeira, que trocam principalmente por comestíveis procedentes das ilhas britânicas e das colónias da América do Norte (43). Por isso, muitos dos barcos ingleses que ancoram nos portos açorianos possuem a cidade do Funchal por capital objectivo mercantil(44).

A problemática cerealífera, que pontifica na correspondência mercantil dos Açores com o Reino e a Madeira, modela ainda o tráfico com Marrocos. Na verdade, a coroa portuguesa organiza a exportação cerealífera insular, consoante as necessidades mais prementes. Até ao ano de 1769, o provimento de Mazagão constitui o principal encargo da produção açoriana, pois a problemática ocupação marroquina acentua a secular insuficiência frumentária de Portugal. Por isso, o rei isenta a exportação de trigo para Mazagão do pagamento das ordinárias taxas aduaneiras, nomeadamente da imposição dos 2%, gerando até o descontentamento dos arrematantes das alfândegas, que alegam quebra de rendimento (45).

O comércio dos Açores com Mazagão assenta quase exclusivamente na exportação de trigo e alguns legumes, para manutenção do presídio português. As poucas embarcações que da praça marroquina retornam ao arquipélago transportam por vezes couros (46). No entanto, a generalidade dos navios que carregam cereais para o Norte de África procede de Lisboa, trazendo obviamente sal, azeite, fazendas e quinquilharias (47). A regular provisão cerealífera da cidade de Mazagão constitui por vezes um pesado encargo para os Açores, pela pontualidade e montantes requeridos. Aliás, o abastecimento da praça marroquina ocasiona eventuais crises frumentárias nos anos de maior esterilidade, obviamente nas ilhas que fornecem mais cereal (48). Por isso, os açorianos desrespeitam o prioritário aprovisionamento do Norte de África, prepondo a comercialização do trigo em circuitos mais lucrativos, motivando a repulsa dos assentistas do presídio do Magrebe, que denunciam a indevida extracção de cereais, antes da garantia do obrigatório provimento de Mazagão(49).

Na óptica do próprio Reino, a praça norte-africana transforma-se num sumidouro de recursos humanos e materiais, que justifica o seu abandono, por altura do apertado cerco militar de 1769. No arquipélago, a perda de Mazagão repercute-se naturalmente no comércio de cereais. A partir de então, a coroa defende a liberdade de exportação contra o tradicional controlo camarário, que o atempado abastecimento de Mazagão reclamava. As autoridades da corte advogam ainda que a liberalização fomenta a produção, contribuindo para o rápido e eficiente socorro das seculares insuficiências frumentárias da Madeira e do Reino (50).

Os barcos de comércio que ligam os Açores ao Reino, Madeira e Mazagão rumam muitas vezes às Canárias e Cabo Verde, frequentando igualmente a costa ocidental africana até à região do Senegal. As trocas mercantis com as Canárias adquirem particular relevância no século XVII e acrescem no primeiro quartel da centúria seguinte, após a assinatura do tratado de Utrech em 1715(51). A comprová-lo, registe-se a ordinária circulação de moeda espanhola nos Açores, que compensa a escassez do numerário português (52). Desta forma, o decreto régio de 19 de Julho de 1766, que postula a abolição da moeda castelhana nas ilhas, não afecta as transacções comerciais com as Canárias, preceituando apenas uma rigorosa vigilância contra a vulgar introdução de dinheiro falso (53). À semelhança do que acontece com o Reino, Madeira e Mazagão, o mercado canário reclama fundamentalmente os comestíveis açorianos, sobretudo trigo, favas, carne, toucinho e ainda panos de linho, mas não dispõe de produções próprias que facultem trocas directas e frutuosas (54). Em contrapartida, o arquipélago castelhano remete aos Açores carregamentos de teor e origem muito diversos, mormente arroz, queijo, breu, mel, amêndoa, sumagre, fazendas e madeiras (55). Estas permutas ocasionam uma balança comercial desfavorável aos canários, que por conseguinte desembolsam muita moeda, como sucede com os madeirenses.

A irregularidade marca os contactos comerciais entre os arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde. De facto, assinalamos a navegação de embarcações açorianas para Cabo Verde apenas na ocorrência de graves crises frumentárias nas ilhas do grupo central. Nestes casos, os açorianos buscam o milho, que muito se cultiva no arquipélago africano, e nos Açores constitui a base da dieta alimentar quotidiana (56). Ademais, em Cabo Verde, os açorianos carregam alguns couros, que também se encontram na costa ocidental africana de Mazagão ao Senegal (57).

2.3. O trato com o Brasil

O posicionamento geográfico dos Açores no Atlântico Norte insere, desde muito cedo, o arquipélago nas rotas do comércio ultramarino, tuteladas por Portugal ou pelas demais potências coloniais europeias. No âmbito do império português a decadência da velha rota do Cabo na 2ª metade do século XVII contrasta com o desenvolvimento das carreiras comerciais brasileiras. Assim, decai a hipotética prosperidade económica quinhentista, que vários cronistas atribuem à escala das naus da Índia em Angra. Ao invés, os açorianos invejam os profícuos circuitos do comércio do Brasil. No entanto, a coroa portuguesa tutela sempre o tráfico brasileiro, adoptando mesmo uma política de monopólio, que muito lesa os interesses económicos insulares.

O alvará de 20 de Março de 1736 consubstancia o cerceio da liberdade de comércio entre os Açores e o Brasil, em nítida obediência aos ditames do mercantilismo, às oscilações económicas luso-brasileiras e aos persistentes indícios de contrabando. De facto, o novo diploma obsta à corrente introdução, por via açoriana, de mercadorias estrangeiras, nomeadamente inglesas, nos portos brasileiros. Do mesmo modo, a coroa alega a ordinária prática do contrabando nas escalas açorianas, que provoca o indevido trespasse de muitos metais-preciosos para os principais centros comerciais europeus. No entanto, os secretos desígnios da monarquia portuguesa repousam ainda nos pressupostos político-económicos do colbertismo, que advogam a concessão do tráfico colonial a companhias monopolistas, que explorem as carreiras comerciais marítimas em regime de exclusividade. Nestas circunstâncias, além de interditar a reexportação de víveres do Norte, a legislação régia estabelece o prefixo e restrito número de embarcações que os insulanos podem remeter anualmente às cidades brasileiras fora do corpo das frotas (58).

A evolução das conjunturas económicas de Portugal, dos Açores e do Brasil sempre determina o lento abrandamento das inexoráveis restrições comerciais de 1736, embora persista o previdente cerceio da liberdade mercantil. Com efeito, em 1748, D. João V fomenta a regularidade da correspondência, muito molestada pela impetuosidade do mar e falta de bons ancoradouros, que motivam o atraso da navegação. Assim, o soberano consente na distribuição da mesma tonelagem pelo dobro dos navios, como é óbvio de menor porte, mas de maior operacionalidade. Ademais, o monarca faculta a exportação de víveres estrangeiros, na proporção máxima de metade dos carregamentos. Esta resolução adquire ainda maior relevo, pois incrementa simultaneamente os comércios do Brasil e do Norte, revigorando a costumada projecção geoeconómica dos Açores (59). No 1º decénio da época pombalina, o decreto de 20 de Julho de 1758 também regulamenta o comércio dos Açores com o Brasil. A nova lei consagra algumas das benevolentes disposições dos últimos anos do reinado de D. João V, designadamente o acréscimo da tonelagem global e a sua competente distribuição por um maior número de embarcações. Porém, o diploma do governo de D. José interdita a exportação de comestíveis estrangeiros. Esta deliberação respeita decerto à estratégia pombalina de contenção da hegemonia económica dos britânicos em Portugal, mas provoca o natural clamor dos insulanos, que sempre almejam a conversão das ilhas em relevante eixo de articulação entre os impérios ultramarinos de Portugal e da Europa (60). Nos anos sessenta, a falência da política económica pombalina impõe a procura de diferentes soluções. Na verdade, o alvará de 10 de Setembro de 1765 restabelece a liberdade de comércio com o Brasil, abolindo o precedente exclusivo das frotas. No entanto, o novo regime cinge-se aos portos e mercadorias do anteposto tráfico monopolista (61). Uma vez mais, a legislação mercantil previne a introdução de produtos estrangeiros na colónia sul-americana por via insular. Contudo, o novo quadro comercial sempre revitaliza as alfândegas insulares, pois motiva o acréscimo das importações brasileiras, que redobra a apetência de muitos comerciantes estrangeiros pelos mercados açorianos (62).

No contexto das restrições régias, as transações comerciais entre os Açores e o Brasil assentam na permuta de sobejos agrícolas insulares e eventualmente víveres estrangeiros pelas produções exóticas brasileiras de maior renome e alguma moeda. No âmbito da exportação a aguardente adquire um relevo muito peculiar até 1766, quando se proíbe a sua introdução nos portos do Brasil meridional, por força do fabrico de "cachaças" locais (63). Todavia, o declínio do valor comercial da aguardente contrasta com o acréscimo da extracção de panos de linho, nomeadamente de S. Miguel (64). Ademais, as ilhas expedem algum vinho, que rapidamente se deteriora no termo de longas viagens marítimas, e comestíveis estrangeiros, cuja extracção depende dos diferentes regulamentos comerciais da coroa e do prévio abastecimento do mercado local(65). No domínio das importações, os açorianos transportam do Brasil uma variedade de produções tropicais, para consumo local e reexportação. Neste particular, ressalta a extrema utilidade e o valor comercial dos carregamentos de açúcar. Ademais, as embarcações insulares trazem igualmente azeite de peixe, mel, madeira, couros, algodão, arroz, cera, pedras de amolar, aguardente de cana, louça e ainda dinheiro, alguns escravos e muitas miudezas (67).

Em meados do século XVIII, a preponderância do açúcar no comércio entre os Açores e o Brasil resulta da fertilidade da colónia sul-americana, do declínio da produção sacarina dos arquipélagos atlânticos e da incessante procura europeia. De facto, na era de setecentos, a rarefacção da mão-de-obra, decorrente da próspera extracção aurífera, não molesta grandemente as plantações de açúcar brasileiro, que muito prosperaram no século XVII (68). Ao invés, a florescente produção sacarina madeirense decai ainda na centúria de quinhentos, apesar de um diploma régio de 1598 acautelar a concorrência sul-americana (69). Nos Açores, no século XVIII, encontram-se apenas vestígios da primitiva cultura de cana de açúcar, que por razões climatéricas nunca frutificou. Os principais indícios surgem no concelho micaelense de Vila Franca, que no ano de 1741 ainda cobra um tradicional ramo dos dízimos, no ténue valor de 1$000 (70).

À margem do comércio legal, os Açores ainda beneficiam da correspondência com o Brasil, resultante da privilegiada localização geográfica no Atlântico Norte. No tráfico brasileiro, as advertências régias, os progressos da navegação e a menor distância das rotas pesam em desfavor do arquipélago, em referência ao anteposto primado da carreira da Índia (71). No entanto, muitas frotas ainda aportam nas ilhas, favorecendo o contrabando e a evasão fiscal que, após a ultrapassagem do arquipélago, se acham dificultados pela obrigatoriedade dos navios rumarem aos portos de Lisboa ou Porto, onde se exerce uma fiscalização rigorosa. Além disso, diversos comerciantes dos Açores iludem a vigilância régia e navegam para o Brasil fora do corpo das frotas e desprovidos de licença, escalando normalmente os arquipélagos de Madeira, Canárias e Cabo Verde(72).

Nas ilhas, as restrições do tráfico colonial não anulam a suprema relevância económica do relacionamento com o Brasil. Com efeito, diversas autoridades fiscais consideram a cobrança de direitos de entrada do Brasil a fonte de maior rendimento (73). Por isso, os insulanos providenciam constantemente o acréscimo dos privilégios comerciais. Neste particular, ressalta a acção dos faialenses, por via do desenvolvimento da viticultura e do necessário escoamento da aguardente, e dos micaelenses, por força da extensão territorial, da superioridade demográfica e da consentânea prosperidade agrícola. Em ambos os casos, a coroa contempla os requerentes com o comedido acréscimo de tonelagem no comércio brasileiro (74). Além disso, o improfícuo tráfico metropolitano e as dificuldades de transporte de casais açorianos para o Brasil meridional justificam a contingente e particular atribuição de novas concessões. Com efeito, a partir do triénio fiscal de 1744-46, D. João V autoriza a navegação de um barco de 250 toneladas ao contratador geral do tabaco, na condição do transporte de dois casais por cada parcela de 100 toneladas, do carregamento das demais produções insulares pelos preços estabelecidos e do retorno à metrópole no corpo das frotas, para coibir a vulgar prática do contrabando (75).

Na altura, o contratador Feliciano Velho Oldemberg sublinha a dificultosa comercialização do rendimento do contrato no mercado lisboeta, aludindo naturalmente à alternativa das praças brasileiras (76). O empenho da coroa pelo efectivo povoamento das regiões brasileiras expostas à ameaça militar espanhola também alarga o intercâmbio comercial. De facto, o soberano recompensa a célere condução de açorianos para o Brasil com facilidades mercantis, naturalmente nas rotas de retorno (77). Nestas circunstâncias, o móbil comercial transforma-se por vezes no principal estímulo dos contratos de transporte de emigrantes (78).

2.4. As trocas com o Norte

No termo do século XVII, releva o desenvolvimento do comércio dos Açores com o Norte, que porventura supera os tráficos da Índia e do Brasil. Assim, ressalta a correlação com a Inglaterra e a França na vertente europeia e, do lado americano, o acréscimo da comunicação com a Nova Inglaterra, o Canadá e a Terra Nova (79). Neste contexto, muito influi a preponderância britânica no Ultramar, que valoriza as potencialidades económicas e estratégicas das ilhas.
No século XVIII, o comércio entre os Açores e o Atlântico Norte firma-se principalmente na permuta de vinho do Pico e laranja de S. Miguel por víveres e manufacturas, beneficiando em primeiro lugar a vila da Horta e depois a cidade de Ponta Delgada. No Faial, o comércio assenta na permuta do vinho do Pico, com muito consumo no mercado colonial britânico, por comestíveis europeus e americanos, que suprem as frequentes crises frumentárias da Horta, Madalena e S. Roque. De facto, em Março de 1759, a vereação faialense certifica esta conjectura, referindo que os ingleses, a troco de vinho, introduzem géneros indispensáveis à subsistência quotidiana e de extrema utilidade na permuta por cereais no mercado insular (80). Com o decorrer dos anos, aumentam as relações económicas com a costa norte-americana (81). Por isso, logo na década de 1760, a irrupção da guerra da independência nas colónias inglesas do Novo Mundo gera naturalmente inquietação nos Açores, mormente na ilha do Faial. De início, os faialenses rejubilam com a resolução do governo de Londres, que proíbe a importação de vinhos das possessões de França e Espanha, em represália pelo auxílio que estes reinos, tradicionalmente adversários da Inglaterra, conferem aos colonos rebeldes (82). De facto, a coroa britânica consente apenas na continente introdução de vinhos originários das ilhas de África, designação que curiosamente abarca os arquipélagos de Madeira e Açores. Todavia, alguns comerciantes ingleses ludibriam a vigilância régia, introduzindo sempre vinhos franceses e castelhanos nos portos da América do Norte, que declaram de proveniência açoriana. Esta ilícita prática motiva a repulsa das autoridades camarárias faialenses, porquanto impossibilita o previsível acréscimo da exportação de vinho do Pico, podendo ainda mover a ira do soberano inglês e a consequente restrição do tráfico britânico no arquipélago, de resultados económicos muito nefastos (83). Porém, a agudização do conflito na América do Norte ocasiona a consentânea falta de víveres e o inevitável declínio do comércio (84). Na ilha de S. Miguel, a correspondência mercantil com os ingleses acresce na 2ª metade de setecentos, por via do desenvolvimento da cultura da laranja. Na verdade, no século XIX, a produção micaelense de laranja e limão origina um tráfico muito lucrativo, que relembra e supera a rentabilidade do antigo comércio do pastel. Todavia, já em 1768, o juíz da alfândega de S. Miguel contesta a vereação da Lagoa, por dificultar a extracção de laranja para o Norte. Na altura, o agente régio recorda a conveniência do comércio com os britânicos que, numa conjuntura de grave escassez de moeda, introduzem na ilha muitos produtos manufacturados a troco de produções locais (85).

Na identificação das importações, os barcos procedentes do Atlântico Norte transportam muitos víveres, nomeadamente farinha, cereais, bacalhau, arroz, queijo, manteiga, peixe e carne salgados, legumes, mel e chocolate. Ademais, trazem lanifícios, chapéus, couros, ferro, alcatrão, breu, chumbo, chá, vidro, pregos, papel, sabão, tinta, louça, madeira, aduelas e arcos de pipas e barris e munições. Esta variedade de mercadorias confirma a riqueza agrícola e o desenvolvimento manufactureiro das regiões setentrionais da Europa e América, que mais se individua na era de oitocentos (86).

No século XVIII, o intenso e profícuo relacionamento mercantil com o Norte arrosta com algumas contrariedades, que derivam da ocasional concorrência do mercado brasileiro, da política mercantilista de proteccionismo económico e do previsível envolvimento açoriano nas contendas internacionais, por via do peculiar posicionamento geográfico do arquipélago. Com efeito, ainda no tempo de D. João V, o descomedido fabrico de aguardente, com muita procura nas praças sul-americanas, determina a eventual escassez de vinho, que sustenta o intercâmbio comercial com os ingleses (87). Na época pombalina, os desígnios monopolistas da legislação portuguesa molestam também a tradicional conexão com o Norte, pois interditam a reexportação de todos os comestíveis estrangeiros, mormente para o Brasil (88). Os confrontos militares geram ainda algumas perturbações. De facto, no início da década de sessenta, os faialenses temem o possível alargamento aos Açores da guerra luso-castelhana, que decerto prejudicaria a regular extracção de vinho pelos britânicos (89). No entanto, os mais sérios entraves decorrem da guerra da independência dos Estados Unidos. Na verdade, no ano de 1765, a câmara da Horta representa ao soberano o declínio comercial com o Atlântico Norte. Na altura, destaca o lançamento de um pesado imposto sobre todos os produtos estrangeiros, designadamente vinhos, que se introduzem na América inglesa, para acorrer aos superiores gastos militares (90). Na prática, os faialenses deploram a política colonial britânica de exclusivo comercial, relembrando o permissivo articulado de Methuen (91).

Nos Açores do século XVIII, a análise do tráfico com o Norte evidencia uma diversa contextura económica insular. Em primeiro lugar, vislumbramos a comedida subalternização geoeconómica da Terceira, perante um proporcional avigoramento do Faial e de S. Miguel. Com efeito, a primazia ultramarina dos britânicos ampara a transformação do porto da Horta de pequena escala do comércio regional em relevante plataforma das rotas comerciais transatlânticas originárias da América do Norte, Brasil, Oriente e costa ocidental africana (92). Neste processo, releva a excelente localização geográfica do Faial no seio do arquipélago, que favorece o refresco das carreiras marítimas anglo-americanas, e o desenvolvimento da viticultura no Pico. Nestas circunstâncias, a então vila da Horta gera um trato mercantil com os ingleses de mútuas vantagens, firmado na extracção de vinho para a América do Norte e na afluência de víveres, para provimento local e reexportação, mormente para o Brasil. Desta forma, na era de setecentos, o Faial cumpre e prolonga a tradicional articulação açoriana entre distintos impérios coloniais, que produz evidentes benefícios comerciais. Além disso, no decurso do século XVIII, a extensão e a fertilidade demarcam a gradual superioridade económica de S. Miguel, cuja confirmação sucede na breve emergência da época da laranja.

3. Conclusão

Nos Açores, a definição da complexa rede comercial de setecentos repousa curiosamente na constância de factores, que individualizam a estrutura da economia insular desde os alvores da colonização. Assim, destacamos a persistente fertilidade da terra, a invariável demanda dos mercados externos e o privilégio da geografia, que converte o arquipélago em traço de união entre a Europa e o Ultramar.

Nas ilhas, a ínsita diversidade dos meios e o intento da auto-suficiência prescrevem os principais tráfegos, que abundam entre as ilhas do centro. Ao invés, ressalta o minguado relacionamento com os grupos oriental e ocidental, estatuído pela distância e ainda pela pujança económica micaelense, que busca circuitos comerciais mais rentáveis.

A questão frumentária condiciona o comércio externo açoriano com o Reino, a Madeira, as Canárias e o Norte de África, tradicionalmente carentes de cereais. Neste giro, releva igualmente a exportação de carne, legumes e até aguardente para Lisboa. No âmbito das importações, descatam-se o sal e azeite metropolitanos e uma profusão de artefactos e quinquilharias, que os ingleses também introduzem no arquipélago.

No Ultramar, os entraves legais, ditados por reconhecidos pressupostos políticos e claro receio de concorrência, dificultam a extracção dos exequíveis proventos comerciais da ímpar relevância económica do Brasil. Todavia, o contido tráfico lícito e a incerta prática do contrabando alimentam ainda um comércio muito lucrativo, estribado sobretudo na permuta da excedentária aguardente insular pelas mais valiosas produções sul-americanas, designadamente açúcar, madeira, algodão, mel e azeite de peixe, que ainda facultam a reexportação.

O proeminente posicionamento atlântico motiva também a internacionalização da economia insular. Neste particular, distinguimos a assídua correspondência com o Norte, que privilegia os portos da Horta e de Ponta Delgada, por razões de natureza geoeconómica. Com efeito, as rotas marítimas britânicas, que unem as cidades marítimas da Europa setentrional às colónias do centro e norte da América, suscitam vantajoso trato mercantil nas ilhas, firmado na permuta de vinho e depois laranja por víveres e manufacturas. Ademais, a peculiaridade geográfica motiva a intersecção nos Açores das carreiras comerciais do Brasil, que prepondera no ultramar português, e do império colonial de Inglaterra, que domina os mares.


NOTAS


(1) No tempo da regência do infante D. Pedro, em 1443 e 1447, a promulgação de isenções fiscais intenta o fomento da produção e concomitantemente o incentivo da exportação para os necessitados portos do Reino. Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Chancelaria de D. Afonso V, Livro 27, fl. 107 v., carta de isenção de pagamento de dízima por 5 anos, Lisboa, 5 de Abril de 1443; Livro das Ilhas, fl. 26 v., carta de isenção de pagamento de dízima em S. Miguel, Lisboa, 20 de Abril de 1447, in Arquivo dos Açores, I, 2ª ed., Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1980, pp. 5-7.

(2) Para o esclarecimento da definição da primitiva estrutura económica açoriana, sugerimos a consulta dos nossos estudos: Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590), I. A resistência Terceirense e as Implicações da Conquista Espanhola, Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1987, pp. 237-268.- "Madeira e Açores: ensaio e sustentáculo da expansão ultramarina", in Estudos de História dos Açores, I. As ilhas no conhecimento do Mundo, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1994, pp. 98-102.

(3) Maria Olímpia da Rocha Gil reconhece a subordinação do desenvolvimento económico dos Açores às pretensões do mercado externo, que origina um sistema de <<... ciclos, associados ou não à monocultura, que se irão sucedendo criando bons momentos ou décadas de prosperidade aparente, logo seguidos de períodos de crise e de busca de novas relações>> (Cf. Maria Olímpia da Rocha Gil, O Arquipélago dos Açores no Século XVII: aspectos sócio-económicos (1575-1675), Castelo Branco, 1979, p. 105).

(4) Acerca da relevância cerealífera açoriana, consulte-se: Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores e o Domínio [...], I, já cit., pp. 241-268; id., Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos (1740-1770), II. Economia, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1995, pp. 31-77 e 166-191; Alberto Vieira, "A questão cerealífera nos Açores", in Arquipélago-história, VII.1, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1985, pp. 123-181.

(5) Sobre a prosperidade económica decorrente das culturas de pastel e laranja, veja-se: Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores e o Domínio [...], I, já cit., pp. 237-268, Sacuntala de Miranda, O Ciclo da Laranja e os "glentlemen farmers" da Ilha de S. Miguel (1780-1880), Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1989; Fátima Sequeira Dias, "A Importância da Economia da Laranja no Arquipélago dos Açores durante o século XIX", in Arquipélago-história, 2ª série, I. 2, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1995, pp. 189-240.

(6) Francisco Ferreira Drummond, Apontamentos Topográficos, Políticos, Civis e Eclesiásticos para a História das nove Ilhas dos Açores servindo de suplemento aos Anais da Ilha Terceira, transcrição, introdução e notas de José Guilherme Reis Leite, Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1990, pp. 34-47.

(7) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos (1740-1770), I. Poderes e Instituições, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993, pp. 30-35.

(8) Sobre a problemática da resistência terceirense e da conquista espanhola, sugerimos a consulta do nosso estudo: Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590), 2 vols., Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1987. Em referência ao movimento da Restauração, reconhecemos a contínua utilidade de duas crónicas tradicionais da historiografia açoriana, nomeadamente: Frei Diogo das Chagas, Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores, direcção e prefácio de Artur Teodoro de Matos, S.R.E.C./U. A., Fontes para a história dos Açores, 1989; Padre Manuel Luís Maldonado, Fénix Angrence, 2 vols., Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1989-90. No nosso entendimento, a participação dos Açores nas pugnas do liberalismo ainda reclama um estudo de conjunto. A rica informação recolhida no Arquivo dos Açores, nomeadamente nos volumes I, III, VI, VII, IX, X, XI, XII e XIV, constitui sólido esteio de reflexão.

(9) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, "Os Açores na aproximação dos continentes: séculos XV-XVIII", in Le Portugais, Langue Internationale/o Português, Língua Internacional, Actes du colloque tenu les 4, 5 et 6 Juin 1993, Montréal, Université de Montréal, 1994, pp. 44-53.

(10) Artur Teodoro de Matos, "Subsídios para a história da Carreira da Índia: documentos da nau S. Pantalião: 1592", in Boletim do Arquivo Histórico Militar, 45, Lisboa, 1975; id., "Os Açores e a Carreira das Índias no século XVI", in Estudos de História de Portugal, II, Lisboa, Estampa, 1983; id., "A Provedoria das Armadas da Ilha Terceira e a Carreira da Índia no Século XVI", in Actas do II Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa, Coimbra, 1985; Eufémio Lorenzo Saunz, Comércio de Espanã con América en la época de Filipe II, Valladolid, Institution Cultural Simancas, 1980; Maria Olímpia da Rocha Gil, O Arquipélago [...], já cit., pp. 337-424; Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores e o Domínio [...], I, já cit., pp. 269-281.

(11) Cf. Florentino Perez Embid, Los descubrimientos en el Atlantico y la rivalidad castelhano-portuguesa hasta el tratado de Tordesilhas, Sevilha, 1948.

(12) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores nas encruzilhadas [...], I, já cit., pp. 29-50.

(13) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores nas encruzilhadas [...], II, já cit., pp. 31-80.

(14) Id., ibid., pp. 80-102.

(15) Id., ibid., pp. 104-109.

(16) O historiador norte-americano T. Bentley Duncan representa a capital terceirense em meados do século XVII como <<... the heart of a network of small-boat communications that kept all the islands in the Azores in touch with one another. (Cf. T. Bentley Duncan, Atlantic Islands. Madeira, the Azores and the Cape Verdes in seventheenth century: Commerce and Navigation, Chicago, 1972, p. 136).

(17) Cf. T. Bentley Duncan, ob. cit., pp. 143-144.

(18) Cf. o quadro nº 1.

(19) Cf. o quadro nº 2.

(20) Cf. o quadro nº 3.

(21) Cf. o quadro nº 4.

(22) Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do Heroísmo, Câmara de Angra, Entradas (1755-67). A dificultosa quantificação dos carregamentos de madeira e lenha impede a sistematização em quadro.

(23) B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Entradas (1755-67).

(24) Em Dezembro de 1742, a câmara da Praia censura <<... os mercadores desta dita villa que costumão hir as Ilhas debaixo tinhão como hera notorio embarcado todo o milho que havia nesta Jurisdicam para uender e tinhão metido em sua Casa mandando uir para ellas onde o tinhão Recolhido leuantado o preso na terra Rezam porque se não achaua ja quem o uendesse sem que por major preso de que se queixaua o pouo como hera notorio...>> (Cf. B.P.A.A.H., Câmara da Praia, Vereações (1739-47), fl. 84, auto sobre a exportação de milho, Praia, 24 de Dezembro de 1742).

(25) B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Livro de Registo de Entradas(1755-67). A análise dos registos de entradas comprova a maior capacidade dos barcos que navegam para as Flores, S. Miguel e Santa Maria, comparativamente às pequenas embarcações que unem os portos das ilhas do grupo central.

(26) No 1º trimestre de 1769, por exemplo, o capitão-general D. Antão de Almada determina o exclusivo da exportação de cereais de S. Miguel para o Faial, na ocorrência de grave crise frumentária (Cf. Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, Câmara de Ponta Delgada, Vereações (1760-85), fls. 126 v.-127, acordão de 15 de Março de 1769.

(27) B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Vereações (1755-61), fl. 106, vereação de 22 de Abril de 1758.

(28) Em meados do século XVIII, a capital portuguesa recebe cereais da Sicília, de Inglaterra e Irlanda, da América do Norte, mormente das áreas de Filadélfia e Nova Iorque, e ainda de Castela e França. Arquivo Histórico Ultramarino, Açores, cx. 3, doc. 98, informação sobre a importação de farinha, Lisboa, 5 de Junho de 1758. Biblioteca Nacional (Lisboa), Colecção Pombalina, cód. 692, fls. 61-68, memória sobre o trigo, s/l, década de 1770. B.P.A.A.H., Cartório dos Condes da Praia, Correspondência (1600-1791), doc. s/nº, carta de Luís Correia de Miranda ao capitão-mor de Angra, Lisboa, 9 de Abril de 1749.

(29) Cf. João da Rocha Ribeiro, "Colecção de Avisos Regios, Officios e mais papeis relativos à exportação do grão das Ilhas dos Açores", in Arquivo dos Açores, V, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1981, pp. 292-293.

(30) Arquivo Municipal da Lagoa, Livro de posturas de pássaros e registo (1731-77), fl. 108, alvará que regulamenta a exportação de trigo dos Açores, Pinheiro, 26 de Fevereiro de 1771. Veja-se também: Julião Soares de Azevedo, "Os Açores e o Comércio do Norte no final do século XVII", in Boletim do Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, II, nos 4 e 5, Angra do Heroísmo, 1952-53, p. 33; Bernardino José de Senna Freitas, "Memória Histórica sobre a Moeda dos Açores", in Arquivo dos Açores, IX, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1982, p. 393.

(31) B.P.A.P.D., L.E.C., Livro 44 de Documentos Avulsos, fls. 114-114 v., carta da Junta do Comércio a João Nunes de Carvalho, Lisboa, 27 de Abril de 1757.

(32) Em 1765, o provedor da fazenda real certifica a dependência dos Açores do sal português. Na altura, Manuel Matos Pinto de Carvalho informa o juiz da alfândega da Horta que <> (Cf. B.P.A.A.H., Almoxarifado de S. Jorge, m. 8 de documentos avulsos (1764-65), doc. s/nº, carta do provedor da fazenda real ao juiz da alfândega do Faial, Angra, 1765).

(33) B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Livro de Tombo (1737-91), fl. 317, sobre a representação de Frutuoso José Ribeiro relativa a comércio insular, Angra, 7 de Outubro de 1767.

(34) B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Entradas: 1755-67 e 1768-84. B.P.A.P.D., Feitoria da Alfândega de Ponta Delgada, Entradas: 1763-73.

(35) A.H.U., Açores, cx. 5, doc. 11, carta régia ao corregedor, Lisboa, 3 de Junho de 1761. B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Vereações (1755-61), fl. 171, acórdão de 28 de Novembro de 1759; Capitania Geral, Livro de registo da provedoria da fazenda de Angra (1700-74) fl. 386, passaporte do bergantim Nossa Senhora da Piedade e Almas, Lisboa, 14 de Agosto de 1756.

(36) De facto, entre 1763 e 1770, apenas 66 das 142 das embarcações que rumam de Lisboa a Ponta Delgada acarretam as importações predominantes: sal ou azeite. As demais transportam, em quantidades incertas, produtos diversos e até muitas encomendas de particulares. Ao invés, nos anos de 1769 e 1770, 24 dos 28 barcos que navegam de S. Miguel para a corte levam cereais ou legumes. B.P.A.P.D., Feitoria da Alfândega de Ponta Delgada, Entradas (1763-73). Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro de entradas e marco dos navios (1769-70).

(37) Nos anos de 1769 e 1770, os assentos da câmara municipal de Lisboa mencionam a entrada de 53 embarcações dos Açores, contando-se 28 de S. Miguel, 8 da Terceira, 2 do Faial e das Flores e 1 de Santa Maria. Os registos insulares comprovam igualmente esta tendência. Assim, no curto espaço de 8 anos , entre 1763 e 1770, ancoram em Ponta Delgada 143 barcos procedentes do Reino. A cidade de Angra, por sua vez, recebe apenas 77 embarcações de origem metropolitana, no longo período de 15 anos que decorre de 1756 a 1770. A.H.C.M.L., Cód. 63, Livro das entradas de marcos dos navios (1769-70); cód. 63 A, Livro de entradas de marco dos navios (1770). Arquivo Geral da Alfândega de Lisboa, Livro de registo dos feitores de Belém de entradas de embarcações (1751-52) ; Paço da Madeira, Livro de entradas da Foz (1757); Livro de entradas da Foz (1762); Livro de entradas da Foz (1763). B.P.A.A.H., Feitoria da Alfândega de Angra, Entradas e Saídas de Ponta Delgada (1763-65); Câmara de Angra, Entradas (1755-67). B.P.A.P.D., Feitoria da Alfândega de Ponta Delgada, Entradas (1763-73).

(38) B.P.A.P.D., Feitoria da Alfândega de Ponta Delgada, Entradas (1763-73). B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Entradas (1755-67), Feitoria de Alfândega de Angra, Entradas e saídas de Ponta Delgada (1763-65).

(39) A.M.Lagoa, Livro de posturas de pássaros e registo (1731-77), fl. 108, já cit.

(40) A.N./T.T., Alfândega de S. Miguel, Livro 5056. B.P.A.A.H., Feitoria da Alfândega de Angra, Entradas e Saídas de Ponta Delgada (1763-65); Livro dos 2% (1764).

(41) Cf. Bernadino José de Senna Freitas, "Memória Histórica sobre a Moeda nos Açores", in Arquivo dos Açores, IX, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1982, p. 394.

(42) Em Janeiro de 1760, o conselheiro Bastos Viana certifica que <<>> (Cf. A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Lembretes de consultas, m. 10, doc. s/nº, parecer do conselheiro Bastos Viana sobre a problemática da moeda nas ilhas, Lisboa, 30 de Janeiro de 1760).

(43) A.N./T.T., Ministério do Reino, m. 294, doc. s/nº, consulta do Conselho da Fazenda, Lisboa, 4 de Fevereiro de 1758.

(44) Arquivo da Alfândega de Ponta Delgada, Livro de Registo (1727-1812), fls. 372-372 v., franquia da corveta inglesa Ostrich, Ponta Delgada, 22 de Junho de 1765.

(45) Os tribunais da corte reafirmam quase invariavelmente os privilégios fiscais do comércio de Magazão, requerendo apenas a apresentação de certificado da Casa de Ceuta, que comprova o efectivo descarregamento do trigo em Marrocos. Apenas em Março de 1744, o Conselho da Fazenda admite a cobrança de imposto sobre o trigo que se extraía para Marrocos, correspondendo a uma representação do presídio do castelo de S. Brás , que fruía o rendimento dos direitos de entrada e saída da alfândega de Ponta Delgada. A.A.P.D., Livro de registo (1727-1812), fls. 170 v.- 171, mandado do conselho da Fazenda, Lisboa, 10 de Março de 1744.

(46) B.P.A.P.D., Feitoria da alfândega de Ponta Delgada, Livro de receita e despesa (1749-51); Livro de 10% (1752-58); Livro de 10% (1758-60).

(47) B.P.A.A.H, Capitania Geral, Livro de Registo da provedoria da fazenda de Angra (1700-74), fl. 386.

(48) A.H.U., Açores, cx 3, doc. 57, carta do sargento-mor de S. Miguel ao rei, Ponta Delgada, 22 de Maio de 1753.

(49) Em Novembro de 1749, por exemplo, o contratador de Mazagão acusa a vereação angrense, pois não obtivera qualquer carregamento de trigo entre os meses de Junho e Setembro, <<... por não se ter feito a orsa do trigo e milho que produziçe a mesma Ilha, e com este afectado preteisto querião arrostar as suas injustiças, sendo constante o deixarem nauegar para outras partes grande porçam de trigos da nouidade prezente...>> (Cf. B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Livro de Registo (1735-52), fls. 242-242 v., provisão sobre abastecimento de Mazagão, Angra, 17 de Novembro de 1749).

(50) Arquivo Municipal de Santa Cruz (Flores), Livro de Registo (1768-1807), fls. 111-117 v.

(51) Cf. Bernardino José de Senna Freitas, "Memória Histórica [...], já cit., in A.A., IX, pp. 305-306.

(52) A.N./T.T., Papeis do Ministério do Reino, m. 613, doc. s/nº, carta do provedor da fazenda real sobre administração insular, Lisboa, 9 de Agosto de 1766, in A.A., VI, p.22.

(53) A.H.U., Códice 529 (1766-71), fls. 41 v.-48 v., decreto de abolição da moeda espanhola, Lisboa, 19 de Julho de 1766.

(54) B.P.A.P.D., Feitoria da alfândega de Ponta Delgada, Livro de receita e despesa (1749-51).

(55) Id., ibid .

(56) Arquivo Municipal de Velas, Vereações (1746), fls. 21-22. Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, Câmara da Horta, Livro de Registo (1716-51), fls. 313 v.-315.

(57) A.N./T.T., Alfândega de Angra, Livro 5, fl. 2, entrada da galera Nossa Senhora do Bom Sucesso e Senhora do Bom Fim, procedente de Cabo Verde, Angra, 28 de Setembro de 1747.

(58) A.H.U., Códice 529 (1766-71), fls. 88-92 v., regulamento do comércio dos Açores com o Brasil, Lisboa, 20 de Março de 1736.

(59) B.P.A.P.D., Câmara de Ponta Delgada, Livro de Registo (1719-95), fls. 245-245 v., regulamento do comércio dos Açores com o Brasil, Lisboa, 20 de Fevereiro de 1748.

(60) Em Março de 1759, por exemplo, o procurador do concelho da Horta representa ao rei que a proibição de remeter comestíveis estrangeiros para o Brasil <<... para muyta parte do Comerçio com os Inglezes que nesta Ilha metião os tais genoros respublica como mais nessessitada delles exposta a hua emRemediavel fome porque os mercadores uendo que lhe não tem sahida para o Rio de Janeiro as sobras dos tais genoros por serem carreptiveis não comersiam a navegação para o brazil tambem parara, por não terem os Donos dos Navios com que ajudar as suas Carregaçoens de Agoas ardentes pelo pouco consumo que lá tem este genoro...>> (B.P.A.H., Câmara da Horta, Livro de Registo (1751-70), fl.129, carta da câmara ao rei, Horta , 31 de Março de 1759).

(61) A.N./T.T., Ministério do Reino, m. 613, doc. s/nº, alvará sobre o comércio com o Brasil, Lisboa, 27 de Setembro de 1765.

(62) A.N./T.T., Papeis do Ministério do Reino, m.613, doc. s/nº, carta do provedor da fazenda real sobre administração insular, Lisboa, 9 de Agosto de 1766, in A.A., VI, p. 22.

(63) B.P.A.H., Câmara da Horta, Livro de Registo (1751-70), fls. 129-132, já cits. Veja-se também: Julião Soares de Azevedo, "Nota e documentos sobre o comércio de La Rochelle com a Terceira no século XVII", in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, VI, Angra do Heroísmo, 1948, pp. 1-23.

(64) No ano de 1766, o provedor da fazenda real conjectura a breve transformação dos panos de linho na principal exportação açoriana para terras brasileiras (Cf. A.N./T.T., Papeis do Ministério do Reino, m.613, doc. s/nº, carta do provedor da fazenda real sobre administração insular, Lisboa, 9 de Agosto de 1766, in A.A., VI, p. 39).

(65) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores nas encruzilhadas [...], II, já cit., p. 208.

(66) Em Maio de 1740, o mercador angrense Ambrósio Roche solicita autorização para remeter ao Brasil produtos da terra e <<... voltar a ella [Terceira] com os daquellas partes que erão asucares e os mais generos>> (Cf. B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Livro de Registo (1735-52), fl. 134 v., precatório do provedor da fazenda real à câmara, Angra, 14 de Maio de 1740).

(67) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, "Os Açores e o Comércio do Brasil em meados de Setecentos", in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Centro de Estudos de História do Atlântico, 1993, pp. 667-673 e 908-916.

(68) B.P.A.A.H., Cartório dos Condes da Praia, Livro 36, fls. 49-49 v., memória sobre o cultivo do açúcar no Brasil, s/l, s/d. Veja-se também: Frédéric Mauro, Le Portugal, le Brésil et l' Atlantique, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp. 205-300.

(69) A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Lembretes de Consultas, m. 4, doc. s/nº, representação da Câmara do Funchal sobre introdução de aguardente dos Açores na Madeira, Funchal, 22 de Maio de 1751.

(70) Cf. "Estatísticas: Rendimento da Alfândega de Ponta Delgada de 1636 a 1772", in Arquivo dos Açores, XII, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1983, p. 280.

(71) C. Boxer, O Império Colonial Português (1415-1825), Lisboa, Edições 70, 1981, pp. 204 e 216; T. Bentley Duncan, ob. cit., p. 121.

(72) Os responsáveis por este comércio clandestino esquivam-se ainda ao pagamento dos direitos reais, procedendo à carga dos navios fora do porto de Angra, por onde deveriam sair todas as exportações terceirenses. B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Vereações (1744-51), fl. 49 v., vereação de 26 de Junho de 1745. Pode ver-se ainda: Maria Olímpia da Rocha Gil, "Os Açores e o comércio Atlântico nos finais do Século XVII (1680-1700)", in Arquipélago, Série Ciências Humanas, nº especial, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1983, p. 172.

(73) Em 1756, por exemplo, o Conselho da Fazenda justifica a concessão de uma licença mercantil para o Brasil ao comerciante micaelense Manuel Medeiros, <<... por comizeração dos moradores desta Ilha, que não tem, nem podem ter outro comercio para se conseruarem...>> (Cf. A.N./T.T., Conselho da Fazenda, Lembretes de consultas, m. 7, doc. s/nº, requerimento do comerciante micaelense Manuel de Medeiros, Ponta Delgada, 25 de Agosto de 1756).

(74) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, "Os Açores e o Brasil: as analogias humanas e económicas no século XVIII", in Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Curitiba, 1995, pp. 23-42.

(75) B.P.A.A.H., Câmara de Angra, Livro de Registo (1735-52), fls. 216-217, alvará de concensão de licença de comércio com o Brasil ao contratador geral do tabaco, Lisboa, 4 de Dezembro de 1747.

(76) B.P.A.A.H., Capitania Geral, Livro de registo geral da provedoria da fazenda de Angra (1700-74), fls. 249 v.-250 v., alvará de concessão de uma licença anual de comércio para o Brasil ao contratador do tabaco, Lisboa, 27 de Junho de 1744.

(77) Em 1749, o contrato de transporte de insulanos celebrado com o mercador João José Chamberlim inclui uma cláusula que permite o comércio no Rio de Janeiro, Pernambuco e Baía, na eventualidade das embarcações voltarem às ilhas para carregar mais emigrantes. A autorização mercantil abrange as mesmas produções tropicais consentidas aos barcos insulares de privilégio. A.H.U., Açores, cx. 3, doc. 33, contrato de transporte de casais açorianos para o Brasil, Lisboa, 1749.

(78) Em 1748, um anónimo comerciante angrense propõe a condução de açorianos para Santa Catarina pela módica quantia de 24$000 por cabeça, excluindo ainda o número de mortos. Na altura, os assentistas metropolitanos efectuam o transporte de insulanos pelo avultado preço de 40$000 por pessoa, independentemente das peripécias das longas viagens, que vitimam muitos emigrantes. Em contrapartida, o mercador terceirense reclama o direito de, no regresso às ilhas, comerciar nos principais portos brasileiros, respeitando naturalmente as prescrições régias. A.H.U., Açores, cx. 3, doc. 28, carta do corregedor ao rei, Angra, 18 de Dezembro de 1748.

(79) Cf. Maria Olímpia da Rocha Gil, "O porto de Ponta Delgada e o comércio açoriano no século XVII: elementos para o estudo do seu movimento", in Do Tempo e da História, 3, Lisboa, 1970, pp. 78 e 80.

(80) B.P.A.H., Câmara da Horta, Livro de Registo (1751-70), fl. 130, já cit.

(81) Uma carta da câmara da Horta ao capitão-general, datada de 22 de Fevereiro de 1769, considera a ilha do Faial como <<... regular escalla dos que uem de America inglesa, em cujos termos avendo nececidade nesta Ilha, por todo o preço lhe comprão os mesmos comestíveis...>> (Cf. B.P.A.H., Câmara da Horta, Livro de Registo (1751-70), fl. 368 v., já cit.).

(82) B.P.A.H., Câmara da Horta, Vereações (1759-66), fls. 100 v.-101, acórdão de 1 de Maio de 1764.

(83) B.P.A.H., Câmara da Horta, Vereações (1759-66), fl. 101, já cit.

(84) Cf. José Guilherme Reis Leite, "Administração, Sociedade e Economia nos Açores: 1766-1793", in Arquivo Açoriano, 16, 3º, Lisboa, 1972, p.409.

(85) A. M. Lagoa, Livro de posturas de pássaros e registo (1731-77), fls. 69-70 v.

(86) Cf. Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores nas encruzilhadas [...], II, já cit., pp. 219-220.

(87) B.P.A.H., Câmara da Horta, Livro de Registo (1751-70), fls. 129-132, já cits.

(88) Id., ibid.

(89) B.P.A.H., Câmara da Horta, Vereações (1759-66), fls. 65 v.-66, acórdão de 3 de Novembro de 1762.

(90) B.P.A.H., Câmara da Horta, Livro de Registo (1751-70), fl. 283.

(91) B.N. (Lisboa), Colecção Pombalina, cód. 611 (Cartas de Inglaterra), fls. 37-38 v., carta de Martinho de Melo e Castro a D. Luís da Cunha, Londres, 20 de Março de 1767.

(92) Cf. T. Bentley Duncan, ob. cit., pp. 107, 111 e 140.

Por: AVELINO DE FREITAS DE MENESES

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