quarta-feira, 8 de abril de 2009

Bruxaria

Ainda hoje persistem perguntas prementes
respeitantes ao poder que detinham e às
perseguições que sofreram as primeiras bruxas





Nos princípios de Março de 1620, na típica aldeia belga de Warêt-la-Chausée, uma mulher de nome Anne de Chantraine foi presa e acusada de bruxaria.

Embora ela admitisse prontamente os seus actos maléficos, que incluiam feitos extaordinários e improváveis, como voos nocturnos e ligação íntima com o Diabo, o magistrado examinador, desejando reunir mais informações, ordenou que ela fosse interrogada. Por três vezes Anne foi sujeita aos mais brutais e torturantes interrogatórios, antes de o tribunal, finalmente satisfeito, a condenar à morte pelos seus alegados feitos maléficos. No entanto, a sentença não foi imediatamente executada e Anne permaneceu encarcerada durante mais de um ano. No decurso desse tempo surgiram dúvidas respeitantes à sua sanidade mental, tendo o seu carcereiro declarado que «a prisioneira era estúpida e não compreendia o que dizia, embora por vezes parecesse estar no seu juízo perfeito». Finalmente, a 18 de Outubro de 1622, Anne foi queimada no poste.

Actualmente, graças em parte à passagem do tempo, a divulgação de histórias fantasiosas como as tecidas pelos irmãos Grimm e às criações dos cartonistas, que conceberam e reproduziram figuras caricaturais de aspecto malévolo, idealizamos uma imagem de bruxa que corresponde à de uma velha de aspecto decrépito com, como escreveu em 1603 o arcebispo Samuel Harsnett, «o queixo e os joelhos quase tocando-se devido à idade, caminhando como um arco, arrimada a um bordão; olhos cavados, desdentada, a cara enrugada, os membros entorpecidos a tremer, caminha pelas ruas murmurando frases ininteligíveis». E entre os milhares de mulheres que foram torturadas e queimadas como bruxas, muitas eram de facto velhas e solitárias, mentalmente desequilibradas e desprovidas de atractivos físicos. No entanto, na altura da sua prisão Anne de Chantraine contava 17 anos e, de acordo com os registos, era uma jovem cheia de vida, inteligente e invulgarmente bela.

«Para compreender a bruxaria», escreveu Jeffrey Burton Russell na sua erudita Witchcraft in the Middle Ages, «temos de descer até aos mais profundos e obscuros abismos da mente. » É uma descida que sonda um capítulo bizarro e bárbaro da história humana e permite um desconcertante exame de forças que, actualmente ainda, e apesar de reavaliações constantes, os modernos eruditos não conseguem explicar cabalmente. Pois durante os séculos XV, XVI e XVII, uma época de gloriosas realizações humanas em toda a Europa, a crença na bruxaria conduziu a cruel despovoação de cidades inteiras e a morte violenta de, segundo um cálculo largamente aceite, 200 000 seres humanos, a maioria dos quais do sexo feminino.

Por que razão foram esses seres exterminados em número tão elevado? E por que motivo a sua erradicação através da morte e tortura ocupou as grandes mentes da época e suscitou as atenções conturbadas dos maiores dirigentes da Igreja e do Estado?

Actualmente ainda, e não obstante todas as achegas da moderna erudição, não à qualquer explicação cabal para os horrores da bruxaria, derivados de um mosaico de causas, uma combinação de crenças antigas e conceito cristão do Diabo, de leis mutáveis e procedimentos inquisitoriais intolerantes, de magia popular tradicional e complexos rituais de eruditos-mágicos, de catástrofes naturais e preocupação humana pela riqueza, sexualidade e poder. Este padrão apresenta, contudo, constantes, duas das mais significativas das quais se contam também entre as mais antigas. Pois desde os tempos mais remotos que a maioria das sociedades acreditou que determinadas mulheres possuiam poderes e apetências especiais e que as bruxas podiam realizar os chamados malefícios, actos prejudiciais contra outrem conseguidos através de meios ocultos.

Nem que tivesse sido apenas em mito ou ficção, houve sempre mulheres como a Circe de Homero, que seduzia homens e os transformava em porcos; como a Medeia, que preparava infusões a partir de ervas, asas de coruja e entranhas de lobisomens para lançar encantamentos; como as strigae de escritores latinos como Ovídio e Apuleio, que voavam pela noite para realizar as suas missões de carácter amoroso e criminoso; como as lâmias, cuja ânsia de amor e carne humana foi imortalizada pelo poeta John Keats; como as valquírias, capazes de assumir as formas mais diversas, de acordo com a sua própria vontade, durante as suas loucas cavalgadas, e sobretudo como a arquétipa Lilith, de beleza sobre-humana, mas cuja verdadeira natureza era revelada por um único defeito – os seus pés eram garras aguçadas.

Havia também Diana, a virginal deusa romana da caça, mas igualmente a deusa da Lua e fomentadora de todo o tipo de ocorrências invulgares. Segundo descreve a Bíblia, «quando viu o exército dos Filisteus, Saul teve medo e o seu coração tremeu » (1 Sam 28, 5). Em consequência, procurou imediatamente o conselho do médium de Endor. Como Júlio Caro Baroja, um dos grandes estudiosos modernos do tema, escreveu em The World of the Witches: «Em conclusão, há provas documentais que atestam que, ao longo de um período de séculos, vigorou a crença de que certas mulheres (não necessariamente sempre velhas) se podiam transformar a elas próprias e a outros em animais, de acordo com a sua própria vontade; que podiam voar à noite e penetrar nos locais mais secretos e ocultos, deixando atrás de si os seus corpos; que podiam fazer feitiços e poções que ora favoreciam os seus próprios casos amorosos, ora inspiravam ódio; que podiam causar tempestades, doenças, tanto em homens como em animais, e infundir medo nos seus inimigos ou pregar-lhes partidas aterrorizadoras.»

Os malefícios eram anos que exprimiam o poder malévolo dessas mulheres sobrenaturais. «Desgraças, danos e calamidades sofridas por pessoas, animais ou bens, para os quais não era possível encontrar nenhuma explicação imediata», escreveu Rossell Hope Robbins em The Encyclopedia of Witchcraft and Demonology, «eram denominados malefícios. Estes infortúnios eram atribuídos ao cruel espírito vingativo das bruxas.» Como tal, os malefícios remontam à Antiguidade. Possivelmente usado de início, no século IV, com implicações ocultistas, o termo nos finais da Idade Média era aplicado nas mais generalizadas das asserções, designando desde o leite coalhado a vitelos nados-mortos. Em alguns casos, o meio através do qual tais danos, aparentemente espontâneos, sucediam não era explicado; noutros, preparações mágicas tradicionais, poções e figuras de cera, cordas com nós, fragmentos de unhas e cabelos forneciam causas ocultas para efeitos não explicados.

A crença na eficácia de meios ocultos em causar danos e no poder sobrenatural de mulheres especiais persistiu durante séculos antes da eclosão do barbarismo dos séculos XV, XVI e XVII. Outros elementos foram necessários para alimentar essa onda de loucura. No entanto, a partir de cerca de 800 d. C., a Europa encarava muitas vezes a bruxaria com surpreendente benignidade. Por volta de 800 d.C., por exemplo, o sínodo irlandês limitou-se a advertir que os voos nocturnos eram incompatíveis com a fé cristã; e alguns dos primeiros escritores medievais etiquetavam-nos, de uma maneira bastante correcta, como ilusórios. O mais antigo documento cristão a examinar a bruxaria foi o Canon Episcopi, que surgiu por volta de 906, embora possa ter sido composto séculos antes. O Canon tinha a intenção de ser um guia para uso dos bispos e como tal avisava que «certas mulheres abandonadas, pervertidas pelo Diabo, seduzidas por ilusões e fantasmas de demónios, acreditam e professam abertamente que, nas horas mortas da noite, cavalgam certos animais juntamente com Diana ... e no silêncio da noite sobrevoam vastas extensões do país e obedecem às suas ordens». O texto continuava acentuando o grande número de pessoas que acreditavam na veracidade dessas histórias e ordenando que, por esse motivo, «os sacerdotes nas suas igrejas deveriam pregar insistentemente ao povo para que este soubesse que tais pretensões eram completamente falsas».

Assim, a primeira referência cristã oficial à bruxaria negava a sua existência. Em 1154, um sábio clérigo inglês, John de Salisbury, reiterou a posição da Igreja. Repetiu algumas das histórias que narravam feitos de bruxas e formulou a seguinte interrogação: «Quem poderá ser tão cego ao ponto de não ver em tudo isto uma pura manifestação de maldade criada por demónios que pretendem estabelecer a confusão? Na verdade, de tudo isto resulta a inferência óbvia de que apenas as mulheres pobres e velhas e os homens crédulos compartilham tais crenças.»

Cento e setenta anos mais tarde, na Irlanda, num dos mais bizarros casos da história da bruxaria, esta frágil barreira verbal ruiu quando a feitiçaria e os conceitos religiosos do Diabo se ligaram inextricavelmente. A vítima no processo, a primeira bruxa importanre da Irlanda, não era nem velha nem pobre, e o desejo de apropriação dos seus bens e poder constituiu certamente uma motivação essencial presente por detrás do seu julgamento. Pois Lady Alice Kyteler era a mulher mais rica de Kilkenny quando foi acusada, em 1524, de ser bruxa; e o seu acusador, o bispo Richard de Ledrede, um franciscano que recebera em França a sua formação, era na altura provavelmente menos poderoso do que Lady Alice. Entre as acusações que sobre ela pendiam contava-se a desobediência às leis da Igreja, o sacrifício de animais, a paródia de cerimónias religiosas com o uso das palavras «fi, fi, fi, ámen», a preparação de pós e unguentos contendo «vermes horríveis», ervas, partes de cadáveres de homens e nascituros e a intimidade com um homem que assumia os aspectos quer de um gato, quer de um cão preto e felpudo.

Embora se dedicasse indubitavelmente à prática de rituais mágicos, Lady Alice combateu reiteradamente as acusações – e o bispo – antes de, por fim, procurar refúgio em Inglaterra. Infelizmente, deixou ficar a sua criada Petronilla, a qual foi torturada até admitir que a sua patroa era uma feiticeira de talentos extraordinários que participava em nefandas orgias nocturnas.

Crucial neste julgamemo foi um terceiro elemento: o homem sedutor disfarçado de animal. O aparecimento desta figura satãnica anunciou uma mudança radical nos conceitos medievais sobre demónios e demonologia. Como Alan Kors e Edward Peters escreveram na sua introdução a Witchcraft in Europe, 1100-1700: «Antes da obra dos filósofos escolásticos e dos teólogos sistemáticos, o papel que os diabos desempenhavam nos assuntos do homem fazia parte de um folclore variegado, e as actividades do Demónio ora tocavam as raias do horrível e verdadeiramente diabólico, ora se reduziam a uma mera diabrura e traquinice, traindo muitas vezes um humor caprichoso. Em S. Tomás de Aquino e nos seus contemporâneos este folclore tornou-se doutrina da Igreja, complexa e rigorosa. Os demónios eram anjos maus ... um exército hierarquicamente organizado ao serviço de Satanás trabalhando para a perdição dos crentes. Satanás e as suas hostes podiam tentar seres humanos, induzindo-os a colocarem-se ao seu serviço, e estes seres humanos tornaram-se os bruxos e as bruxas dos teólogos, os agentes visíveis do poder diabólico. »

Um pacto com o Diabo e confissão sob tortura constituíram também elementos essenciais noutro dos primeiros julgamentos de bruxas que teve lugar na Suiça nos finais do século XIV, desta vez sob a jurisdição de um juiz secular. O acusado, um homem de nome Stedelen, após repetidas torturas admitiu que ele e membros da sua seita secreta eram efectivamente capazes de causar malefícios – enterrando um lagarto sob a soleira de uma porta com vista a provocar infertilidade; sacrificando um galo preto ao príncipe dos demónios numa encruzilhada a fim de dizimar as colheitas.

No final deste julgamento, todos os poderes maléficos atribuídos às bruxas haviam sido estabelecidos. Como Norman Cohn, famoso analista dos actuais estudos sobre bruxaria, anotou em Europe’s Inner Demons: «Um bruxo ou bruxa era imaginado como: 1) um indivíduo que causava malefícios, isto é, que provocava danos recorrendo a meios ocultos; 2) um indivíduo ligado ao Diabo como seu servo; 3) um ser sinistro que voava durante a noite com fins maléficos, tais como devorar bebés, e associado a lugares selvagens e inóspitos; 4) um membro de uma sociedade ou seita que realizava reuniões periódicas, ou sabats. »

Quando, durante a 1.ª metade do século XV, os inquisidores, clérigos e oficiais seculares começaram a torturar e a queimar vítimas em França e na Suíça, foi esta última crença – nas dimensões, frequência, poder e obscenidade do sabat –, exageradamente empolada, que atingiu proporções monstruosas. Várias proveniências foram propostas para a palavra, incluindo a origem francesa s’ébattre (debater-se). Segundo maiores probabilidades, o vocábulo deriva directamente do shabbat hebraico – um elo plausível, uma vez que a cerimónia fora anteriormente denominada «sinagoga» e, como tal, possuía implicações pagãs e heréticas.

Embora as bruxas se pudessem encontrar informalmente em covens, havia, de acordo com a ciência engendrada na tortura dos acusados de bruxaria, quatro «grandes» sabats por ano, durante os quais as actividades ocultas e perversas se processavam segundo uma ordem rígida. Primeiro reunia-se a assembleia propriamente dita, que o perito em bruxaria Pierre de Lancre descreveu como «uma feira de mercadores que se misturavam uns com os outros, irados e semiloucos, vindos de todas as partes, uma multidão ondulante de cerca de 100 000 devotos de Satã ». Sem dúvida uma enorme assembleia nos tempos medievais, dado especialmente que, segundo o juramento de um participante, a maior frequência teria sido de 10 000, e, a acreditar na maioria dos relatos, se situaria nos 50 ou 100.

Seguia-se a homenagem ao Diabo, que poderia aparecer sob uma grande variedade de disfarces. O Demónio sentava-se num trono e as bruxas aproximavam-se dele, assumindo várias atitudes: «por vezes, flectem os joeIhos, numa atitude suplicante», registava-se num relato, «por vezes, permanecem de pé e de costas, outras lançam as pernas para o ar, curvando as cabeças para trás e apontando com os queixos para o céu». Mas qualquer que fosse a posição assumida, a forma de homenagem era o osculum infame, o beijo infame. Jean Bodin, um caçador de bruxas, descreveu-o como sendo administrado «nesse lugar que a modéstia não permite escrever nem mencionar».

Seguia-se o banquete. «Há mesas postas», narrava um relato, «a que elas se sentam, começando a comer os alimentos fornecidos pelo Diabo ou trazidos por elas próprias.» A ementa consistia em pratos como «carne de crianças, que elas cozinham e preparam na sinagoga», bem como «iguarias de aspecto e odor nauseabundos que facilmente revoltariam o estômago mais faminto».

As primeiras histórias de sabats exerciam um efeito inflamatório adicional que ajudaria a atear as perseguições vindouras. De facto, em 1484 o papa Inocêncio VIII declarou: «Chegou recentemente ao nosso conhecimento», escreveu ele no seu Summis Desiderantes Affectibus, «não sem que experimentássemos profunda dor, que ... muitas pessoas de ambos os sexos, indiferentes à sua própria salvação e desviando-se da Fé Católica, abusaram de si mesmas com diabos masculinos e femininos, e pelos seus encantamentos, feitiçarias, conjuros e outras mágicas horriveis, crimes e ofensas, destroem o fruto do ventre em mulheres.» Consequentemente, o papa anunciou: «Os nossos amados filhos Henrich Institor e Jakob Sprenger, professores de Teologia da Ordem dos Frades Pregadores, foram delegados como inquisidores destas depravações heréticas. »

Os dois teólogos escreveram um livro, o Malleus Maleficarum (Martelo de Bruxas), que George Lincoln Burr, um dos grandes eruditos sobre bruxaria americana, descreveu como «o terrível livro que, segundo tem sido afirmado, e talvez com verdade, causou mais sofrimento do que qualquer outro escrito por mão humana». Trata-se de uma obra maciça, com um total de cerca de 250 000 palavras, tão densamente elaborada que se torna difícil dividi-la em secções para fins didácticos. A primeira parte descreve as condições necessárias para a prática da bruxaria e refuta sistematicamente os argumentos contra a sua realidade. A segunda parte trata «dos métodos pelos quais as obras de bruxaria são executadas e dirigidas, e como podem ser eficazmente anuladas ou dissolvidas». A terceira, «referente aos procedimentos judiciais ... contra as bruxas», descreve pormenorizadamente os processos de identificação, acusação, julgamento, tortura, condenação e sentença dessas infelizes.

Houve uma invenção que se aliou aos propósitos da obra e contribuiu para o impacte malévolo que o livro exerceu. Como Russell observou em Witchcraft in the Middle Ages, «foi uma infeliz coincidência que a invenção da imprensa tivesse ocorrido em simultaneidade com o fervor crescente dos caçadores de bruxas». A primeira obra impressa sobre bruxaria, o Fortalicium Fidei, apareceu em 1464, oito anos depois da primeira Bíblia de Gutenberg. O Malleus Maleficarum surgiu em 1486 e obteve um sucesso que qualquer autor moderno invejaria: 16 edições sucessivas em alemão, 11 em francês, 2 em italiano e 6 em inglês. Além do mais, o livro não suscitou apenas o interesse de leitores católicos.

As perseguições aos praticantes de bruxaria estavam iminentes. Quem eram as vítimas? Segundo indica o sucesso que o Malleus obteve a nível internacional, a loucura da caça às bruxas espalhou-se indiscriminadamente através das fronteiras europeias. Mesmo no interior de um país, os ataques eram inconsistentes, e numa região onde nunca se condenara ou queimara uma bruxa podia repentinamente eclodir um surto de perseguições que causasse centenas de vítimas, enquanto uma área de perseguições cruéis podia, de modo igualmente abrupto, entrar num período de calma. Houve, no entanto, características nacionais específicas que distinguiam os terríveis tormentos que os acusados eram forçados a suportar.

Em Espanha, onde a Inquisição assumiu a sua forma mais extremista, houve um número relativamente reduzido de julgamentos de bruxas. Em Inglaterra, a primeira execução de uma bruxa só teve lugar em 1566 – sendo na altura a vítima enforcada, e não queimada; e no total foram julgadas e condenadas menos de 1000.

Na Alemanha, a situação decorreu de modo diferente. Em 1600, um viajante, chocado com o que observou, relatou que o país «está quase inteiramente ocupado com a construção de piras para as bruxas», e o chanceler do príncipe-bispo de Würzburg declarou, alarmado, em 1629: «Um terço da cidade está certamente implicado ... Há uma semana foi queimada uma jovem de 19 anos, unanimemente considerada de extrema beleza e excepcional modéstia e pureza.»

Na cidade de Bamberga, a caça às bruxas tornou-se uma indústria local. Em 1627, foi construída uma prisão especial, a Hexenhaus, para mulheres que se suspeitava serem bruxas. Desenhos do período mostram-na como sendo um elegante edifício de pedra com uma fachada decorativa. No interior tinha duas capelas, uma câmara de tortura e acomodações para 40 bruxas – e o seu funcionamento era de tal modo eficaz que num período de quatro anos passaram por ele cerca de 400 acusadas. Nas circunstâncias da época, a caça às bruxas revelava-se inclusivamente lucrativa. Era habitual confiscar todos os bens das bruxas condenadas e, uma vez deduzidos os custos do seu julgamento e execução, entregá-los as autoridades.

À medida que o recurso a tortura se vulgarizava, a «revelação de nomes», ou seja a incriminação de outros, tornou-se um lugar-comum. Um estudo que se debruçou sobre os casos de cerca de 300 bruxas concluiu que cada uma nomeava uma média de outras 20, produzindo assim uma lista de 6000 vítimas num único tribunal local em apenas seis ou sete anos. Um dos exemplos mais flagrantes de como através da tortura se conseguiam trágicas acusações está expresso nestas palavras patéticas, proferidas por uma vítima alemã ao confrontar a mulher de um burguês, uma mulher totalmente afastada de qualquer actividade oculta: «Nunca te vi num sabat, mas para acabar a tortura tinha que nomear alguém. Tu vieste-me à ideia porque, quando eu estava a ser levada para a prisão, me encontraste e disseste que nunca terias acreditado isto de mim. Peço perdão, mas se fosse torturada outra vez, sem dúvida que outra vez te acusava.»

No entanto, homens corajosos começaram realmente a erguer a voz contra tais processos, mesmo com o risco das próprias vidas. Johann Wier, por vezes conhecido como o pai da psiquiatria, foi um deles. Wier argumentou, num livro publicado em 1563, que o erro e a superstição transformavam os advogados e os teólogos em assassinos, que aos acusados era devido tratamento humano e exame médico e que as perturbações mentais desempenhavam um papel crucial em alguns casos de bruxaria. A Igreja Católica incluiu a obra de Wier no Índex; os protestantes lançaram fogo aos seus livros. Entre 1626 e 1628 o padre jesuíta Friedrich Spee acompanhou cerca de 200 vítimas ao poste em Paderborn. Em 1651, o padre Spee publicou, sob anonimato, uma obra na qual declarou saber exactamente como encontrar bruxas. Tudo quanto era necessário, escreveu, era a tortura, pois aplicada quer a jesuítas, quer a bispos, quer a membros de qualquer ordem religiosa, resultava sempre em confissões. Spee explicou por que razão vítimas inocentes se recusavam a retractar-se no poste. Se o fizessem, seriam queimadas vivas. Caso contrário, eram primeiro estranguladas, morte preferível à do fogo. Gradualmente, e à medida que os protestos se avolumavam, as dúvidas começaram a surgir entre os caçadores de bruxas, seculares e eclesiásticos, e a morte e tortura diminuíram. A Inglaterra aboliu as perseguições às bruxas em 1684, a França em 1745, a Alemanha em 1775, a Espanha em 1781, a Suíça em 1782 e a Polónia em 1795, data da execução da última bruxa.

Quem sofreu e morreu no decorrer dos séculos em que perdurou a caça às bruxas? Mesmo actualmente, após numerosos estudos retrospectivos, é difícil fornecer dados específicos, não obstante as vítimas atingirem um número calculado em 200 000. Uma vez que os registos eram mantidos pelos caçadores de bruxas, essa informação é altamente facciosa. Em muitos casos, quando a tortura e o processo de acusação e perseguição estavam já em curso, a identidade da vítima era, evidentemente, irrelevante. Noutros verificava-se a interferência de mecanismos mais subtis. Num estudo fascinante, Alan MacFarlane, historiador inglês, reviu cerca de 1200 casos de bruxaria extraídos de registos de tribunais e panfletos no condado do Essex e abrangendo os 120 anos que se seguiram a 1560. MacFarlane concluiu que o tipo mais comum de acusação implicava uma pessoa da terra que, após recusar o pedido de um vizinho, por vezes uma mulher idosa ou um indivíduo que vivesse sozinho, descobria algum acto de malefício. O mesmo indivíduo que se recusara a prestar assistência acusava então o que lhe pedira da prática de malefícios. Tal como MacFarlane escreveu: «Era a vítima, e não a bruxa, quem atentara contra os princípios de uma vizinhança cordata. Era a vítima quem tinha razão para se sentir culpada e ansiosa por ter afastado um vizinho, enquanto o suspeito se podia tornar objecto de ódio pelo facto de ser o agente causador de um tal sentimento. »

Outro estudo importante realizado por H. C. Erik Midelfort e relativo a julgamentos ocorridos no Sudoeste da Alemanha entre 1562 e 1684 salienta outros factores. «Eram mais provavelmente suspeitas da prática de bruxaria as mulheres que possuíssem dois atributos», escreveu o autor.. «Um era a melancolia, um estado depressivo caracterizado por ocasionais declarações obscuras ou ameaçadoras e comportamento estranho ... O outro atributo perigoso era o isolamento.» O Prof. Richard A. Horsley, da Universidade do Massachusetts, num artigo intitulado «Quem Eram as Bruxas: o Papel Social dos Acusados nos Julgamentos de Bruxas na Europa», focou um terceiro aspecto com base em casos ocorridos na Áustria, Lucerna, Lorena e Inglaterra: geralmente em comunidades rurais, os feiticeiros e os adivinhos-curandeiros eram identidades diferentes; e os segundos, em maior número, entre os quais se incluíam as mulheres que desempenhavam o papel de parteiras, eram com mais frequência marginalizados. Qual a razão de tal situação? O facto de o papel que desempenhavam na sociedade os votar ao ostracismo. «Em algumas áreas da Europa», escreveu Horsley, «a julgar pelas provas existentes, estes adivinhos e curandeicos corresponderiam talvez a quase metade das vítimas. »

Houve realmente covens de bruxas? Teve efectivamente alguma base a obscena fantasia do sabat? É difícil encontrar relatos críveis. Há, no entanto, um caso que merece consideração, passado na cidade de Bernau, no Sudoeste da Alemanha, no ano de 1588. Segundo a história, numa taberna local o vinho desaparecia inexplicavelmente. A fim de desvendar o mistério, o taberneiro ocultou-se na adega. Nessa noite, viu 17 velhas «servirem-se de vinho e beberem alegremente umas com as outras, de acordo com o costume estabelecido». Quando as acusações foram formuladas, as mulheres admitiram, segundo os relatos, que praticavam há anos actividades similares, subsequentemente ao que foram queimadas. Como retaliação, os seus parentes lançaram fogo a cerca de 120 edifícios da cidade. Um coven activo e organizado de bruxas ou simplesmente uma história popular que reflectia as tensões entre as populações rural e burguesa da Floresta Negra?

Possivelmente ambos. Talvez a abordagem mais segura do problema com vista à compreensão da identidade das vítimas da bruxaria seja a oferecida por Lucy Mair no seu livro Witchcraft. Nele, a autora sugeriu a existência de seis grandes categorias de vítimas: os socialmente desfavorecidos, os fisicamente diminuídos, os individuos realizados, aqueles que ganhavam dinheiro, inimigos pessoais e estranhos. Todos certamente forneceram vítimas aos caçadores de bruxas; alguns eram talvez influenciados por um factor adicional – a prática da magia. Pois existiram de facto praticantes de magia, e embora o seu número real pudesse ter sido pequeno em comparação com o das vítimas, eles efectivamente detinham, nem que fosse apenas através da força da sugestão, um certo poder. Como escreveu John W. Conner num artigo intitulado «A Realidade Social e Psicológica das Crenças Europeias sobre Bruxaria»: «Para os povos dessa época, a bruxaria e os poderes de Satã eram tão reais, tão racionais, e no entanto tão misteriosos como as vitaminas, a electricidade e a energia atómica o são para o individuo médio da nossa própria época. »

No entanto, de todas as características das vítimas, a mais óbvia é também a mais horrorosa. Na sua grande maioria, eram mulheres, facto que actualmente ainda continua a ser estranhamente controverso. Pois a violência das perseguições parece exceder em muito os motivos de acusação.

Qual a razão de tal situação?

Um determinado número de escritores, atentos às teorias freudianas, propôs respostas de natureza psicológica com base no facto de provavelmente 85% das bruxas acusadas serem mulheres. Sob muitos aspectos, a actividade sexual era um ponto central na prática da feitiçaria. O Diabo recrutava as bruxas recorrendo à sedução, e as orgias periódicas nos sabats representavam a sua recompensa por serviço fiel. «Os juízes», escreveu o historiador Henry C. Lea, «revelavam uma curiosidade insaciável em aprender todos os pormenores possíveis sobre relações sexuais, e o seu engenho em aprofundar os interrogatórios era recompensado por uma abundância de informações chocantes e fantasiosas. »

Por outro lado, historiadores distintos, tais como Hugh Trevor-Roper, defenderam que a loucura da bruxaria – pois em suas opiniões tratou-se efectivamente de loucura – foi o resultado de severas pressões sociais. Os homens começaram a descobrir e a castigar bruxas numa altura em que as condições de vida, tal como foi anteriormente referido, haviam atingido um ponto crítico. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse andavam na verdade à solta na Terra. A peste negra, que varreu a Eucopa em 1348, causou tantas vítimas, sem que surgisse qualquer esperança de cura, que foram necessários quase dois séculos para que se restabelecessem os antigos níveis demográficos. As guerras eram endémicas. A simples sobrevivência representava um equilíbrio tãao precário que a perda de uma única colheita podia condenar regiões inteiras à fome – o que pode talvez explicar o motivo por que o desencadear de tempestades de saraiva era considerado um dos crimes mais hediondos praticados pelas bruxas.

O psiquiatra Dr. Gregory Zilboorg contribuiu com uma nota adicional ao sugerir que a grande caça às bruxas foi «uma reacção contra os sinais inquietantes da crescente instabilidade da ordem esrabelecida». Mesmo nos tempos modernos houve tragédias que desencadearam perseguições a bodes expiatórios. No Japão, em 1923, houve quem imputasse a culpa do terramoto de Kwanto a centenas de imigrantes coreanos que viviam em Tóquio.

No entanto, a bruxaria, com as suas implicações misogínicas e inserida numa sociedade em convulsão que vivia tempos catastróficos, foi também etiquetada de heresia, ou negação dos dogmas da Igreja, facto que, de acordo com alguns eruditos, a transporta para fora do reino do folclore, da sociologia e da antropologia e a insere irrevogavelmente no campo da teologia. Segundo escreveu George Lincoln Burr: «Não podemos ignorar que a bruxaria era uma heresia e que a perseguição aos bruxos era uma perseguição aos heréticos, pois é essa a essência da questão. »

Um recente estudo sobre bruxaria realizado na Rússia ajuda a sublinhar, por analogia, os efeitos insidiosos dessa justificação religiosa. Pois, sob determinados pontos de vista, a bruxaria na Rússia foi extraordinariamente semelhante à bruxaria na Europa. Já no século XII um viajante árabe narrou: «De vinte em vinte anos, as mulheres idosas deste país tornam-se culpadas [suspeitas?] de bruxaria, o que suscita grande preocupação entre o povo. Então eles apanham todas as [mulheres] que encontram nesta área e lançam-nas, pés e pulsos atados [juntos], para um grande rio [Dniepre?] que passa por aqui. As que flutuam são consideradas bruxas e queimadas; pelo contrário, as que vão ao fundo são declaradas inocentes e libertadas.»

Trata-se de um registo bastante preciso sobre a situação vigente na Rússia três séculos antes das perseguições europeias. Mas Russell Zguta, no seu artigo «Julgamento de Bruxas na Rússia do Século XVII », assinalou diferenças virais que distinguiam a bruxaria russa: a frequência com que o número de homens excedia o das mulheres em julgamentos, a média relativamente elevada de ilibação em alguns julgamentos, a ausência de crianças nas perseguições e à não impugnação às bruxas do crime de heresia. «Sem Satã», escreveu ele, «e sem o sabat as bruxas russas poucas semelhanças – e por vezes nenhuma – apresentavam com as suas homólogas europeias. »

A histeria da caça às bruxas

Feitiçaria campesina, magia, heresia e satanismo deram origem à crença na bruxaria



Desde meados do século XV e durante um período de cerca de 250 anos que, calcula-se, 150 000 a 200 000 pessoas na Europa terão sido condenadas à morte por bruxaria. Algumas foram queimadas vivas, outras, enforcadas, outras ainda, estranguladas e depois queimadas. A reputação e a condição social conferiam pouca protecção. Em 1590, Frau Rebekka Lémp foi uma das 32 mulheres respeitáveis queimadas por bruxaria na cidade alemã de Nördlingen. Os homens condenados por bruxaria eram muito menos, mas em 1628 o burgomestre de Bamberg foi executado por acusações forjadas contra ele pelos seus rivais políticos.

A histeria da caça às bruxas teve origem num conceito de bruxaria que surgiu de uma mistura de feitiçaria campesina, magia, heresia e satanismo. Todas as sociedades acreditavam nos feiticeiros das zonas rurais, que curavam ou faziam mal por meios ocultos. A magia branca, uma combinação de psicologia e farmacologia, podia proteger pessoas, colheitas e gado; garantir a reprodução; descobrir e influenciar amantes; encontrar pessoas e bens perdidos e tesouros escondidos, e contrariar a magia negra. A magia negra, ou maleficium, podia provocar a doença e a morte e gerar tempestades ou pragas de insectos para destruir colheitas.

Os primeiros «cientistas», como Cornelius Agrippa, na Alemanha, e Roger Bacon e John Dee, em Inglaterra, eram considerados magos pelos clérigos conservadores por acreditarem que os demónios podiam ser coagidos a servir os seres humanos. Os cristãos que se opusessem à visão dominante da Igreja eram acusados de crimes como heresia, assassínio, sacrificio de crianças, canibalismo e desvios sexuais. Uma pequena minoria adorava o demónio cristão, cuja importância cresceu rapidamente no fim da Idade Média, até que finalmente o satanismo se transformou num elemento essencial do conceito de bruxa do século XVI.

Pactos com o Demônio: A partir do século XIII, clérigos como Tomás de Aquino e Alberto Magno negaram a existência de um mundo de magia separado do mundo da Natureza ou do sobrenatural, e a Igreja declarou que a utilização de magia sem a sua autoridade seria obra do Diabo. Assim, quem exercesse poderes mágicos fora da Igreja é porque tinha feito um pacto com o Diabo. Dezenas de milhares de mulheres idosas e de outras pessoas da Europa que praticavam feitiçaria campesina passaram cada vez mais a serem consideradas instrumentos do Demónio, que teria reuniões regulares com os seus seguidores, fornecendo-lhes assistentes demoníacos, conhecidos por familiares.

Os métodos utilizados na luta contra esta ameaça divergiam. Penitências leves dadas por tribunais eclesiásticos ou multas moderadas impostas por jurisdições seculares deram lugar a castigos mais duros no fim do século XV. Em certas partes da França, na Alemanha e Escócia; o suposto pacto com o Demónio era considerado pelos católicos como a rejeição do baptismo e pelos calvinistas a quebra do contrato com Deus. O castigo era morrer na fogueira. Noutras regiões, como na Inglaterra ou Dinamarca, a pena, que dependia do resultado do maleficium, era a forca.

A elite política, ansiosa por que a Igreja e o Estado escapassem à responsabilidade das desgraças nas comunidades, encontrou um bode expiatório no Demónio e seus seguidores. Certos indivíduos eram mais vulneráveis: os idosos e os doentes e as viúvas e as solteiras. O ódio contra as mulheres e a necessidade de as controlar foram também factores importantes em muitas perseguições.

Controle do Estado: Em certas situações, a cobiça ou a ambição política levavam as pessoas a acusar outras de bruxaria. Os Estados fortes, porém, conseguiam controlar a caça às bruxas. A ocupação sueca da Alemanha na década de 1630 e a ocupação inglesa da Escócia na década de l650 puseram fim a tal actividade, que, no entanto, recomeçaria mal os exércitos estrangeiros se retiraram.

No início do século XVIII, a caça às bruxas tinha praticamente acabado (um dos últimos grandes surtos ocorreu na América, em Salem, Massachusetts, em 1692 e 1693). O impacte de explicações racionais e científicas deu origem a que as pessoas cultas já não acreditassem em bruxas, o que passou a reflectir-se nas decisões dos juízes. A bruxaria deixou de ser um crime. A burocracia governamental, forte e eficaz, afastou a necessidade de bodes expiatórios como meio de controle, e o medo da população e das mulheres atenuou-se. As crenças no maleficium passaram a ocorrer apenas ao nível de camponeses ignorantes.

Os bruxos neopagãos, que têm vindo a aumentar desde a década de 50, nada tem a ver com o conceito medieval de bruxaria. Não crêem no Demónio nem renunciam às religiões convencionais, antes consideram-se curandeiros que trabalham para o bem da comunidade.

A Moderna Bruxaria e a Sua Procura de Poder

Durante séculos a bruxa foi a um tempo honrada e amada. Quer fosse homem ou mulher, o bruxo era consultado por todos, que nele procuravam alívio na doença, conselho em situações difíceis ou conhecimento antecipado de futuros acontecimentos. Em 1921, a antropóloga inglesa Margaret Murray apresentou a sua inovadora teoria de que a bruxaria, longe de ser fruto da inventiva medieval, era uma poderosa e antiga religião pagã cujas raízes remontavam até aos habitantes paleolíticos das cavernas. Os bruxos e as bruxas, declarou Murray, adoravam um deus que aparecia sob muitas formas, quer como homem, quer como mulher, quer como animal.

Embora os modernos eruditos rejeitem o essencial da teoria de Murray, os livros desta antropóloga suscitaram um interesse generalizado pela antiga prática da feitiçaria. Quando o autoproclamado feiticeiro Gerald Gardner anunciou que pertencia a um coven com uma tradição oral que datava dos tempos pré-cristãos, os devotos acorreram em grande número ao seu quartel-general.

Raymond Buckland, sumo sacerdote e autor de Witchcraft From the Inside, é um adepto de Gardner. O roven de Buckland, que celebra anualmente oito sabats de feitiçaria, reuniu-se em 1969 na casa do sumo sacerdote, no estado de Nova Iorque, para celebrar o Halloween. Para se prepararem para a cerimónia, os 13 membros do coven despiram-se (o vestuário, segundo acreditam, inibe-lhes os poderes) e purificaram-se lavando-se em água com sal. Em seguida, «vestidos de céu», como chamam à sua nudez ritual, reuniram-se no interior de um circulo de 2,70 m de diâmetro para cantar, dançar e escutar a suma sacerdotisa do coven ler parte do Livro das Sombras.

Há muitos bruxos que, tal como Buckland, garantem que não praticam magia negra e salientam a diferença entre a magia branca a qual se dedicam e a magia negra, tal como é praticada pelo mal-afamado satanista da Califórnia Anton La Vey. La Vey e a igreja por ele fundada adoram Satã através de rituais em que avulta um em que uma mulher nua serve de altar.

Os praticantes quer de magia branca, quer de magia negra afirmam abertamente a sua convicção de que a feitiçaria é a resposta às restrições e hipocrisias que encontram na sociedade moderna. Publicam livros, fazem conferências e, especialmente nas proximidades do Halloween, concedem entrevistas e desfrutam de uma certa forma de celebridade.

Distanciada, porém, desta espécie de feitiçaria espectacular, mantém-se, e já ao longo de séculos, a prática tradicional da feitiçaria realizada por pessoas simples, que passa tão despercebida quanto é certo que é parte integrante da vida dos seus adeptos. Em Witchcraft and Sorcery, o antropólogo John A. Rush estudou a prática da feitiçaria nos tempos modernos entre a comunidade de imigrantes italianos em Toronto, Canadá, bem como entre vários povos europeus e africanos, descobrindo que a mesma afecta constantemente as vidas e pensamentos dos seus seguidores. Registou-se o caso de um homem de Toronto que tinha feridas na face cujo médico de família não conseguiu curar; a sua mulher consultou uma bruxa, que a aconselhou a cobrir as feridas com a cera derretida de uma vela de igreja, terapêutica que pareceu resultar. Os jornais de Lisboa divulgaram o caso de um rapaz que, na opinião dos médicos, precisava de se submeter a uma operação às pernas; depois de consultar uma bruxa, o paciente decidiu ignorar o conselho médico, do facto não lhe advindo, segundo parece, quaisquer danos.

Em comunidades onde evoca a mesma esperança e o mesmo terror que evocava há 600 anos, a bruxaria não é tomada de ânimo leve. Em 1945, verificou-se um caso de assassínio nos Cotswolds, Inglaterra, que nunca foi esclarecido basicamente porque aos investigadores deparou-se-lhes um muro de silêncio por parte dos habitantes da cidade que haviam conhecido a vítima. Mas a natureza ritualista do crime – a vítima fora apunhalada com uma forquilha e o seu peito retalhado com cruzes – e a data em que o mesmo foi perpetrado, no dia da Candelária, convenceram aqueles que possuíam conhecimentos de feitiçaria de que a vítima fora morta por alguém que receava que ela fosse bruxa.

Mesmo indivíduos que não são levados a tais extremos podem seguir práticas cuja origem se perde na memória do tempo para se protegerem dos malefícios da bruxaria. Em muitas comunidades italianas os bebés têm suspensos ao pescoço amuletos em forma de chifre que impedem a aproximação de bruxas; à noite, colocam-se vassouras perto das fechaduras para que uma bruxa que pretenda entrar fique obcecada com a contagem dos pêlos das mesmas e não disponha de tempo para praticar os seus malefícios. Os incrédulos ficam por vezes em situação de desvantagem. Num caso ocorrido na Rússia, a prensa de uma revista partiu-se no preciso momento em que imprimia um artigo sobre uma mulher que afirmava ser capaz de, através de bruxaria, devolver às mulheres os maridos arredios. Como muitos devotos seguidores da antiga arte, há muito que esta mulher considerava o 7 como o seu número de sorte; e o facto é que sete dias depois de ter sido presa foi declarada uma amnistia geral.


O Diabo: Mestre da Bruxaria


Para os cristãos da Idade Média, o Diabo era um inimigo real e activo a cujos poderes e maldade era possível atribuir todos os contratempos, quer se tratasse de desastres graves, quer de contratempos de menor importância. Tal como Deus, a Quem se opunha, o Demónio interessava-se por todos os homens, orgulhosos ou humildes, e tal como as divindades dos antigos mitos, ele ou qualquer um dos da sua legião interferia constantemente nos assuntos humanos.

A imagem vivida que os cristãos possuíam deste ubíquo intrometido – este dirigente do Mundo com chifres e cascos –, em parte extraída da Bíblia e do ensino da Igreja, devia também muito à influência de figuras pagãs, tal como o deus Pã, semi-homem, semicabra, e Loki, o deus teutónico do fogo e pai de Hel, guardião do mundo subterrâneo.

A crença num demónio no sentido literal do termo não se confinava aos incultos: Santo Agostinho declarou que ouvira falar na possibilidade de uma união física entre os diabos e os seres humanos. Nos escritos de Martinho Lutero abundam histórias das suas dolorosas batalhas com inimigos sobrenaturais que o tentavam desviar do seu trabalho sagrado. No entanto, para Lutero e seus contemporâneos a ameaça mais grave que o Diabo representava era a sua incansável determinação em capturar as almas humanas.

Animais Mafarricos


Segundo apurou o estudo da prática da bruxaria, as bruxas eram frequentemente servidas por familiares – mafarricos ou demónios menores que assumiam a forma de animais de pequenas dimensões, tal como gatos, cães, furões, ratos e sapos –, que as ajudavam a lançar os feitiços e executavam toda a espécie de tarefas. Num dos primeiros julgamentos de bruxas realizado em Inglaterra, Elizabeth Francis, julgada em Chelmsford em 1566, confessou que o Diabo lhe dera um familiar «com a aparência de um gato com pintas brancas ... com o nome de Satã». Segundo se dizia, sempre que executava uma ordem de Elizabeth, Satã «exigia uma gota de sangue, que ela lhe dava picando-se a si mesma».

A ideia de que a bruxa alimentava o seu familiar com o seu própcio sangue ou leite constituía uma prova determinante nos julgamentos ingleses de bruxas. Pensava-se que o local do corpo da bruxa de onde o familiar extraía o sustento estava assinalado por uma espécie de protuberância – uma «marca de bruxa» sem sensibilidade. Matthew Hopkins, descobridor geral de bruxas de Inglaterra, tomava nota dos familiares que descobria e registou nomes como Pynewacket, Sack and Sugar, Greedigut e Peckin the Crow. Tratando-se de nomes que «nenhum mortal podia inventar», declarou Hopkins, indicavam claramente origem diabólica.
Os Instrumentos da Bruxaria


Fossem de que nacionalidade fossem, as bruxas, segundo parece, usaram todas uma parafernália aníloga para conseguir objectivos semelhantes. Talvez mais do que qualquer outra coisa, são estes elementos comuns, na sua maior parte baseados no mito, estereótipos clericais e confissões extraídas sob tortura, que serviram para imprimir de maneira tão viva a imagem da bruxa na imaginação ocidental.

Os tratados sobre bruxaria, por exemplo, estão repletos de histórias de bruxas cavalgando vassouras. Nas transcrições dos séculos XVI e XVII de julgamentos de bruxas, abundam as referências a esta tradição, que parece ser antiga – talvez mesmo pré-cristã. Assim, Henri Boguet, caçador de bruxas francês dos finais do século XVI, escreveu que «Françoise Secretain confessou que, para se dirigir ao sabat, colocava um pau branco entre as pernas, murmurava depois algumas palavras e era transportada pelos ares até à assembleia de Feiticeiros». A bruxa escocesa Isobel Gowdie foi mais longe na sua confisssão, a ponto de revelar a fórmula a que recorria para fazer voar uma vassoura feita de um caule: «Cavalo e Hattock, cavalga e vai / Cavalo e pellattis, ho! ho!»

Acessórios igualmente familiares eram a comprida capa preta com capuz e o caldeirão fervente. A capa, embora de origem antiga, parece não ter desempenhado qualquer função especial para além de ajudar a bruxa a conservar o anonimato, mas o caldeirão era um lugar-comum para praticar actos de magia. A partir das repugnantes misturas preparadas no caldeirão, a bruxa podia fabricar venenos letais, bem como poções e unguentos encantados. Anne Marie de Georgel, bruxa francesa do século XIV, de Toulouse, admitiu que confeccionava um preparado composto de ervas, partes de cadáveres de homens e animais e farrapos de vestuário retirados a um homem enforcado. O registo do seu julgamento não mencionava o propósito desta mistura, mas é difícil que os seus objectivos tivessem sido benignos.

As ervas que entravam na preparação destas misturas maléficas eram provavelmente colhidas quando a Lua se encontrava em quarto minguante. Quando estava lua cheia, as ervas eram colhidas para efeitos salutares.

Para os seus sabats, ou reuniões, as bruxas necessitavam de velas. No seu julgamento, realizado em 1616, o bruxo Barthélemy Minguet, de Brécy, França, descreveu uma cerimónia: «[Quando] os adoradores se preparam para a oferenda, seguram nas suas mãos velas negras de breu que lhes são dadas pelo Diabo.» Integrava-se também no ritual do sabat o desenho de um circulo mágico, traçado no chão pela ponta de uma faca mágica.

Para guardar misturas que lançavam feitiços, uma bruxa podia usar uma garrafa normal ou um jarro. Em Londres, depois da II Guerra Mundial, foram encontrados vários desses jarros enterrados nas fundações de casas velhas. Continham cabelo humano entrançado com pregos de metal, aparas de unhas e fragmentos de tecido com forma de coração trespassados com alfinetes.

Outro elemento da parafernália das bruxas foi encontrado em 1886. De acordo com uma notícia publicada num jornal, alguns construtores do Sommerset, Inglaterra, descobriram numa sala secreta uma corda de 1,5 m de comprimento na qual haviam sido inseridas penas de ganso, corvo ou gralha. Quando interrogado, um idoso habitante da aldeia sugeriu que o achado era uma grinalda de bruxa, um objecto usado para lançar maldições.

Um Homem Racional

Embora as incríveis injustiças e actos cruéis praticados na época das perseguições às bruxas não viessem a terminar antes do século XVIII, houve uma voz racional – e literária – que se ergueu no século XVI contra a loucura desta perseguição. Foi em 1584 que Reginald Scot, fidalgo rural do Kent, publicou um livro, Discoverie of Witchcraft, que denunciava claramente os julgamentos de bruxas como sendo irracionais e baseados em interpretações falseadas do Demónio e seus poderes.

Crê-se que a obra de Scot representa em parte uma reacção contra o famoso julgamento realizado em St. Osyth, Inglaterra, em 1582, durante o qual 14 mulheres foram acusadas e 2 mortas com base no testemunho de crianças. O ataque movido por Scot, simultaneamente racional e trocista, de tal modo irritou o rei Jaime I que em 1603 o monarca ordenou que fossem destruidos todos os exemplares de Discoverie of Witchcraft. Só em 1651 apareceu uma segunda edição da obra. Atribui-se-lhe o mérito de ter inspirado Shakespeare na criação das suas bruxas em Macbeth. O conhecido historiador Henry C. Lea escreveu que Discoverie «tem a honra de ser a primeira das obras controversas que negou resolutamente a realidade da bruxaria e do poder do Demónio».



Os Mais Cruéis dos Carrascos: os Caçadores de Bruxas

A mania da caça às bruxas que convulsionou a Europa Ocidental durante os séculos XV, XVI e XVII pode não ter revelado a existência de demónios sobrenaturais, mas deu efectivamente origem a uma extraordinária quantidade de monstros humanos: os caçadores de bruxas, uma irmandade patologicamente obcecada pela justiça que se devotou a descobrir suspeitas servas do Diabo. A bíblia destes macabros assassinos era o infame Malleus Maleficarum (Martelo de Bruxas), um livro escrito por dois fanáticos sacerdotes dominicanos e publicado em 1486. Para os autores da obra, nenhum estratagema era demasiado ínvio, nenhuma tortura demasiado desumana para ser usada a fim de obter confissões. Qualquer atitude, quer de cepticismo, quer de moderação, era rejeitada. «Não acreditar em bruxaria», assim rezava o lema do livro, «é a maior das heresias.»

Um dos mais famosos dos discípulos do Malleus foi o advogado-filósofo francês Jean Bodin (1529-1596). Possivelmente o primeiro a formular uma definição «legal» de bruxa – «alguém que, conhecendo as leis de Deus, tenta realizar algum acto com o acordo do Diabo» –, Bodin era odiosamente eficiente na sua acusação de bruxas suspeitas. Torturava pessoalmente crianças e inválidos com o objectivo de extrair confissões e proclamava que a morte pelo Fogo das bruxas condenadas era demasiado rápida – não excedia meia hora. Em 1580, quase no fim da sua vida, Bodin escreveu o seu próprio livro, Demonomania. Mais severo e mais insidiosamente circunstancial que o próprio Malleus, foi bem recebido e largamente lido.

Nicolas Remy, inquisidor da Lorena, contemporâneo de Bodin, se não se lhe igualava intelectualmente, equiparava-se-lhe por certo nas perseguições que movia as bruxas. Durante 15 anos de julgamentos de casos de bruxaria, Remy foi responsável pela execução de aproximadamente 900 pessoas. Quando o seu filho mais velho morreu, em 1582, Remy inevitavelmente suspeitou de bruxaria, acusando e condenando mais tarde um pedinte a quem recusara esmola pouco antes da morte do filho. Como Remy explicou: «As bruxas recorrem a um processo extremamente traiçoeiro para aplicarem o seu veneno, pois com as mãos sujas dele agarram-se ao vestuário de um homem como se fossem para interceder junto dele e instar para que atenda aos seus pedidos.» Tal como Bodin, Remy reformou-se como homem honrado e escreveu um livro sobre as suas experiências. O principal desgosto da sua vida, confessou, foi não ter morto mais filhos de bruxas.

O caçador de bruxas que de longe causou maior morticínio foi Peter Binsfeld, instruído pelos Jesuítas, bispo sufragâneo de Trier, Alemanha, que viveu nos finais do século XVI. Consta que Binsfeld, incansável perseguidor de bruxas, segundo o qual uma tortura «ligeira» não significava qualquer tortura, foi responsável pelas mortes de 6500 homens, mulheres e crianças. O seu Tratado sobre Confissões de Bruxos e Praticantes de Malefícios foi considerado por muitos dos seus contemporâneos como sendo uma das maiores obras legais da época. Poucas vozes se ergueram em oposição à prática sangrenta da caça às bruxas. Quando o erudito holandês Cornelius Loos, horrorizado pela enormidade dos assassínios judicialmente sancionados de Binsfeld, tentou protestar em nome da Humanidade, foi condenado e obrigado a retractar-se publicamente.

O facto de a maioria dos caçadores de bruxas acreditar sinceramente na rectidão dos seus procedimentos criminosos não torna actualmente menos horrorosos os seus métodos desumanos, lógica perversa e preconceitos extremistas. Henri Boguet (1550- 1619), advogado francês a quem se atribui o extermínio de cerca de 600 bruxas, foi, por exemplo, capaz de ajudar a condenar uma piedosa suspeita com base em que o crucifixo que ela usava no terço apresentava um minúsculo defeito – indício claro, segundo Boguet, de que ela estava associada com o Diabo.

Pierre de Lancre, caçador oficial de bruxas na região basca durante o reinado de Henrique IV de França, era igualmente hábil em detectar qualquer presença satânica. Por razões obscuras, mas que parecem ter tido mórbidas implicações sexuais, De Lancre convenceu-se de que todos os 30 000 habitantes (incluindo os padres) do distrito de Labourd eram bruxos. Quando as conclusões de De Lancre foram divulgadas, milhares de pessoas abandonaram os seus lares, algumas das quais emigraram mesmo para a Terra Nova, para escaparem a inevitável conflagração. No espaço de quatro meses, De Lancre queimou cerca de 600 das pessoas que restavam, após o que regressou triunfantemente a Paris para ser feito conselheiro de Estado pelo grato rei Henrique.

Contrariamente a alguns dos seus correligionários, o caçador de bruxas inglês Matthew Hopkins, cuja época áurea não se prolongou para além de um período relativamente breve na década de 1640, conseguiu matar apenas algumas centenas de pessoas. Além do mais, e devido a um decreto parlamentar, foi obrigado a renunciar ao método a que inicialmente recorrera para identificar bruxas – lançar as suspeitas, amarradas, para um lago ou rio, a fim de verificar se flutuavam, caso em que eram consideradas culpadas.

A Loucura Instituída em Julgamento: as Bruxas de Salem

Os problemas em Salem tiveram início num Inverno gélido na Nova Inglaterra em 1692, ano de incerteza política em toda a colónia de Massachusetts Bay. Os dirigentes da colonia receavam a iminência do declínio do domínio puritano, que acarretaria o término de uma sociedade outrora coesa. Na cozinha do presbitério de Salem, uma escrava das Caraíbas de nome Tituba divertia a filha do presbítero, Elizabeth Parris, de 9 anos, e uma prima desta de 11 anos, Abigail, com truques, encancamentos e histórias de ocultismo. Por vezes, Tituba lia as sinas deitando num copo uma clara de ovo e estudando as formas que a mesma assumia, passatempo que, para os puritanos do século XVII, era considerado magia negra, mas que cativava as adolescentes da vizinhança.

À medida que o Inverno decorria, Elizabeth e a prima começaram a adoptar um comportamento bizarro: Elizabeth tinha frequentes acessos de soluços, e Abigail corria de gatas, ladrando como um cão. As outras jovens sofriam diversos ataques, e um dia Ann Putnam, de 12 anos, narrou uma luta feroz com uma bruxa que tentava cortar-lhe a cabeça com uma faca.

Em vão o Rev.º Parris implorou as aflitas jovens que revelassem os nomes das bruxas que as atormentavam. E quando tomou conhecimento de um «bolo de bruxa» preparado pelo marido de Tituba (feito de farinha de centeio cozida com urina de crianças), soltou um tal grito que Elizabeth deixou escapar o nome de Tituba. As outras jovens não tardaram a acrescentar os nomes de Sarah Good, uma miserável pedinte que fumava cachimbo, e Sarah Osborne, que escandalizara a aldeia por ter coabitado abertamente com um homem antes de casar. Numa audiência que teve lugar nos princípios de Março, Tituba confessou que era de facto bruxa e que ela – ou melhor, o seu espectro – atacara Ann Putnam com uma faca. Afirmou ainda que era uma das muitas bruxas da aldeia e que um «homem alto de Boston» lhe mostrara um livro onde estavam registados todos os bruxos da colónia.

Assim se deu início à caça às bruxas de Salem. A precoce Ann Putnam e sua mãe acusaram Rebecca Nurse, de 71 anos, de infanticídio. Susanna Martin foi acusada de, subsequentemente a uma disputa, ter enfeitiçado os bois de um vizinho. O Rev.º George Burroughs, anterior pastor da aldeia, foi apontado como sendo o chefe das bruxas, e o capitão John Alden identificado como o «homem alto de Boston» mencionado por Tituba.

Num período de sete meses, 7 homens e 13 mulheres foram executados, muitos com base no «testemunho» de fantasmas e espectros. O Rev.º Burroughs foi enforcado a 19 de Agosto, e Giles Cory, de 80 anos, que se recusou a depor, foi lentamente esmagado até a morte por pesadas pedras. Apenas aqueles que não confessavam eram mortos; Tituba foi poupada e depois vendida por Parris.

Quando as frenéticas acusações atingiram os píncaros da sociedade colonial – até o presidente da Universidade de Harvard foi acusado –, a opinião pública mudou. Decorridos 18 meses após o início do episódio, o governador William Phips perdoara todas as bruxas suspeitas que não haviam sido executadas. Em último caso, mesmo as executadas foram ilibadas, embora o nome de Salem perdure como um símbolo de loucura social.

Bruxas em Chelmsford

Em Inglaterra, o primeiro julgamento por bruxaria digno de nota foi realizado em Chelmsford, no Essex, em 1566 e ocorreu na sequência da lei contra a bruxaria promulgada pelo Parlamento de Isabel I em 1563, tornando mais rigorosas as penas por invocação de espíritos malignos. Três mulheres da aldeia de Hatfield Peverel foram acusadas de maleficium e do uso de um demónio familiar comum. Os procedimentos foram registados num panfleto contemporâneo.

Elizabeth Francis foi formalmente acusada de ter feito um bruxedo contra o bebé William Augur, tornando-o coxo. Foi condenada a um ano de prisão. Durante o julgamento, confessou de livre vontade muitas outras actividades, incluindo relações sexuais pré-matrimoniais, aborto e assassínio. Explicou que era ajudada e incitada pelo seu demónio familiar falante – Satã, um grande gato negro malhado –, que lhe fora oferecido pela avó, que durante a sua infância a instruíra na bruxaria. Elizabeth tinha pedido a Satã que a tornasse rica «e este gato trouxe então carneiros para os seus pastos em número de dezoito, negros e brancos».

Ayies Waterhouse foi considerada culpada e enforcada por ter praticado bruxedos contra William Fynee, levando-o à morte. Durante o julgamento, confessou outros crimes que envolviam o demónio familiar de Francis. Esta tinha-se cansado de Satã, e por isso dera-o a Agnes, que fez bom uso dele. Zangada com a viúva Gooday, Agnes convencera Satã a afogar a sua vaca e depois recompensou-o com o próprio sangue, pão e leite. Satã matou os gansos de outro vizinho e estragou completamente a manteiga de um terceiro. No tribunal, o carcereiro levantou o lenço de Waterhouse e mostrou as marcas no seu rosto nos pontos onde o gato Satã teria chupado o sangue.

A filha de Agnes, Joan Waterhouse, na altura com 18 anos, foi considerada inocente da acusação de que teria feito que Agnes Brown, de 12 anos, ficasse aleijada do braço e perna direitos. O testemunho de Agnes também se referia a Satã, que assumira a forma de um cão preto com rosto de macaco, cauda curta e um par de chifres na cabeça. Este cão tinha aparecido com a chave da queijaria na boca, pedindo manteiga a Agnes. Esta recusou sem nunca ceder, mesmo quando o cão regressou por várias vezes e lhe fez o mesmo pedido. Mais tarde, voltou com uma faca na boca e ameaçou matar a intransigente rapariga.

Houve ainda outros julgamentos importantes por bruxaria em Chelmsford em 1579, 1589 e 1645. Contudo, os de 1566 foram os primeiros em que um tribunal aceitou testemunhos sem provas por parte dos acusados, a descoberta de marcas de bruxas e, sobretudo, o testemunho de crianças.


Bruxaria em Warboys
A aldeia de Warboys, a norte de Huntingdon, é há muito conhecida por um sensacional caso de bruxaria que teve início em Novembro de 1589, quando Jane Throckmorton, de 10 anos, adoeceu – espirrava, entrava em transe, «inchava e a sua barriga crescia de tal maneira que ninguém era capaz de a dobrar ou de a forçar a baixar». Os medicamentos não tinham qualquer efeito, e o médico da família sugeriu que a causa seria feitiçaria.

Entre os visitantes da criança doente, contava-se uma vizinha idosa, Alice Samuel. Na sua presença, Jane piorava e, apontando Alice, gritava: «Já alguma vez viram alguém mais parecido com uma bruxa do que ela? Eu não aguento olhar para ela!» Passados dois meses, as quatro irmãs de Jane adoeceram e também elas acusaram Alice de as ter enfeitiçado. Quando a mulher entrava na casa, as crianças caíam ao chão, agitadas por convulsões, mas Alice rejeitava todas as acusações, dizendo que não passavam de disparates. A mulher do seu senhorio, Lady Cromwell, ouviu a história e chamou Alice, que negou veementemente ter enfeitiçado as crianças. Passado algum tempo, Lady Cromwell começou a sofrer de ataques e morreu cerca de um ano mais tarde.

As crianças afirmavam agora ser atormentadas por uma «coisa» enviada por Alice e que aparecia sob várias formas, mas habitualmente como galinha. Os pais pediram à mulher que admitisse a sua culpa para que as suas filhas pudessem recuperar. Assim, no interesse das crianças, Alice fez uma espécie de confissão: «Oh, senhor, fui eu a causadora de todos os problemas das suas filhas.» As raparigas melhoraram imediatamente. Contudo, mais tarde Alice caiu em si e retirou tudo o que tinha dito, atribuindo isso a «brincadeiras» infantis.

Mais tarde, Alice viria a ser presa juntamente com o seu marido, John, e a sua filha, Agnes, e em 1593 foram enforcados. A filha foi aconselhada a declarar que estava grávida, a fim de escapar a execução, mas recusou, dizendo: «Nunca poderão dizer que eu era simultaneamente uma bruxa e uma prostituta.» Depois dos enforcamentos, os ataques das crianças cessaram. Naquela época, muitos se interrogaram se as crianças não teriam feito acusações falsas e se, afinal, teria ou não sido feita justiça.


Crianças Perversas
O caso de bruxaria de Warboys levou várias crianças a comportamentos semelhantes em décadas posteriores. Em 1597, o jovem William Somers, de Nottingham, acusou 13 mulheres de o terem enfeitiçado antes de confessar que estava a mentir. Em 1616, John Smythe, de 13 anos, provocou o enforcamento de nove bruxas antes de as provas que apresentou se terem tornado suspeitas. Em geral, as crianças contavam histórias estranhas ou fingiam entrar em transe e ter ataques em que simulavam vomitar alfinetes, contas ou outros objectos. Os jovens delinquentes saíam impunes, dizendo que quem os tinha enfeitiçado era responsável pelo seu comportamento. Muitas crianças voltavam-se contra parentes próximos. Em St. Osyth, Essex, em 1582, Ursley Kem foi acusada de bruxaria pelo seu filho ilegítimo de 8 anos, tal como Cicely Celles também o foi pelos seus dois filhos – Henry, de 9 anos, e John, de 7.

No País Basco, uma bruxa que não confessasse aquilo de que a acusassem podia dar origem a que a propriedade familiar fosse confiscada. As relações entre pais e filhos eram tais que muitas crianças acusavam os pais ou os pais forçavam os filhos a confessar serem praticantes de bruxaria. Os pais achavam difícil evitar que os seus filhos participassem no sabbat com os seus vizinhos bruxos. Para o impedir, as crianças eram muitas vezes mantidas acordadas. Em certa ocasião, por volta de 1610, 40 foram enviadas para a residência paroquial para serem protegidas. Em Mora, Suécia, no ano de 1669, as crianças foram vistas como acusadoras e como vítimas quando se disse que as bruxas recrutavam centenas de crianças para entrar ao serviço do Demónio, levando-as ao sabbat para participarem nas suas orgias. A histeria americana de 1692 em Salem, Massachusetts, teve início quando as crianças acusaram adultos de provocarem o seu comportamento descontrolado. A imaginação fértil dos jovens conduziu à morte de muitas pessoas inocentes.


Conjurar uma tempestade

Em 1590, antes de Jaime VI da Escócia se ter tornado Jaime I de Inglaterra, foi feita uma tentativa para o matar através de magia. Quando o rei foi buscar a sua nova rainha, Ana da Dinamarca, quase naufragou devido a uma tempestade que aparentemente atingiu apenas o seu navio. Agnes Sampson, parteira e membro de uma associação de bruxas de North Berwick, depois de torturada, confessou na presença do rei, em Holyrood Houuse, ter participado na tentativa de regicídio.

Nessa época, as pessoas acreditavam que as bruxas conseguiam controlar o vento. Em meados do século XIX, ainda se acreditava que as bruxas das costas da Grã-Bretanha vendiam ventos benéficos a marinheiros e pescadores. E que os ventos adversos e as tempestades eram atribuídos à maldade das bruxas.

Agnes descreveu como as bruxas tinham baptizado um gato num acto blasfemo e depois lhe haviam atado várias articulações do corpo de um morto. Na noite seguinte, fizeram-se ao mar com o gato. Quando este se afogou ao largo de Leith, desencadeou-se uma tempestade que provocou o naufrágio de um barco prestes a entrar no porto; o navio do rei resistiu e aportou em segurança.

Agnes confessou não só este acto, mas também tantos outros, tão improváveis que o rei perdeu a paciência e declarou que as bruxas eram «todas umas grandes mentirosas». Aborrecida, Agnes decidiu dizer ao rei uma coisa de que ele não poderia duvidar. Sussurrou ao seu ouvido as palavras que ele dissera à noiva na noite de núpcias, o que fez que o rei, anteriormente céptico, declarasse que «nem todos os diabos do inferno poderiam ter descoberto tais palavras». Forçado a acreditar nesta parte da sua confissão, o rei aceitou também o resto, e quatro pessoas de North Berwick foram julgadas por bruxaria ou traição. Tanto Agnes Sampson como o mestre da associação, Dr. John Fian, foram executados pelo seu crime.


Antibruxas de Itália

Em finais do século XVI, vivia em Friuli, no Nordeste de Itália, um grupo de camponeses conhecidos por benandanti. A sua função consistia em combater as bruxas que destruíam colheitas, tornavam as plantas estéreis e provocavam a morte de crianças. Os benandanti eram escolhidos por terem nascido com uma coifa, membrana que por vezes envolve a cabeça de um bebé recém-nascido. Esta era vista como uma ponte utilizada pela alma para passar do mundo vulgar ao domínio do espírito. Mais tarde, já adultos, um anjo dourado vinha ter com eles enquanto dormiam para os chamar para a batalha.

Nos dias reservados ao jejum e à oração, os benandanti, armados com paus de funcho, partiam para a luta montados em cabras, cavalos ou gatos. Se derrotassem as bruxas, as colheitas desse ano seriam boas; caso contrário, seria um ano de fome. As batalhas dos benandanti eram empreendidas como experiências espirituais colectivas. Enquanto os seus corpos jaziam na cama em estado de transe ou cataléptico, os seus espíritos partiam a combater as bruxas. Se o espírito de um desses benandanti não regressasse ao corpo antes da aurora, continuaria a deambular pela Terra até que o corpo estivesse prestes a morrer.

Segundo vários antropologistas, semelhantes viagens extracorporais ainda hoje são praticadas pelo povo Shona, do Zimbabwé, bem como em outras partes de África e nas Américas Central e do Sul. Alguns investigadores crêem que elas estão relacionadas com antigos cultos de fertilidade, enquanto os que estudaram os julgamentos de bruxas do século XVI sugerem que tais experiências colectivas poderiam estar na origem da noção de que as bruxas cavalgavam de noite para assistir aos sabbats.


Sinais das artes das bruxas

Os familiares eram demónios menores entregues às bruxas pelo Diabo. Geralmente, assumiam a forma de gatos, cães, sapos, mochos ou ratos, mas nunca de pombas nem de cordeirinhos brancos. Elizaheth Clarke, a primeira vítima do caçador de bruxas Matthew Hopkins (que morreu em 1647), confessou possuir Holt, um gatinho branco; Jamara, um spaniel gordo e sem uma perna; Vinegar Tom, um galgo com cabeça de boi; Sack and Sugar, um coelho preto, e ainda Newes, uma doninha fétida. Os familiares podiam mudar de forma se necessário. Se a sua dona, por exemplo, estava fechada num quarto, os familiares grandes transformavam-se em insectos minúsculos para chegar à teta especial – a marca da bruxa –, da qual bebiam sangue.

A descoberta dessa marca era crucial como prova para condenar uma pessoa acusada de bruxaria. Também era conhecida por marca do Demónio – selo que Satanás colocava sobre os seus seguidores. Qualquer saliência, malformação ou descoloração – marca de mordedura de pulga, cicatriz, verruga – era considerada suspeita. Em Espanha, a marca encontrava-se no olho esquerdo; em Inglaterra, situava-se habitualmente num dos dedos da mão; finalmente, em toda a Europa Central encontrava-se oculta nas partes íntimas, sobretudo das mulheres, o que implicava buscas inoportunas.

Os caçadores de bruxas profissionais mais zelosos examinavam o corpo dos acusados e testavam as marcas espetando nelas um alfinete comprido. A ausência de dor ou de sangue confirmava a ligação com Satanás. Nenhum desses peritos teve mais êxito na utilização deste método do que Matthew Hopkins, que, com o seu sócio John Stearne e quatro assistentes, denunciou pelo menos 230 vítimas entre 1645 e 1646. Utilizaria provavelmente agulhas retrácteis, descritas pelo teólogo alemão contemporâneo Friedrich von Spee em Cautio Criminalis (Precauções para Promotores), que só aparentavam ferir, pois a ponta da agulha deslizava para trás, entrando dentro do cabo.



Mercadores de miséria

Em 1601 e 1602, no Devonshire, Inglaterra, Thomas Ridgeway (mais tarde conde de Londonderry) recolheu depoimentos de 12 aldeãos que a ele tinham recorrido pedindo protecção contra o maleficium (actos de malícia contra seres humanos, animais, plantas ou objectos). Alegavam eles que este estava a ser praticado por um pescador, Michael Trevisard, pela sua mulher, Alice, e pelo filho de ambos, Peter, da aldeia de Hardness, perto de Dartmouth. Alice Trevisard tinha dito ao aldeão John Baddaford que «fosse até ao bosque de Pursever a fim de se orientar». Passadas três semanas, John regressou a casa demente, rasgando a roupa e comportando-se com tanta violência que foram necessários quatro ou cinco homens para o controlar. Esse estado de loucura continuou durante dois anos. Quando Joan, a mulher de Baddaford, se preparava para apresentar depoimento acerca da doença do marido, encontrou Alice, que disse: «Tu e os teus podem ficar queimados dentro em pouco.» Alguns dias mais tarde, o filho dos Baddaford queimou-se no pescoço quando estava sentado perto de uma lareira apagada e, três semanas depois, morria.

Depois de ter discutido com o marinheiro William Tompson, Alice disse-lhe que teria sido melhor que nunca a tivesse encontrado. O navio de Tompson incendiou-se quando ele regressou ao mar. Foi socorrido e levado para Espanha, onde esteve preso durante um ano. Pouco depois da sua libertação, o infeliz foi de novo capturado por espanhóis e feito prisioneiro durante mais dois anos. Ainda outro aldeão, Henry Oldreeve, dirigiu palavras azedas a Michael Trevisard, e uma semana depois perdeu 20 carneiros atingidos por uma afecção misteriosa. Pouco depois, ele próprio adoeceu e morreu. Peter Trevisard amaldiçoou Susan Tooker por esta lhe recusar uma bebida, e, no dia seguinte, ela adoeceu gravemente durante mais de sete semanas.

Não existem registos do que aconteceu aos Trevisards, mas a sua história prova que a crença na feitiçaria ainda estava muito viva na Inglaterra do século XVII. Os livros de registos de médicos da época referem que muitas doenças eram atribuídas a maleficium.

Bruxas voadoras

Durante uma caça às bruxas no Pays de Labourd, França, em 1609, o investigador Pierre de Lancre obrigou uma jovem a fazer uma confissão extraordinária. Sob tortura, Marie Dindarte, de 17 anos, disse que na noite de 27 de Setembro se tinha untado com um unguento e depois voado. O unguento não podia ser examinado por o Diabo o ter escondido.

Muitas pessoas da Idade Média pensavam que algumas mulheres cavalgavam «durante a noite com Diana, deusa dos pagãos ... montadas sobre certos animais ... e cobrindo distâncias imensas». Durante séculos, a Igreja deplorou esta crença e impôs penitência. Mais tarde, porém, mudou de opinião. No século XIII, o papa Alexandre IV determinou que a bruxaria implicava heresia, e, no século XVI, quem negasse a existência de bruxas que voavam de noite podia ser queimado como bruxo!

A deusa das bruxas tinha vários nomes, mas os textos eruditos referem-se-lhe vulgarmente pelo nome de Diana, ou Ártemis, deusa da Lua. O seu templo em Éfeso, na actual Turquia, era um centro religioso do mundo antigo. Os Sicilianos acreditavam que nas noites de quinta-feira as seguidoras de Diana deixavam os seus corpos deitados junto aos maridos e voavam na escuridão para dançarem e festejarem com as almas dos mortos. Traziam fertilidade e abundância às casas bem tratadas e consumiam as ofertas que os seus habitantes lhes deixavam.

Estas viagens em sonhos eram abominações demoníacas aos olhos da Igreja. Nos séculos XVI e XVII, muitas mulheres confessavam ter voado com o Demónio para assistir ao sabbat. (assembleia de bruxas). Na Suíça, as bruxas montavam muitas vezes em lobos, mas também em grandes gatos pretos e cabras. Gradualmente, os meios de transporte viriam a incluir objectos como cadeiras, pás, paus e sobretudo vassouras untadas com unguentos mágicos feitos de beladona, acónito, cicuta e outras plantas venenosas. Dizia-se que o óleo dos unguentos provinha de gordura fervida de bebés por baptizar ou de crianças roubadas de casa ou desenterradas das suas sepulturas. Os investigadores actuais afirmam que estes voos fantásticos deviam ser fruto de ilusões e imaginações excitadas induzidas por drogas.

Em l558, o alquimista Gianbatista Porta viu uma bruxa a untar-se com um unguento e entrar em transe. Ao acordar, afirmou ter estado a voar, embora Porta não a tivesse visto mexer-se. Outras testemunhas foram mais afortunadas. Em 1527, Avellaneda, outro inquisidor da região basca, levou homens armados até uma estalagem, a fim de torturar uma vítima à hora das bruxas – imediatamente antes da meia-noite de sexta-feira. A mulher foi levada para «um quarto interior; untou-se da forma habitual com um unguento venenoso, que também se usa para matar pessoas, e dirigiu-se a uma janela alta ... Depois, chamou o Diabo, pedindo-lhe ajuda, e ele apareceu, como era seu costume, pegando nela e levando-a quase até ao solo». Quando um dos soldados, aterrado, invocou o nome de Cristo, a bruxa e o Diabo desapareceram. A mulher foi apanhada passados alguns dias noutra cidade. O Diabo, segundo se presume, continua à solta.

A vila que ladrava

Pierre de Rousteguy, Sire de Lancre, era um dos mais imnplacáveis caçadores de bruxas de França, gabando-se de ser responsável por 600 bruxas terem sido queimadas vivas. De todos esses casos, nenhum foi mais bizarro do que o surto de latidos ou uivos humanos em Amou, uma vila do Sudoeste de França, em 1613. «É uma coisa monstruosa», dizia ele, «estar na igreja com mais de 40 pessoas a ladrarem ao mesmo tempo como cães, fazendo um tal concerto na casa de Deus que os outros nem sequer conseguem rezar.»

O facto de os locais terem um nome para designar a situação – mal de Layra – mostra que não era a primeira vez que tal acontecia. Mas nunca, até à data, essa situação tinha afectado tantas pessoas – 120 mulheres simultaneamente. Nunca tinha ocorrido a De Lancre que pudesse haver uma explicação natural para o fenómeno, como histeria, por exemplo. Para ele, só podia ser obra do Demónio.

Uma das pessoas afectadas era uma senhora casada com um capitão que dizia que sofria havia dois anos do mal de Layra, desde que duas bruxas tinham enfeitiçado o seu ventre. Levada à presença de De Lancre, estava a admirar os quadros existentes no seu quarto quando os seus oficiais trouxeram para dentro do edificio as bruxas acusadas. Ainda antes de as ver, a senhora começou a chorar e a ladrar.

Percebendo que os latidos se tornavam mais intensos quando as bruxas se aproximavam das vítimas, De Lancre enviou os seus oficiais com a missão de patrulharem as ruas e de prestarem atenção ao som de latidos. Como uma mulher que se encontrasse dentro de casa ladraria sempre que uma bruxa passasse por perto, eles tinham ordens para prender qualquer transeunte cuja passagem coincidisse com os latidos.

Será que as mulheres de Amou julgavam que tinham sido transformadas em cães? Meio século antes, em 1551, no Convento de Santa Brígida, na Flandres, as freiras começaram a balir como carneiros. A situação durou 10 anos. No ano seguinte, no Convento de Kintorp, perto de Estrasburgo, várias freiras começaram a miar, como se se tivessem transformado em gatos. Também nestes casos se julgava que as mulheres tinham sido enfeitiçadas, e pelo menos uma das acusadas foi queimada viva.



O beijo da morte

Um dos julgamentos mais bizarros da Irlanda foi consequência da acusação feita por uma jovem criada, Mary Longdon, em 1661 de que a velha Florence Newton a tinha enfeitiçado. Segundo Mary, ela teria recusado, certo dia, dar a Florence parte da carne do seu amo, e a velha partira a resmungar. Contudo, passada uma semana, Florence beijou Mary, dizendo-lhe que não lhe queria mal. Pouco depois, Mary acordou e viu Florence junto à sua cama com um velhote vestido de seda, que a jovem tomou por um espírito mau. Ele disse-lhe que, se seguisse os seus conselhos, teria tudo o que quisesse. Mary retorquiu que preferia confiar no Senhor.

Depois disso, Mary Longdon começou a ter convulsões horríveis, durante as quais vomitava agulhas, pregos de ferradura, palha e outras substâncias e «via» Florence a espetar alfinetes nos seus braços. Chuvas de pedras caíam sobre ela, dentro e fora de casa, mas a maior parte das pedras desaparecia mal tocava no solo. Uma vez, Florence fê-la levitar até ao telhado.

No Tribunal de Cork, pediram a Florence que recitasse o pai-nosso, teste normal feito às bruxas, que em princípio não saberiam dizê-lo todo. As suspeitas do tribunal foram confirma-das quando a mulher omitiu «e perdoai-nos as nossas ofensas». Os carcereiros de Florence juraram que ouviam ruídos fantasmagóricos vindos da sua cela, e ela confessou que o barulho fora feito pelo seu parente, que a visitava sob a forma de um galgo. Admitiu ter lançado mau-olhado sobre Mary, mas negou ser uma bruxa.

Parece que Mary recuperou. O guarda da prisão, David Jones, que tentou ensinar o pai-nosso a Florence não teve a mesma sorte. Afirmando sabê-lo na perfeição, voltou a omitir «e perdoai as nossas ofensas». O bondoso Jones fez-lhe notar a omissão e insistiu para que tentasse de novo. Aparentemente grata, Florence beijou-lhe a mão, e ele sentiu quase imediatamente dores lancinantes no braço. Jones morreu depois de uma lenta agonia durante duas semanas, queixando-se de que o espírito de Florence o estava a atormentar. A família estava convencida de que Florence usara os seus poderes sobrenaturais para o matar.

Os registos que nos chegaram não descrevem o final do julgamento, mas certamente Florence Newton terá sido executada.


Epidemia de bruxaria

Quando em 1669 vários investigadores interrogaram as crianças de Mora, na Suécia, todas elas contaram a mesma história. O Diabo, disfarçado de velho, prometera que haveria bruxas nas suas festas de sabbat, na condição de que trouxessem os seus filhos e também os dos vizinhos.

Deixando bonecos nas camas para enganar os pais, as crianças voavam pelas janelas de casa montadas em cabras, paus ou até corpos de homens adormecidos. Prudentemente, o Demónio tinha retirado primeiro os vidros das janelas para que não aparecessem partidos na manhã seguinte.

No Blocula – um prado encantador com um bonito portão apenas conhecido do Diabo e seus associados –, as bruxas assinavam o livro de visitas do Diabo com o seu próprio sangue, eram baptizadas em seu nome e juravam-lhe obediência. Depois, os adultos banqueteavam-se com sopa e queijo, enquanto as crianças ficavam de pé encostadas a uma parede. Seguiam-se danças e música, e cada bruxa, à vez, entrava em orgias íntimas com o ser maléfico.

As autoridades suecas ficaram desorientadas quando, a 5 de Julho de 1668, Eric Ericsen, de 15 anos, acusou Gertrud Svensen, de 18 anos, de roubar crianças para o Diabo. Em França e na Alemanha, a mania das bruxas estava tão difundida que havia procedimentos formais para lidar com tal ameaça, mas na Suécia não existiam tais disposições. Tendo surgido outras acusações, o rei Carl XI nomeou uma comissão para investigar o caso.

O rei recomendou orações como antídoto, de preferência à tortura e encarceramento, mas as sessões públicas de oração não conseguiram acalmar o povo. Todas as acusações eram aceites como verdadeiras, por muito ridículas que fossem. Se uma criança apontava uma mulher, esta era presa na crença ingénua de que as crianças são incapazes de mentir. Foram identificadas 70 bruxas. Vinte e três confessaram-se culpadas e foram queimadas – as 47 que negaram as acusações foram enviadas para Falun, onde também foram queimadas.

As crianças também acusavam alguns companheiros, e 15 crianças foram queimadas. Outras 40 tiveram que passar por entre filas de homens com chicotes e receberam vergastadas nas mãos uma vez por semana durante um ano. Vinte crianças com menos de 9 anos receberam vergastadas nas mãos durante três domingos consecutivos. O absurdo das acusações, o terrível número de mortes e a severidade de outros castigos tornam a mania da bruxaria de Mora um dos mais terríveis exemplos das consequências da credulidade mal orientada.


Os Sabbats das Bruxas

Os sabbats eram ocasiões muito bem organizadas em que as bruxas se reuniam com o Diabo para o adorar, receber instruções de carácter maléfico e ocupar-se em actividades antinaturais. O conceito que presidia a tais reuniões era uma adição tardia às crenças na bruxaria, e até final do século XVI não foi um elemento principal dessas crenças.

Haveria decerto grupos que se reuniam em locais isolados, mas as descrições dos sabbats reflectem basicamente os receios das autoridades. Milhares de mulheres afirmaram ter participado em sabbats quando estavam, comprovadamente, a dormir nas suas camas. As confissões eram obtidas através de tortura ou por meio de bebidas, drogas ou sonolência. As mulheres ansiavam por notoriedade, confundiam as suas fantasias e receios com a realidade ou procuravam vingar-se dos vizinhos. Na Europa continental, uma bruxa acusada era muitas vezes forçada a identificar os seus companheiros de sabbat.

As imagens do que acontecia variam, mas os procedimentos básicos são semelhantes. As bruxas iam para os sabbats depois do escurecer montadas em paus de vassoura ou às costas de demónios. Por vezes, levavam crianças. Reafirmavam a sua lealdade para com o Diabo, relatavam os seus actos maléficos e recebiam conselhos, elogios ou castigos de Satanás. Depois, festejavam, dançavam e ocupavam-se em actividades impudicas. Pierre de Lancre, o grande caçador de bruxas francês do século XVII, registou muitas descrições de práticas de orgias recolhidas nas províncias bascas.

As bruxas bascas também praticavam vampirismo com crianças, violavam sepulturas e devoravam cadáveres. As alemãs tinham uma preferência por excrementos humanos. O sacrilégio e a blasfémia predominavam noutras regiões, onde a hóstia era profanada de todas as formas possíveis e imagináveis. Na Escócia, as festas de sabbat e folguedos lascivos assemelhavam-se muito às diversões campesinas normais. Em Inglaterra, no ano de 1612, nas festas da Torre Malking, «havia vitualhas tais como carne, manteiga, queijo, pão e bebida». Mais tarde, mas ainda no mesmo século, outro escritor realçou a existência de vinho, cerveja, caldo e carne. As bruxas suecas apreciavam leite, papas de aveia e pão branco doce.

Os sabbats realizavam-se a 31 de Outubro, 30 de Abril e nas quatro festas pagãs integradas no cristianismo (2 de Fevereiro; 23 de Junho; 1 de Agosto e 21 de Dezembro), mas podiam ser mais frequentes. Em 1611, a irmãa Madeleine de Demandolx, de França, disse que «desde a minha conversão (à bruxaria) tem havido um sabbat por dia». O número dos participantes dependia da imaginação dos caçadores de bruxas. De Lancre refere 100 000 – a maioria das confissões menciona entre 50 e 100.


As bruxas de Salem

Um dos maiores surtos de histeria contra a bruxaria – e também o último – teve lugar em Salem, Massachusetts, EUA, na década de 1690. Nessa época, a comunidade da Nova Inglaterra estava assolada por dificuldades. Os Franceses ameaçavam, os Índios saqueavam, havia piratas ao largo da costa, varíola, impostos intoleráveis, Inverno rigoroso e querelas acerca de fronteiras e territórios. Tudo isso veio atiçar a ideia de que o Demónio andava à solta.

O julgamento de 141 pessoas por bruxaria começou em Janeiro de 1692, depois de algumas rapariguinhas da aldeia terem começado a gemer e a gritar, contorcendo-se e afirmando que tinham sido embruxadas por mulheres locais. As acusadoras iniciais foram Elizabeth Parris, de 9 anos, que começou a ter convulsões, a emitir sons e a contorcer-se – considerados sinais de bruxaria –, e a sua prima Abigail Williams, de 11 anos. Mais tarde, testemunhas mais velhas, como Ann Putnam e Mary Warren, também tiveram ataques.

Quando Sarah Churchill, de 20 anos, se recusou a testemunhar contra o seu amo, George Jacobs, as outras raparigas fizeram-na mudar de ideias, acusando-a de ser uma bruxa.

Os acusadores concordavam que o Diaho usava pessoas más para prejudicar pessoas boas e que, para defender os seus agentes maléficos, criava espectros deles, de modo que, enquanto as pessoas atormentavam as suas vítimas, as suas imagens estariam noutro lugar, ocupadas em tarefas inofensivas. Esta premissa afastava qualquer álibi de defesa.

Os julgamentos de Salem não foram a única caça às bruxas da colónia, mas foram a mais bem documentada. Durante esta farsa de justiça, 19 pessoas foram enforcadas, Giles Cory foi morto no campo e Sara Osbosne morreu na prisão aguardando julgamento. As últimas execuções tiveram lugar em Setembro de 1692. Pouco depois, em Janeiro de 1693, os juízes já não aceitavam a ideia de espectros, o que tornou impossível a condenação por bruxaria.

O clérigo Cotton Mather contrihuiu muito para o ambiente de pânico. Quando o reverendo George Burroughs subiu ao patíbulo e recitou o pai-nosso sem hesitar, houve dúvidas quanto à sua culpa, mas Mather persuadiu a multidão de que a execução devia realizar-se. Quando o caso de Salem começou a ser esquecido, Mather utilizou Margaret Rule para tentar reacender o interesse. Além de outros comportamentos anormais, ela tinha tido um ataque na igreja de Mather. Este diagnosticou possessão diabólica e instou com a rapariga para que denunciasse as bruxas que tinham escapado às perseguições de Salem. Felizmente, a razão prevaleceu e evitou-se uma nova onda de histeria.

Quatro anos após os julgamentos de Salem, os jurados assinaram uma confissão de erro e pediram perdão. Catorze anos mais tarde, Ann Putnam afirmou que tinha agido «por ignorância, pois fora enganada por Satanás».


O enfeitiçamento de Christian Shaw

A 22 de Agosto de 1696, começaram a acontecer coisas extraordinárias a Christian Shaw.

A jovem, de 10 anos, filha do senhor de Bargarran, na Escócia, foi acometida por estranhas crises, durante as quais ficava cega, surda ou incapaz de falar. Noutras alturas, o seu corpo ficava hirto e contorcia-se, dobrando-se para trás, de modo que só os pés e pescoço tocavam no chão. Além disso, falava com pessoas que mais ninguém via, era atirada pelo quarto fora e voava ao longo dos corredores sem tocar no chão.

Dores horríveis afectavam-lhe o corpo, e surgiam feridas semelhantes a punhaladas e marcas de dentes. Vomitava punhados de cabelo humano e de palha, feno coberto de estrume, cinzas, alfinetes tortos e ossos de galinha.

Christian não foi a única pessoa afectada. Durante uma crise, nomeou 26 pessoas e disse tê-las visto em rituais e danças acompanhadas por um homem vestido de preto, que identificou como sendo o Diaho. O Diabo, disse, estava a tentar fazê-la renunciar aos votos baptismais.

Os ministros do presbitério procederam com grande precaução. Preocupados com o que tinha acontecido noutros paíscs, não queriam dar início a uma caça às bruxas. Contudo, Christian era totalmente convincente: inocente e amável quando estava bem, completamente transformada durante os ataques.

Relutantes, os ministros pediram que as 26 pessoas fossem presas por bruxaria. Muitas eram vadios, mas fora nomeada uma senhora da paróquia vizinha e a parteira da freguesia e sua filha, todas mulheres respeitáveis. Com cada prisão, paravam as torturas e tormentos que Christian tinha associado à pessoa em causa.

Os julgamentos dos acusados começaram em 1697. Alguns foram considerados culpados e enforcados, outros, soltos por falta de provas, e os restantes ficaram presos, sendo libertados anos mais tarde. Quanto a Christian, não foi dada qualquer explicação aceitável, além de bruxaria, para as crises e o seu desaparecimento aquando do início dos julgamentos.

2 comentários:

  1. Sou adoradora de bruxas, não faço ritos e nem nada mas acredito muito que existam bruxas pois toda a mulher tem um pouco de feitiçaria, e alguns homens tbm. Qdo pequena fui em uma pizzaria, devia ter uns 5 ou 6 anos. Junto com minha família, tinha amigos tbm, dentre eles tinha uma amiga de meus pais que era bem esotérica, não sei dizer ao certo oq ela era pois eu era muito pequena, mas lembro como o dia de hoje, em uma mesa próxima tinha uma mulher me olhando com um ar sarcástico e eu falei a minha mãe que era uma bruxa e essa amiga da minha mãe ouviu e disse é mesmo, ela é uma bruxa. Eu lembro que durante aquela noite eu fiquei o tempo todo com medo, eu sei que parece coisa de criança mas não é, era uma mulher de 40 e poucos anos, bem arrumada e não era nem feia, se fosse uma mulher feia tudo bem, mas nem isso era.

    Minha avó é do interior do RS, e evangélica e diz até o dia de hoje que quando era mocinha ela e todos de sua região ouviam gargalhadas e murmúrios que pareciam vim do ar, não acontecia todas as noites mas bem seguidamente e ela conta que nos dia que aconteciam essas festas com gargalhadas e murmúrios quando as pessoas se levantavam pela manhã os cavalos estavam com a crina e a calda toda trançada...

    Vai saber, não acredito em bruxas mas que elas existem, existem...Kkkkkkkkkkkkk!
    Valeu gente, muito bom o site!

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