quarta-feira, 22 de abril de 2009

Adivinhação

Através do recurso a animais, cartas exóticas e ao próprio corpo humano, homens e mulheres procuram há muito predizer o futuro


Em The Religious System of the Amazulu, o erudito britânico Henry Callaway citou uma história narrada por um sul-africano que, preocupado com uma cabra prenhe, decidiu consultar um adivinho; «Fomos a um adivinho, o irmão de Umatula, que adivinhava através de ossos ... Este mastigou uma droga e soprou sobre o saco onde guardava os ossos; depois, esfregou-os e deitou-os no chão; manejou-os e disse: “Oh, que é que significa a cabra? Há duas crias – uma branca, e a outra, aqui está ela, é cinzenta. Que é que elas significam?”

«Respondemos: “Não sabemos, amigo. Saberemos pelos ossos.”

«Ele disse: “Esta cabra, que é uma cabra fêmea preta, está prenhe. Mas é como se ainda não tivesse parido. Mas que é que dizem? Vocês dizem, a cabra está com problemas. Oh, eu, pela minha parte, quando vejo os ossos a falar assim, vejo que as crias nascem agora ... Os ossos dizem: «Quando chegarem a casa, a cabra terá dado à luz duas crias ... » É isto que os ossos dizem.”

«Demos-lhe dinheiro e fomos para casa», continuava o relato do sul-africano, «eu sem acreditar na verdade do que ele dissera, pois os ossos não tinham falado ...

Quando chegámos a casa, encontrámos a cabra à porta com duas crias – uma branca e a outra cinzenta. Fiquei imediatamente satisfeito. Fizemos um sacrifício e agradecemos ao Amatongo.»

A adivinhação, o esforço do homem para conhecer o presente misterioso e predizer o futuro, tem sido praticada em todo o Mundo desde o alvorecer da História. Embora os rituais da adivinhação tenham sofrido alterações com o decorrer do tempo, os seus objectivos permaneceram constantes: alcançar conhecimentos ocultos, se possível através de meios divinos, que possam ajudar a resolver os problemas da vida, sejam estes graves ou apenas contratempos.

Pressuporão as artes divinatórias uma certa intuição comum que sugere que nem a casualidade nem o tempo se processam nos termos em que nós os apreendemos?

O poeta T. S. Eliot escreveu certa vez:

Tempo presente e tempo passado
São talvez ambos presentes em tempo futuro,
E o tempo futuro está contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível
O que poderia ter sido é uma abstracção.


Se estas palavras correspondessem efectivamente à verdade, teoricamente a adivinhação seria explicável. Tratar-se-ia simplesmente de um método que permitisse detectar um futuro já adequadamente definido e firmemente enraizado no presente. Ou será que a adivinhação, uma actividade humana simultaneamente tão antiga e tão universal, não faz mais do que provar como o intelecto humano é vulnerável aos incessantes estímulos do desejo e do temor? Pondo de parte estas questões primordiais, resta uma de natureza mais imediata: a adivinhação surte efeito? Os casos registados são bastante intrigantes.

Entre as civilizações mais avançadas e mais cultas dos tempos antigos contavam-se as da Grécia e da China. Dois acontecimentos ilustram uma tradição ininterrupta de adivinhação nesses deixava dois berços fundamentais do pensamento, literatura, ciência e tecnologia modernos. Um dos exemplos é antigo, o outro é actual.

O historiador grego Heródoto registou a história de uma predição feita ao rei Creso da Lídia, conhecido pela sua fabulosa riqueza. Antes de empreender uma campanha militar contra a Pérsia no século VI a. C., e querendo seleccionar o oráculo mais digno de confiança, Creso experimentou vários, aos quais perguntou qual a operação secreta em que estava empenhado. A resposta mais exacta proveio do oráculo de Delfos, uma de cujas sacerdotisas disse que o rei estava a «ferver conjuntamente um cordeiro e uma tartaruga num recipiente de cobre com uma rampa de cobre». Satisfeiro com a resposta do oráculo de Delfos, Creso pediu-lhe então uma previsão relativamente ao ataque que planeara contra os Persas. A sacerdotisa replicou que se ele atravessasse o rio Halys, o que equivaleria a desencadear um tal ataque, «o rei destruiria um grande império». Em termos estritamente oraculares, a predição fora correcta.

Um moderno teste de adivinhação ocorreu em Julho de 1976, depois de uma área do Nordeste da China, incluindo a cidade industrial de Tangshan, sofrer um dos mais violentos terramotos da história do país. Embora o comunicado oficial se lhe referisse apenas nos termos mais vagos, as notícias do desastre espalharam-se por toda a China e o cataclismo foi generalizadamente interpretado como um augúrio de morte «iminente » do presidente Mao Tsé-Tung e de um tumulto posterior.

As autoridades de Pequim ficaram alarmadas com tal ressurgimemo das crenças tradicionais, que atribuíam significados sobrenaturais a acontecimentos estranhos ou terríveis. A fim de contrariar este ressurgimento das crenças nos augúrios, a imprensa oficial, incluindo a publicação erudita Scientia Geologica Sinica, denunciou-o como uma expressão de superstição primitiva e anti-marxista. A revista geológica recordou que, subsequentemente à queda de um meteoro em 1064, alguns discípulos do filósofo-sábio Confúcio haviam utilizado o acontecimento «para confundir as massas com rumores maléficos ». No entanto, posteriormente, em 1976, quando o poderoso presidente da China morreu, seguiu-se efectivamente uma época de violentos tumultos.

O fascínio que a adivinhação exerce a nível universal é extraordinário. Segundo escreveu N. Mkele, autoridade sul-africana em adivinhação e adivinhos, «subjacente ao pensamento africano existe a crença numa ordem natural das coisas, susceptível de ser controlada pelo homem». Na sua maioria, a adivinhação africana centra-se na descoberta das causas de doenças. Entre os Xosas e os Zulus, segundo Mkele, vigora a crença de que o adivinho tem «poderes de cognição supernormais que lhe permitem não só descrever a evolução de uma doença, como saber se o paciente foi enfeitiçado e por quem e se a doença é de carácter religioso ou devida a causas naturais». Crê-se que o adivinho, a quem «nada pode ser escondido», tem acesso aos deuses ancestrais.

Os Nyoros, do Uganda, entregam-se a práticas semelhantes. De acordo com John Beattie, autor de um ensaio sociológico sobre a adivinhação em Bunyoro, Uganda, os Nyoros «consultam adivinhos quando querem saber a causa dos problemas que os atormenram e as medidas a tomar com vista a solucioná-los. O problema mais comum é a doença, e a maioria das consultas diz respeito à doença de um cliente, de um filho ou de outro parente próximo».

Um elo fascinante com a adivinhação praticada na Antiguidade é o uso de entranhas de animais (aruspicina), o qual, segundo se sabe a partir de placas cuneiformes, já fora utilizado na antiga Babilónia. O adivinho nyoro usa geralmente um frango, que abre cuidadosamente, de modo a não lhe danificar as vísceras. É de modo geral bom presságio encontrar os órgãos internos em boas condições, já que qualquer anomalia pode significar problemas.

Há antropólogos que têm ventilado a hipótese de a adivinhação através das vísceras de animais e de ossos carbonizados ter tido origem em sacrifícios animais. Embora nenhum registo escrito documente esta suposição, dada a vulgarização dos sacrifícios parece possível que o augúrio tivesse lugar antes ou depois de tais cerimónias.

Podem ser usados ossos na prática da adivinhação da mesma maneira que se utilizam conchas, folhas de chá, grãos de café e dados em diferentes cenários culturais. Na verdade, os dados modernos podem ter derivado de cubos originariamente usados nas artes proféticas. Alguns dados encontrados na China sugeriram essa evolução, e foram encontrados dados com marcas muito semelhantes às dos dados actuais em túmulos egípcios datando de 2000 a. C.

Outra técnica de adivinhação recorre a líquidos e aos padrões proféticos que estes podem assumir. Na Luisiana, por exemplo, continua a ser prática corrente partir um ovo cru e interpretar as formas assumidas pela gema e clara quando estas se separam. Este método foi descrito por Tracey Peterson, que recordou que a sua bisavó Alexina Charpentier Renaud praticara esta forma de adivinhação.

Renaud recorreu uma vez à adivinhação por meio de ovos para localizar o seu filho Randolph, soldado colocado em França durante a I Guerra Mundial que até ao Armistício escrevera regularmente, mas cujo paradeiro se tornou depois desconhecido. A mãe decidiu «interrogar os ovos». Quando o fez, viu formar-se no ovo «uma imagem minúscula de um comboio», incluindo passageiros miniaturais com cabeças de dimensoes reduzidas. Quando regressou, Randolph confirmou que, no preciso momento em que a mãe praticara a adivinhação através do ovo, ele se encontrava de facto «na costa oriental, dirigindo-se de comboio para a Luisiana».

Na Europa Central, uma tradição semelhante com raízes antigas continua a ser popularmente praticada na véspera do Ano Novo. Depois de terem soado as badaladas da meia-noite, os celebrantes – particularmente os jovens – pegam em chumbo, derretem-no numa colher, deitam-no dentro de água e lêem as suas sortes nas estranhas formas que o chumbo endurecido assumiu.

Um procedimento aparentado substitui o chumbo líquido por cera derretida numa técnica de adivinhação empregada em muitas zonas do Mundo, incluindo os Estados Unidos. Na revista Fate de Junho de 1973, James R. Cole consignou várias instruções sobre a utilização e interpretação de cera de velas. «O cliente acende a vela, ao mesmo tempo que formula silenciosamente uma pergunta ou exprime um desejo. Em seguida, inclina ligeiramente a vela, deixando cair gotas de cera sobre a superfície da água contida numa frigideira. As gotas solidificam, transformando-se em pequenas esferas com cerca de 3 mm de diâmetro que flutuam à superfície da água. As primeiras gotas serão directamente arrastadas, como que por um magnete, para a orla da frigideira, onde formam gradualmente uma borda. À medida que a cera continua a pingar, as gotas começam a formar símbolos ou padrões na superfície da água. Um vidente inexperiente não deixa por vezes cair cera suficiente. Quanto mais cera cair, mais símbolos se formam e mais completa será a leitura.»

A acumulação de cera na borda da frigideira fornece ao adivinho os primeiros indícios. Uma orla de cera ininterrupta indica uma resposta positiva à pergunta do cliente; uma orla ondulada sugere dúvida, e uma orla interrompida significa problemas. Todos os adivinhos parecem ter símbolos favoritos, altamente significativos. Quando se apercebe de uma forma semelhante à de um gato na cera derretida, Cole considera-a um indício de embuste. Uma pistola sugere desastre e possibilidade de morte, uma imagem de Vénus indica paz e/ou amor, uma figura a saltar significa mudança e um navio prognostica notícias procedentes de longe ou uma viagem.

Cole nunca derrete uma vela preta, porque em sua opinião esta contêm «vibrações negativas». De facto, se é possível dizer que as cores contêm simbolismos divinatórios, nenhuma se pode comparar ao preto, a cor da escuridão e da morte.

Um corvo preto, celebrado por Edgar Allan Poe, desempenhou repetidamente o papel de mau augúrio. Segundo uma opinião generalizada, aves pretas «trazem má sorte». Desde o século XIX que a Casa Real de Hesse, que tem elos familiares com as famílias reais inglesa e russa, tem sido associada com o corvo como augúrio de desgraça. Especificamente, o seu castelo, situado nas proximidades da cidade alemã de Darmstadt, tem sido, segundo corre, cenário de várias aparições de corvos.

Em 1873, dois jovens príncipes brincavam no seu quarto, no interior do castelo, quando um corvo pousou no beiral da janela. Um dos rapazes, o príncipe Frederick, debruçou-se da janela, caiu e morreu. Cinco anos mais tarde, descobriu-se outro corvo negro voando no quarto onde várias crianças da Casa Real de Hesse estavam doentes com difteria. Uma delas, do sexo feminino, morreu pouco tempo depois.

As aves são sem dúvida apenas uma das muitas espécies de animais em cujo comportamento os seres humanos insistem em detectar augúrios do futuro. Há colecções extensivas de ciência profética associadas com cães, gatos, cabras, carneiros, peixes, ratos, ratazanas e até aranhas (de acordo com um velho provérbio alemão, uma aranha vista de manhã traz doença e dor; à tarde, saúde e boa sorte. Em Portugal, é costume dizer-se que as aranhas trazem dinheiro a quem as encontre). No entanto, na maioria dos casos deste género, a ligação proposta entre a actividade de um animal e o prognóstico que a mesma indica é inteiramente mágica – isto é, não há qualquer conexão entre ambos cientificamente demonstrável. Em determinados casos, porém, esta arbitrariedade pode não ser inteiramente verdadeira. De facto, os animais revelam por vezes uma extraordinária capacidade para detectar a iminência de determinadas alterações climáticas em grande escala, cataclismos e outros fenómenos naturais semelhantes. Actualmente, ainda continua a não ser possível fornecer uma explicação científica cabal para o facto de alguns animais, horas ou mesmo dias antes do acontecimento, parecerem ser capazes de pressentir a iminência de um tremor de terra, embora o assunto esteja a ser seriamente estudado. Sem dúvida a palavra-chave neste mistério é «percepção».

Em anos recentes, psicólogos e fisiólogos debruçaram-se com especial interesse sobre os chamados estados alterados de consciência (EAC). Trata-se de estados de espírito que diferem dos reconhecidos como normais e que incluem várias formas de conhecimento, controle corporal e estados de vigilia. Um indivíduo adormecido encontra-se, obviamente, num estado de consciência bastante diferente de outro que esteja acordado. Existem, porém, muitos estádios relacionados, incluindo transes e diferentes graus de hipnose e de consciência pré-dormente. Os antigos oráculos podem ter atingido estados alterados deste tipo inalando vapores nocivos exalados da terra, como em Delfos. Outras formas de dissociações podem ser conseguidas através de auto-sugestão, frequentemente pela fixação intensa de um objecto brilhante, tal como o fogo, vela, bola de cristal ou possivelmente o Sol.

Na história da adivinhação, o I Ching, descrito no Livro das Mutações, ocupa um lugar único. É simultaneamente antigo e moderno, primitivo e sofisticado: o sistema, usado na China há milhares de anos, tem suscitado grande interesse no mundo ocidental no século XX. A técnica base do I Ching, o lançamento de varinhas, tem muito de comum com métodos simples de adivinhação, embora pressuponha a ligação do adivinho com uma série de complexos princípios filosóficos.

Enquanto a história do I Ching não é clara, o Livro das Mutações que o descreve tem sido atribuído ao imperador chinês Fu Hsi, ele próprio uma figura lendária. Uma tal associação dataria o I Ching do 3.º milénio a. C. O Livro das Mutações foi interpretado pelo rei Wên Wang, cerca de 1100 a. C., e completado pelo filho do monarca, o duque de Chou. Por volta do século V a. C., foi interpretado por Confúcio, o sábio que, segundo se afirma, utilizou o sistema ao longo de toda a sua vida. Confúcio terá declarado que o livro tem «tantas camadas como a própria terra», e actualmente muitos estudantes do sistema corroboram convictamente a exactidão desta descrição.

Porém, e admitindo embora a complexidade do fraseado filosófico e as dificuldades de tradução de uma língua simultaneamente arcaica e estruturada em moldes diferentes, o Livro das Mutações continua a ser de difícil compreensão. Consequentemente, e ao mesmo tempo que os eruditos apresentavam uma miríade de interpretações dos seus significados, o próprio carácter evasivo da obra contribuiu para que a mesma exercesse um misterioso fascínio.

As interpretações que acompanham cada hexagrama podem parecer confusas ou mesmo ininteligíveis a alguém que para elas olhe pela primeira vez. E são-no, porque na realidade nada significam em si; são apenas chaves para abrir as portas do profundo desconhecido daqueles que as utilizem. Só a meditação sobre os símbolos pode fornecer a verdadeira resposta, e é essa a opinião de muitos dos seus estudiosos, como Jung e Reich. As anotações do filho de Win, o duque de Chou, também pouco ajudam a quem não tiver penetrado dentro, bastante dentro mesmo, do segredo do I. Quem o fizer poderá associar o símbolo às linhas do seu caminho, e as interpretações que daí advierem poderão parecer mais explícitas ou evidentes, mas na verdade são tão herméticas quanto as clássicas e só servirão para quem possuir conhecimentos que lhe tornarão inúteis as interpretações fornecidas.

Muita da actual popularidade de que o livro goza deve-se ao entusiasmo do psicólogo-filósofo suiço Carl G. Jung, cujo sistema de psicologia analítica pressupõe o conceito de sincronicidade, ou simultaneidade significativa. No seu prefácio a tradução de Richard Wilhelm do Livro das Mutações, Jung referiu o interesse que sempre sentira por «esta técnica oracular, ou método de exploração do inconsciente», e a relação deste método com o seu conceito de sincronicidade. Afirmou que o uso do 1 Ching corresponde à sua própria teoria, segundo a qual «a simultaneidade de acontecimentos no espaço e no tempo significa mais do que um mero acaso, pressupondo nomeadamente não só uma interdependência peculiar de acontecimentos objectivos entre si», como uma relação destes acontecimentos com os estados psicológicos subjectivos do «observador ou observadores».

O Livro das Mutações pode ser consultado de várias maneiras. De acordo com o método clássico, 50 varinhas de mil-folhas são arbitrariamente divididas em pilhas e em seguida contadas. Os números obtidos ao fim de repetidas contagens indicam qual o hexagrama, ou figura de seis linhas paralelas, que deve ser consultado no livro. Cada um dos 64 hexagramas possíveis refere-se a uma ou mais frases enigmáticas a partir das quais se pode inferir uma mensagem que contém um conselho. Uma moderna técnica popular utilizada para consultar os hexagramas consiste no lançamento de três moedas. Estas devem ser lançadas seis vezes no total para se obterem as seis linhas da figura.

Tradicionalmente, o I Ching é usado de uma forma que estimula uma reflexão profunda e um auto-exame. Pode mesmo ser usado para provocar um estado de consciência semelhante à meditação. Os peritos consideram a concentração essencial, uma vez que as frases a serem interpretadas podem ser obscuras. Segundo opinam os crentes, a sabedoria do leitor e o conhecimento profundo de interpretações com séculos de existência constituem requisitos essenciais.

A réplica ocidental do I Ching é um conjunto único de cartas de jogar conhecidas como Taró. Embora ostentem alguns dos símbolos familiares das modernas cartas de jogar, as cartas do taró possuem um elemento especial, uma aura intemporal e temível. Os seus desenhos medievais parecem por vezes deliberadamente arrepiantes – a Morte, o Diabo, o Homem Pendurado –, embora alguns sejam mais atraentes, tais como os Amantes, o Malabarista, o Carro, a Justiça, a Roda da Fortuna, o Sol, a Lua e a Estrela. Em qualquer caso, quando surgiram, as cartas de jogar adoptaram as espadas dos primeiros baralhos de taró, as taças que se transformaram em copas, os pantáculos tornados ouros, e os bastões, os paus. Assim, tal como os actuais dados descendem provavelmente dos cubos divinatórios, também as cartas modernas reflectem a existência de símbolos mais antigos. De acordo com a tradição ocultista, as cartas do taró podem ter tido origem no Egipto ou sido desenhadas pelos cabalistas da África Setentrional em 1200 d. C. É também possível que desenhadores ocultistas italianos, talvez venezianos, tivessem sobreposto as suas próprias ideias aos símbolos antigos relativamente a cartas que terão eventualmente sido usadas em conexão com a alquimia ou para fins mais mundanos.

Richard Cavendish, em The Black Arts, escreveu: «O taró reveste-se de um fascínio extraordinário. Abre estranhas janelas para um mundo em que as coisas não são exactamente o que parecem e nunca podem ser totalmente compreendidas, uma paisagem medieval iluminada pelo sol onde figuras diminutas se movem como brinquedos maravilhosos – o Louco com gorro e campainhas, o Imperador e a Imperatriz numa cavalgada cintilante, a Morte ceifando vidas, o Eremita com o bastão e a lâmpada, o Homem Pendurado balouçando na sua forca, a pálida Torre caindo. »

Actualmente, o baralho do taró padrão compõe-se de quatro naipes, cada um dos quais com 14 cartas. Estas 56 cartas constituem o arcano menor. O arcano maior, ou trunfos, integra 22 cartas adicionais decoradas com figuras representando leis naturais, elementos, virtudes e vícios. A Figura do Louco, não numerada, chegou até nós como o joker das vulgares cartas de jogar.

Embora os peritos reconheçam a existência de numerosas versões sobre a ordem correcta dos trunfos, a seguinte é largamente aceite: 0, o Louco; l, o Malabarisca; 2, a Papisa; 5, a Imperatriz; 4, o Imperador; 5, o Papa; 6, os Amantes; 7, o Carro; 8, Justiça; 9, o Eremita; 10, a Roda da Fortuna; 11, Força; 12, o Homem Pendurado; l3, Morte; 14, Temperança; 15, o Diabo; 16, a Torre a cair, ou Casa de Deus; 17, a Estrela; 18, a Lua; 19; o Sol; 20, Dia de Juízo; 21, o Mundo.

A adivinhação através das cartas do taró é tão individual como a praticada com a ajuda de uma bola de cristal ou qualquer outra forma popular de lançar as sortes, Não existe um único livro de instruções que seja autoridade exclusiva no assunto, embora tenham sido publicados numerosos volumes sobre técnicas do taró. A personalidade, a atitude e as tendências de quem quer que leia as cartas entram em linha de conta quando se dá início à adivinhação. Como em todos os outros métodos, um estado alterado de consciência parece facilitar grandemente a interpretação.

Os leitores têm as suas próprias preferências sobre a melhor maneira de dispor as cartas à sua frente. Um dos métodos mais populares consiste em espalhar sete cartas. É possível conhecer as interpretações básicas do valor das cartas individuais, mas não há consenso geral sobre o seu significado em todas as situações. O Louco pode ser encarado como o eterno simbolo da loucura; o Malabarista, ou Mago, como uma primitiva força da vida (ou, em modernos termos psicológicos, como o ego), e a Papisa, ou Suma Sacerdotisa, como dualidade feminina – o equilíbrio dos opostos através do recurso ao senso comum e a sabedoria. A Roda da Fortuna de sete raios é frequentemente considerada como um simbolo de nascimento e renascimento, o ciclo sempre renovado da Natureza. A Justiça, uma figura feminina que segura uma balança, não revela medo nem benevolência. O Homem Pendurado é talvez a mais controversa das cartas: estudantes do taró sugeriram como significados alternativos da sua imagem macabra os temas da renovação e da ressurreição.

As cartas do taró diferem ainda das cartas de jogar pelo facto de as suas metades superior e inferior terem valores diferentes. Quando viradas para cima, as imagens têm um significado; se colocadas de cabeça para baixo, o significado é inverso.

No entanto, e não obstante toda a sua antiguidade e prestígio, o taró deve provavelmente ceder o lugar de primazia no Ocidente a outra forma de adivinhação: a fixação de cristal, mais divulgada pelo seu instrumento básico, a bola de cristal. É frequente a representação caricatural de videntes com turbantes, numa sala com mobiliário exótico, fazendo declarações assombrosas ou confusas aos seus clientes, de quem os separa uma mesa sobre a qual se vê uma bola de cristal. De facto, a fixação de cristal parece ter derivado de um fenómeno ainda mais antigo; a natureza obsessiva de imagens reflectidas. Os antigos gregos usavam a superficie calma das águas, e mais tarde um espelho, como meio de entrarem num transe que lhes permitia «ver» a sua sorte ou a de qualquer outra pessoa. Qualquer superfície reflectora podia criar um estado semelhante de transição de consciência, e a tradição árabe afirma que os guerreiros usavam as superfícies polidas das suas espadas com esse objectivo.

Para conseguirem o reflexo do brilho da água de uma nascente, os antigos gregos baixavam um espelho até à superfície da água, com vista a melhor captarem a imagem que nela surgia. Em Descrição da Grécia, Pausanias referiu a existência de uma nascente perto de Patrai, ou Patras, onde era costume «atar um espelho a uma corda e baixá-lo até que o seu rebordo aflorasse à superfície da água, sem nela mergulhar. Em seguida, depois de orarem à deusa e queimarem incenso, eles olham para o espelho, onde vêem a pessoa doente, quer viva, quer morta. Tão verdadeira é a água». Nostradamus, o famoso médico e vidente francês do século XVI, usou não só água como espelhos na prática da adivinhação. Fixava frequentemente a superfície da água de uma taça até acreditar que via nela imagens de acontecimentos futuros.

A tradição árabe, que serviu de muitas maneiras como ponte cultural entre a Antiguidade e o Renascimento, inclui várias formas de adivinhação por fixação. Um escritor do século XIV, Abd al-Rahman ibn Muhammad ibn Khaldun, referiu «aqueles que olham fixamente para corpos diáfanos, tal como espelhos, bacias cheias de água e líquidos». Considerou «enganados» os adivinhos que acreditavam que a imagem que viam «aparece na superficie do espelho». De facto, segundo afirmou, «o adivinho olha fixamente para a superfície até esta desaparecer e uma cortina semelhante a nevoeiro se interpor entre os seus olhos e o espelho», e «nesta cortina as formas que ele deseja ver formam-se a si próprias ».

Na Enyclopaedia of Religion and Ethics, Andrew Lang descreveu o procedimento em termos semelhantes: «Na prática, o método mais simples consiste em olhar fixamente, durante uns cinco minutos, para um espelho ou bola de cristal colocada sobre uma superfície escura, a uma distância dos olhos equivalente à de um livro que o observador estivesse a ler. O vidente que possui as devidas faculdades vê geralmente uma espécie de névoa ou uma obscuridade leitosa cobrir a bola, que parece então tornar-se transparente e escura; as imagens surgem nessa altura. Por vezes, o observador deixa de ver conscientemente a bola para observar o que lhe parece uma cena real. »

Se os mais diversos materiais, desde cera derretida a cartas de taró e bolas de cristal, podem servir as artes divinatórias, onde é possível encontrar um denominador comum? Para começar, é necessário enfrentar a realidade de que uma grande parte da chamada adivinhação consiste em práticas fraudulentas concebidas para extrair dinheiro ao crédulo, ao desesperado ou ao curioso. É generalizada a tendência para atribuir significados determinantes a ocorrências vulgares que podem ser interpretadas de forma variada. Há, frequentemente, adivinhos falsos extraordinariamente hábeis em formular perguntas suficientemente interpelativas, em interpretar argutamente reacções de clientes e em dizer-lhes o que eles querem ouvir.

O Dr. Ray Hyman, psicólogo da Universidade do Oregon, analisou realmente os métodos da leitura a frio – a técnica pela qual um vidente formula um juízo sobre a personalidade de um cliente a partir de dados como o seu aspecto e linguagem. Referiu as suas descobertas num artigo denominado «Leitura a Frio – Como Convencer Estranhos de que Se Sabe Tudo a Seu Respeito». No artigo menciona um stock spiel (conjunto de características caracterológicas típicas e genéricas) elaborado pelo seu colega Norman D. Sundberg, uma forma pouco individualista de «leitura de carácter» que poderia ser aplicada à maioria dos estudantes universitários do sexo masculino. Ao indivíduo é simplesmente dito: «Você é uma pessoa cujas atitudes, comportamento e relacionamento com os outros são normais. Sai-se bem sem esforço. Agrada naturalmente e não é excessivamente crítico em relação aos outros ou a si próprio. Não é nem demasiado convencional nem demasiado individualista. O seu estado de espírito dominante é de optimismo e esforço construtivo, e você não é afectado por períodos de depressão, doenças psicossomáticas ou sintomas nervosos.»

Segundo constatou Sundberg, as estudantes universitárias corresponderam «com mais prazer ainda» a um esboço de carácter algo diferente: «Você parece ser uma pessoa bem disposta e equilibrada. Pode por vezes experimentar estados de espírito alternadamente felizes e infelizes, mas neste momento esses estados não se revestem de aspectos extremos. Tem poucos ou nenhuns problemas de saúde. É sociável e relaciona-se bem com os outros. É adaptável. Tem tendência para ser aventureira. Os seus interesses são vastos. É suficientemente autoconfiante e geralmente lúcida.»

Sundberg descobriu também que, para citar Hyman, «um esboço falsificado e universal pode ser considerado uma descrição de carácter mais exacta do que uma descrição individual elaborada por psicólogos treinados e baseada nas mais eficazes técnicas de avaliações de que dispomos». Sundberg entregara um teste de personalidade bem conhecido a um grupo de estudantes e ofereceu-lhes depois avaliações deles próprios baseadas no teste. Quando interrogados sobre se era a avaliação ou o stock spiel que melhor se lhes adaptava, 26 dos 44 estudantes (o que representa 59%) fizeram uma escolha surpreendente: escolheram o esboço caracterológico do stock.

Para além da manipulação e do embuste, qualquer que seja o grau de vulgarização destes, devem considerar-se razões mais profundas que possam explicar o carácter intemporal da adivinhação. Várias autoridades atribuem a universalidade da adivinhação, de uma forma ou de outra, a um dos desejos humanos mais fundamentais: preconhecimento e consequente controle sobre o destino pessoal.

No entanto, tal interpretação sugere meramente a razão que justifica a vontade de conhecer o futuro. E quanto ao próprio adivinho? O único denominador comum que existe – mais claramente no caso da fixação do cristal – é o uso que o adivinho faz de um instrumento para alcançar um estado de consciência tipo transe. Mesmo relativamente ao taró, Douglas Hill e Pat Williams, em The Supernatural, escreveram que as cartas estimulam o «inconsciente da pessoa a tentar a adivinhação ... Pode dizer-se que é esta a base de todos os métodos adivinhatórios. Por este motivo, o operador mais bem sucedido é frequentemente um clarividente que usa cartas, palavras, caligrafia, palmas ou horóscopos como um foco e um canal medianeiro entre a sua intuição – a mente inconsciente – e o mundo exterior.»

Mas existe tal capacidade de predição na mente humana? A crónica da adivinhação fornece numerosos indícios intrigantes, mas nenhuma resposta concludente. Se há respostas, possivelmente os métodos desconexos da adivinhação tradicional tem menos possibilidades de as definir do que a pesquisa em curso nos campos da parapsicologia e percepção extra-sensorial. Os esforços organizados da ciência podem ainda confirmar uma verdade que os antigos adivinhos apenas pressentiam. É possível que se venha a provar que a história da adivinhação é outro capítulo da história do absurdo humano.

Se se aceitar esta teoria do absurdo, não haverá absolutamente nada de válido a dizer sobre a adivinhação? Há pelo menos um aspecto positivo a acentuar. Embora possa parecer estranho, a adivinhação pode ter contribuído para o desenvolvimento do método científico. Nas duas sociedades em que mais eficazmente podemos descobrir as raízes da moderna civilização, a antiga China e a Mesopotâmia, a adivinhação era apoiada por uma élite relativamente culta, um grupo que não só criou um ritual como elaborou uma primeira estrutura, quer racional, quer pseudo-racional, para predizer acontecimentos significativos para a sociedade. Tais tentativas encorajaram a observação, o registo, o cálculo e a análise. Criaram uma estrutura de causa aparente-efeito.

E talvez tivessem conseguido algo mais. Em Journal of the Royal Anthropological 1nstitute, num artigo sobre a adivinhação e o seu contexto social, o Dr. George K. Park notou que alguns sistemas sociais dependem ainda «de modo crítico das realizações dos seus adivinhos», pois a adivinhação facilita uma «tomada de decisão nem sempre fácil sobre determinados planos de acção». Alguns estudos demonstram que o recurso à adivinhação, praticado em muitas sociedades, não se deve apenas à superstição ou credulidade dos seus membros. De facto, em tais culturas não é vulgar que um cliente siga cegamente as directivas de um adivinho respeitantes à sua existência quotidiana. Pelo contrário, o cliente consulta um adivinho tribal respeitado para solucionar um problema difícil e procura conselho – de uma ou várias fontes – até ouvir o ditame que lhe parece mais prático e útil nas circunstâncias em causa. Num tal sistema, a consulta de um adivinho é um meio que permite ouvir uma vasta gama de opiniões dos indivíduos considerados os mais sábios da comunidade. E o conselho do adivinho apresenta uma vantagem adicional. Uma vez tomada, a decisão pode ser prontamente justificada aos olhos da sociedade, pois foi ditada pelo padrão da palma, ossos ou conchas – e não por capricho.

Em resumo, a adivinhação ajudou e continua a ajudar, em variáveis graus, os indivíduos a tomarem decisões. E como todos os executivos modernos sabem, todas as decisões verdadeiramente difíceis tem de ser tomadas com base em dados inadequados. No fim, a intuição do executivo, aliada a uma capacidade de actuação, pode ser mais determinante do que todos os factores considerados do problema a resolver. Neste sentido, a adivinhação pode ser hoje em dia mais largamente praticada do que supomos. Talvez nos refiramos simplesmente a ela por outra designação: poder de decisão.

A Adivinhação através do Corpo Humano

Dos numerosos exercícios de auto-interpretação praticados pelo homem com vista ao conhecimento do futuro e de si mesmo, talvez nenhum exceda em seriedade os que ele inventou baseados na leitura de várias partes do corpo. O método actualmente mais conhecido e mais largamente praticado é a quiromancia, o estudo da mão, mas existem ainda a frenologia, o estudo da forma do crânio; a fisiognomonia, o estudo das características e estrutura do rosto, e a moleosofia, o estudo de manchas do corpo.

Embora as suas origens sejam obscuras, crê-se que a quiromancia teve início quer na Índia, quer na China, onde consta que já era praticada em 3000 a. C. Esta prática está ainda largamente divulgada entre os povos do Oriente e Médio Oriente.

A quiromancia começa por analisar as caracteristicas óbvias e, através de inúmeras e intrincadas fases de apreciação e interpretação, acaba a examinar os pormenores mais subtis. As suas conclusões são expressas não em termos de certeza, mas de probabilidade e tendência. Um quiromante sério começará por examinar ambas as mãos: relativamente a um indivíduo destro, a mão esquerda é considerada a mão do «nascimento» – a que revela as predisposições herdadas do carácter –, enquanto a direita reflecte as características individuais, diversificações e potencialidades.

Para o leitor da palma, a formação global das mãos é uma primeira chave reveladora do carácter e do destino. Uma mão quadrada identifica um indivíduo de natureza prática, enérgico, determinado, capaz de alcanqar sucesso. A mão afilada, denominada cónica na linguagem dos quiromantes, pertence provavelmente a um artista, um indivíduo de natureza social, entusiasta e sensível. A mão em forma de pá parece estar em movimento mesmo quando em descanso e denota um possuidor enérgico, com uma necessidade de acção a nível concreto. A mão pontiaguda pertence ao idealista, ao amante da beleza, por vezes destituído de sentido prático. A mão comprida, de articulações nodosas, é a do pensador ou filósofo. A maioria das pessoas tem uma mão mista, que apresenta características de duas ou mais formas clássicas.

Também os dedos são tidos em consideração. Um polegar inserido em baixo, formando com a mão um ângulo bastante obtuso, sugere um indivíduo descuidado, enquanto um polegar colocado numa posição elevada indica um carácter cuidadoso, possivelmente até inflexível. Dedos compridos sugerem um gosto pelo pormenor; dedos curtos, uma personalidade impetuosa e impaciente.

Os quiromantes consideram estas e outras facetas da mão antes de examinarem finalmente as características que constituem o âmago da quiromancia: o conjunto profundamente articulado de planos, proeminências, linhas e marcas que formam a própria palma. A palma é dominada pelos montes, tumefacções carnudas situadas ao longo da sua orla exterior e na base de cada um dos dedos. Revestem-se ainda de grande importância as três linhas maiores que a sulcam e que são chamadas, de cima para baixo, a linha do Coração, a linha da Cabeça e a linha da Vida. Os elos da quiromancia com a astrologia são evidentes na designação dos montes e outras regiões da mão. A partir do monte situado exactamente abaixo do indicador encontram-se: Júpiter, representando a ambição; Saturno, a sobriedade; Apolo, ou Sol, a sensibilidade e talento artístico, e Mercúrio, a esperança e a inteligência; Marte Superior, precisamente abaixo de Mercúrio, representa a perseverança; Lua, situada ao longo da base da mão, as forças criadoras, imaginação e intuição; Vénus, na base inferior do polegar, o amor e paixão, e finalmente Marte Inferior, acima de Vénus, exprime frieza e espírito calculista. No centro da mão, situa-se a Planície de Marte, representando controle emocional, nervosismo ou negativismo, dependendo da sua forma.

Para além destas complexidades, as alterações das marcas numa determinada mão – círculos, estrelas, cruzes e quadrados – começam a tender para o infinito. No entanto, é precisamente este número infinito de possibilidades que o quiromante procura abarcar: não necessariamente para conhecimento do futuro ou de características ocultas, mas para confirmação da sua individualidade única e pessoal.

«Videntes» de Mãos Trémulas

Os Navahos, índios dos EUA, praticam uma das mais misteriosas das numerosas formas de adivinhação, uma técnica ligada a um estado de descontrole físico semelhante a transe conhecido por tremor de mãos. O antropólogo americano Dr. Clyde Kluckhohn estudou o assunto e fez um relatório das suas experiências pessoais com um tremedor de mãos, um adivinho navaho de nome Gregório.

Kluckhohn e a mulher visitaram uma reserva navaho no decorrer de uma viagem ao campo. Uma vez aí, tendo ouvido falar das aptidões de Gregório, decidiram aliar a necessidade prática à erudição e pediram-lhe que tentasse localizar uma mala de mão que Mrs. Kluckhohn perdera apenas alguns dias antes. Depois de escutar os Kluckhohns, Gregório arregaçou as mangas, lavou cuidadosamente os braços e as mãos e subiu lentamente até ao cimo de uma colina. Virado para norte, salpicou com pólen de milho a sua mão direita, que começou a tremer. Em seguida, esfregou as palmas das mãos uma contra a outra e em breve a sua mão esquerda começou também a tremer. Gregório prolongou este ritual durante um certo tempo, mantendo os olhos fechados. Depois, lentamente, moveu ambas as mãos, como que a delinear os contornos da carteira desaparecida. Finalmente, declarou aos Kluckhohns que encontrariam a mala no posto comercial local. E assim aconteceu.

Segundo as conclusões a que chegaram os Kluckhohns, adivinhos como Gregório consideram que as suas capacidades de adivinhação, que se manifestam através do tremor das suas mãos, transcendem o seu poder e controle pessoais. Num artigo que escreveu no Journal of the American Society for Psychical Research em 1976, Richard Reichbart comunicava que esta técnica de adivinhação «continua a florescer» na reserva navaho que se estende pelo Nordeste do Arizona, Noroeste do Novo México, Sudeste do Colorado e abrange zonas do Sul do Utah.

O tremor das mãos, como muitos outros métodos de adivinhação, é mais frequentemente usado com finalidades práticas, tais como encontrar ovelhas ou cavalos extraviados, pessoas desaparecidas, objectos roubados ou perdidos. No entanto, o tremor das mãos dos Navahos possui também poderes curativos, e os membros da tribo atormentados por sonhos assustadores de carácter profético recorrem também aos tremedores de mãos, pois acreditam que a simples comunicação de um sonho deste género a estes praticantes da adivinhação evita as suas consequências. O tremedor de mãos pode ainda aconselhar, em casos destes, a realização de uma cerimónia especial. A ligação entre a prática desta actividade de adivinhação e a do vedor é óbvia, e outrora era extraordinariamente directa: os tremedores de mãos, uma vez no seu estado de aparente descontrole físico, eram frequentemente procurados para detectar a presença de água subterrânea.


O Inexplicável Sucesso do Vedor

« À primeira vista », escreveu em 1897 Sir Wiliam Barrett, professor do Royal College of Science de Dublin, «poucos temas parecem merecer tão pouca consideração e estarem tão completamente fora da alçada da investigação científica como o da actividade do vedor. » Mas no preciso momento em que escrevia esta frase, Barrett, durante certo tempo um céptico declrado, estava em vias de se tornar um convertido da misteriosa arte.

A instâncias de um colega, Barrett empreendera um estudo «científico» da antiga actividade dos vedores, segundo afirmou num espírito de «relutância “e mesmo repugnância”» e com a esperança de em breve poder consignar todo o tema àquele «vasto limbo desde sempre chamado o Paraíso dos Loucos». Em vez disso, o que descobriu não só o surpreendeu como confundiu. Impressionou-o particularmente a obra de um vedor de nome John Mullins, que, em 1889, fora contratado pela Waterford Bacon Factory para localizar água subterrânea na sua propriedade. Geólogos profissionais haviam já fracassado nesta tentativa, mesmo depois da abertura de numerosos furos de sondagem a profundidades superiores a 300 m. Quando chegou a Waterford, Mullins percorreu a propriedade segurando à sua frente um ramo bifurcado. Num local situado apenas a alguns metros de distância de um furo previamente aberto, o ramo torceu-se tão violentamente que se quebrou. Nesse local, segundo declarou Mullins a várias testemunhas, a uma profundidade de 25 a 55 m, os proprietários da fábrica encontrariam água. O que efectivamente aconteceu.

Ignora-se a data em que o primeiro vedor – um indivíduo capaz de, por meios inexplicados, localizar água subterrânea, minerais, petróleo, tesouros ou mesmo pessoas perdidas – começou a praticar a sua arte. Uma pintura rupestre do Sara de cerca de 6000 a. C. reproduz uma figura segurando o que parece ser uma varinha de adivinhar. Igualmente incerto é se a arte do vedor era praticada nos tempos clássicos. As literaturas grega e romana contêm numerosas referências a rabdomancia – adivinhação pelo uso de varas, paus e setas –, mas não é possível afirmar categoricamente que esta prática correspondia à do actual vedor. Indiscutível é que a arte do vedor, virtualmente na sua forma moderna, começou a aparecer em registos escritos e gráficos na Idade Média. Sabe-se, por exemplo, que na Alemanha do século XV se recorreu a vedores para que estes prospectassem minerais nas Montanhas Harz, que Martinho Lutero condenou a prática como vestígio de bruxaria e que em 1556 Georg Agricola a discutiu e ilustrou no seu tratado sobre minas e metalurgia, De Re Metallica. Nos finais do século XVII, a Polícia Francesa pediu a colaboração de um vedor na resolução de um caso de assassínio e roubo ocorrido em Lyons. O vedor conduziu os polícias a uma cidade distante, onde identificou um criminoso que mais tarde confessou ter participado no crime.

No entanto, as artes do vedor continuam a ser um mistério para a ciência do século XX. Não só não obedecem a qualquer princípio físico conhecido, como também os próprios vedores são frequentemente indiferentes as teorias que tentam explicar a sua arte. «As razões pelas quais os ... procedimentos funcionam», nota um comunicado da Sociedade Americana de Vedores, «são inteiramente desconhecidas. » De acordo com a prática comum, o vedor percorre lentamente o terreno que deve ser prospectado, segurando à sua frente um ramo bifurcado, um par de varinhas ou um fio-de-prumo. (Tradicionalmente, os ramos ou varinhas deveriam ser feitos de avelaneira, mas os vedores actuais usam praticamente qualquer material, incluindo cabides de metal.) Enquanto caminha, o vedor deverá concentrar-se – de preferência expressando em voz alta as conclusões a que chega – na natureza e profundidade precisas do objecto que procura. Quando descobre o local exacto, o seu ramo curvar-se-á repentinamente; ou, no caso das varinhas, estas cruzar-se-ão ou divergirão; quanto ao fio-de-prumo, começará a oscilar irregularmente.

Observadores cépticos, a partir de Barrett, notaram que o movimento do ramo, das varinhas ou do fio-de-prumo resulta provavelmente de contracções musculares involuntárias dos braços e mãos do vedor. A maioria dos vedores não têm qualquer relutância em admitir esta hipótese, que aliás não fornece uma solução ao problema. O mistério central do fenómeno diz respeito ao próprio vedor. Será ele sensível, como já foi especulado, às pequenas variações electromagnéticas produzidas por substâncias ocultas? Conseguirá ele detectar ligeiras mudanças na temperatura do solo? Dependerá ele de alguma combinação dos cinco sentidos ou mesmo de um sexto instinto ou sentido ainda desconhecido?

Pelo menos uma das formas que assume a arte do vedor pode apenas ser explicada em termos de percepção extra-sensorial. Trata-se da arte do vedor aplicada a mapas – um procedimento no decorrer do qual o vedor segura um fio-de-prumo ou qualquer outro indicador sobre um mapa do terreno a ser explorado. O mais famoso vedor de mapas é talvez Henry Gross, celebrado em artigos e livros pelo seu acólito ainda mais famoso, o romancista Kennert Roberts. Gross realizou um dos seus feitos mais conhecidos no Maine, em Outubro de 1947, durante uma reunião de amigos que se prolongou pela noite. O tema da conversa centrou-se na Bermuda, e alguém referiu que os geólogos haviam concluído que a ilha era desprovida de água doce. Gross pediu um mapa da Bermuda, abriu-o e, após passar sobre ele uma varinha, indicou quatro locais onde seria possível encontrar água doce. Nos meses que se seguiram, durante um período de seca, foi descoberta água doce em três dos quatro locais que Gross assinalara no mapa.

A incapacidade da ciência em explicar a arte do vedor – para não falar da arte do vedor aplicada a mapas – não tem desencorajado nem os vedores, nem os seus clientes. Segundo uma estimativa da Sociedade Americana de Vedores, que se gaba de contar com mais de 2000 membros que pagam quotas, há pelo menos 25 000 vedores praticantes nos EUA, os quais, em muitos casos, tem sido bem sucedidos. Os vedores, salientou Christopher Bird em The Divining Hand, tem sido mesmo usados para descobrir petróleo. «E o facto», declarou ele, «é que a Occidental Petroleum Corporation lançou as bases da indústria do petróleo quando comprou dez poços produtores descobertos por vedores. »

Serão os vedores algo mais do que geólogos inatos? Esta e outras perguntas semelhantes continuam a ser acaloradamente debatidas. No entanto, uma coisa é certa: com base na actuação, nenhuma outra forma de adivinhação desafiou tão seriamente os cépticos científicos.

Clientes de Leitura Fria

«Tem de olhar para a pessoa toda», disse Zíngara, a cartomante. «É gorda ou magra? Em que zonas se concentra a gordura? Como são os pés? Revelam vaidade ou preocupação? Tem o peito dilatado ou os ombros encolhidos? Tem o tórax ou o estômago salientes?...

«O rosto é o último a ser analisado. Ostenta uma expressão de felicidade? Provavelmente não. Que tipo de infelicidade reflecte? Preocupação? Fracasso? Onde se localizam as rugas? Tem de olhar atenta e rapidamente ... Dizer-lhes de imediato que estão preocupados. Evidencemente que estao preocupados; por que outro motivo viriam a uma tenda de cartomante?»

Embora a própria Zíngara seja fictícia, uma personagem da história do escritor canadiano Robertson Davies, a descrição que faz do modo como um vidente aprecia um cliente a partir do momento da entrada na tenda – aquilo a que os quiromantes, psíquicos, profissionais de circo e professores de Psicologia chamam igualmente leitura a frio – está perfeitamente correcta.

Uma leitura a frio representa a arte de um vidente profissional e a condição da sua sobrevivência. Baseia-se na observação cuidadosa e interpretação arguta das características óbvias e reflecte pelo menos três suposições sobre a natureza humana: primeira, que a maioria das pessoas exprime involuntária e implicitamente a classe a que pertence, o rendimento que aufere, a educação recebida e o substrato cultural em que se insere, e que através dos seus gestos, maneirismos e vestuário transmite uma riqueza de informação sobre si mesma; segunda, que, na sua maioria, os indivíduos ouvem mais o que querem ouvir do que o que é dito; terceira, como Zíngara observou em World of Wonders, que «são muito maiores as semelhanças do que as diferenças entre as pessoas».

Antes de um cliente ter aquecido a sua cadeira, um leitor a frio hábil já tomou mentalmente nota de uma dúzia de indícios e deduziu factos prováveis suficientes para começar a sugerir pistas. Frases feitas como «Os seus verdadeiros talentos estão ainda por revelar» ou «Você não revela facilmente os seus verdadeiros sentimentos» têm como objectivo obrigar o cliente a falar. Tópicos que não suscitam qualquer reacção são postos de parte, enquanto aqueles que provocam um aceno ansioso ou uma contracção nervosa são aprofundados.

As leituras a frio são de realização extraordinariamente fácil, e não apenas em circuitos de circo. Em determinados testes realizados por psicólogos os sujeitos são induzidos a pensar que esboços de personalidade de carácter genérico foram individualmente elaborados. Num exemplo clássico, solicitou-se a um grupo de estudantes que enchiam uma sala que atribuísse uma classificação a uma descrição caracterológica feita a partir de um livro de astrologia. Dos 39 estudantes, 16 consideraram o esboço, feito a traços largos, como uma evolução quase perfeita dos seus caracteres. Apenas 5 do grupo total a consideraram uma descrição de si próprios muito pouco exacta.

As Profecias de Nostradamus

Depois de prever, entre outros factos da história, a Revolução Francesa, o assassinato de Kennedy, o surgimento
de Napoleão e Hitler - isso tudo 400 anos antes - as previsões deste francês para 1999 andavam a assustar muitas pessoas. Isso porque, segundo Nostradamus, que nasceu em 14 de dezembro de 1503, em 1999 devia eclodir a Terceira Guerra Mundial.



Profecias de Êxitos e Malogros

No dia 1 de Julho de 1559, realizou-se um torneio de justas celebrando dois casamentos no seio da família real francesa. Ao pôr do Sol, o rei Henrique II montou o seu cavalo, magnificamente ajaezado, preparado para enfrentar Gabriel de Lorges, conde de Montgomery. O recontro terminou num empate, mas Henrique insistiu num contra-ataque. Momentos mais tarde, as lanças dos dois contendores entrechocavam-se e estilhaçavam-se, e a lança de Montgomery trespassou a viseira dourada do rei, penetrando-lhe no olho. O monarca morreu nove dias mais tarde.

Por entre os sussurros que assinalaram o trágico fim do torneio, um membro do séquito real, a condestável Anne de Montmorency, gritou: «Maldito seja o adivinho que o predisse tão maleficamente e com tal exactidão!» Não suscitou praticamente qualquer dúvida a identidade do homem contra quem a maldição foi dirigida. O seu nome era Michel de Nostredame (1505-1566), ou mais simplesmente Nostradamus, que desde então se tornou o profeta mais conhecido da História.

Durante a sua vida, Nostradamus publicou 10 volumes de estrofes de 4 versos, ou quadras, proféticas num total de 942 versos. Como planeara que cada volume contivesse 100 versos, referia-se-lhes como Centaines, agora popularmente denominados Centúrias. O 35º verso da primeira Centúria continha esta mensagem extraordinária:

O jovem leão prevalecerá sobre o velho
Em campo de balalha num combate singular:
Em jaula de ouro os olhos lhe trespassará:
Duas feridas, e depois morrerá de cruel morte.


Antes ainda da morte do rei Henrique II, e devido aos seus extraordinários dons proféticos, Nostradamus fora alternadamente temido, desprezado e ridicularizado. Após a morte do monarca, multidões coléricas de um subúrbio de Paris queimaram a efígie de Nostradamus e exigiram que o próprio profeta morresse na fogueira.
No entanto, muito poucas das centenas de quadras proféticas escritas por Nostradamus eram tão precisas, ou susceptíveis de serem interpretadas com tal exactidão, como o seu verso profetizando a morte do rei num duelo. Pois, como acontece frequentemente em casos de sucesso a nível profético, a enigmática fraseologia das quadras de Nostradamus, juntamente com o grande número de profecias que ele fez, contribuiu para que, segundo parece, pelo menos algumas das suas previsões viessem a concretizar-se de modo impressionantemente preciso.

Não restam, porém, quaisquer dúvidas sobre as capacidades de Nostradamus como médico, durante as epidemias de pragas que assolaram o Sul da França, nem sobre a sua erudição e aptidões como escritor prolífico.

Ao longo dos séculos, uma aturada análise e constante reinterpretação da sua obra aumentaram o interesse pelas profecias de Nostradamus. Em Nostradamus: Life and Literature, Edgar Leoni salientou a extrema ambiguidade das afirmações do médico francês, notando que «muitas das suas profecias se prestam a repetidas interpretações, de modo que nunca parecem desactualizadas».

A palavra «profecia», de origem grega, significa, em termos gerais, «falar antes». Actualmente, os termos «profecia» e «adivinhação» perderam em muitos casos um significado preciso e são frequentemente usados como sinónimos, exprimindo previsões de acontecimentos que ainda não ocorreram. Originariamente, porém, a palavra «profecia» tinha um significado mais profundo, declaradamente depurado de quaisquer atributos e apanágios usados pelos adivinhos quer do passado, quer do presente. Nos tempos bíblicos, os profetas funcionavam não como intérpretes do futuro, mas como representantes directos e porta-vozes de um deus, na maior parte dos casos Iavé, o deus de Israel.

Armados com a força de tal comunicação directa, os profetas bíblicos serviam frequentemente de conselheiros aos reis e à corte. O Antigo Testamento cita frequentemente esses profetas, referindo que as suas mensagens proféticas «vieram a ocorrer», uma indicação aparente de que uma profecia particular, como a respeitante ao jovem e ao velho leão, acabou por se concretizar.

Embora o tema da inspiração divina se mantivesse no período clássico, a Grécia e Roma criaram formas de profecia que tinham aplicações distintamente seculares. Os profetas bíblicos eram geralmente do sexo masculino; porém, tal como observou Richard Lewinsohn em Science, Prophecy and Prediction, na Grécia, num país «onde as mulheres viviam normalmente vidas tão retiradas, eram elas as escolhidas para o alto cargo de profeta oficial». A pítia, sacerdotisa do oráculo de Delfos, tinha de ser celibatária, um requisito comum a todas as regiões do mundo antigo. Segundo Lewinsohn, no Egipto «os sacerdotes-profetas encontravam-se entre os mais altos dignitários do Estado, e na Babilónia e outros países do Próximo Oriente as profetisas eram um fenómeno comum».

Na Europa, durante a Idade Média, a profecia, menos preocupada com a revelação divina e ainda grandemente liberta dos apanágios da adivinhação, tornou-se uma vez mais o reino de homens, ocasionalmente com resultados surpreendentes. Num rompante profético verdadeiramente notável e pouco conhecido, o monge-cientista Roger Bacon surpreendeu os últimos necromantes ingleses com a previsão do aparecimento de «navios deslocando-se no mar» movidos «por um único homem, a uma velocidade superior a que teriam se estivessem cheios de homens que os accionassem». Bacon previu também a existência de veículos movidos «por tracção não animal» e «máquinas voadoras» com «um homem sentado no meio da máquina». Noutras profecias, Bacon vislumbrou a criação tanto do microscópio como do telescópio. Quase dois séculos mais tarde, Leonardo da Vinci concretizou as visões de Bacon de triunfos arquitectónicos e de engenharia em desenhos altamente específicos, que anteciparam com extrema correcção uma grande quantidade de armas, veículos, máquinas e edifícios futuros.

Ao longo dos séculos dois temas apareceram repetidamente no vasto texto de expressão profética: catástrofe e invenções. Em 1661, por exemplo, o inglês George Fox predisse a peste que assolou Londres em 1665. Em 1856, no seu livro Penetralia, Andrew Jackson Davis previu em pormenor não só o automóvel como também uma exótica máquina de escrever. Foram estas as palavras que ele usou para descrever a sua máquina: «Estou quase decidido a inventar um psicográfico automático – isto é, um escritor espiritual artificial. Pode ter uma configuração semelhante à de um piano, uma escala de teclas que representem os sons elementares; outra fila a nível inferior representará uma combinação, e outra ainda uma recombinação rápida, de modo que quem a accione, em vez de tocar uma peça de música, possa dar origem a um sermão ou a um poema.» Guerra, desastre e a morte de chefes de Estado são há muito tempo objecto de profecias. O assassínio do presidente Lincoln foi predito por Daniel Home em Dieppe, França, em 1863, e as mortes do rei e da rainha da Sérvia em 1903 foram previstas por uma tal Mrs. Burchell, uma profetisa do Yorkshire. Em Fevereiro de 1914, Sir Arthur Conan Doyle, a quem o ocultismo fascinava, recebeu esta mensagem de um médium australiano: «Embora de momento não corra sequer um rumor sobre a iminência de uma grande guerra europeia, quero no entanto avisá-lo de que, antes de o ano corrente, 1914, ter atingido o seu termo, a Europa ficará mergulhada em sangue. »

Embora não referisse qualquer guerra ou a morte de um chefe de Estado, um romance do século XIX revelou-se extraordinariamente profético. Futility, da autoria de Morgan Robertson, foi publicado em Nova Iorque em 1898. O facto é que Robertson predisse, pormenorizada e correctamente, o afundamento do Titanic, 14 anos mais tarde, a 14 de Abril de 1912. Tal como no verdadeiro desastre, o navio da narrativa de ficção fora considerado inafundável, e no entanto afundou-se durante o mês de Abril.

Nos finais do século XVIII e princípios do XIX, deu-se início a profecia durante hipnose através do mesmerismo, a técnica criada pelo austríaco Franz Anton Mesmer. Um dos alunos de Mesmer, o marquês de Puységur, foi capaz de suscitar um estado a que chamava «sonambulismo artificial». Segundo consta, uma jovem alemã da região da Floresta Negra que ele fez entrar num transe profético predisse os violentos acontecimentos que mais tarde acompanharam a Revolução Francesa. Cerca de 100 anos mais tarde, o americano Edgar Cayce tornou-se famoso como o «profeta adormecido». Cayce, que passou a maior parte da sua vida em Virginia Beach, Virgínia, fez previsões sobre a saúde e carreira pessoais de indivíduos que o consultaram, além de profetizar grandes alterações geológicas de magnitude continental. As profecias de natureza geológica de Cayce, que abrangem um período que termina em 1998, incluíam ruptura «na zona ocidental da América» e alterações na «região superior da Europa», enquanto a «maior parte do Japão se deve afundar».

Uma das profecias mais dramáticas do século XX, porém, foi feita por Jeane Dixon, de Washington DC. Constituiu o tema de um artigo publicado no suplemento de um jornal dominical, Parade, de 15 de Maio de 1956: «Relativamente à eleição de 1960, Mrs. Dixon crê que a mesma será dominada pelos trabalhistas e vencida por um democrata. Este, porém, será assassinado ou morrerá no cargo, embora não necessariamente no decorrer do seu primeiro mandato » Esta observação foi recordada quando o presidente John F. Kennedy foi assassinado em Dallas, a 22 de Novembro de 1963. Mrs. Dixon fez muitas outras dramáticas profecias, algumas das quais porém não se concretizaram. Entre estas incluía-se a previsão de que a China Comunista «mergulharia o Mundo na guerra» em 1958; que a União Soviética invadiria o Irão em 1953, e que em 1966 o primeiro-ministro Fidel Castro, de Cuba, estaria «quer na China, quer morto».

No entanto, tal como aconteceu relativamente à predição de Nostradamus da morte do rei Henrique, a profecia de Mrs. Dixon referente ao assassínio do presidente Kennedy permaneceu viva na memória do público. A «morte de reis» parece atrair, e frequentemente justificar, os profetas. Existem, no entanto, determinados incidentes anedóticos que podem ser ainda mais desconcertantes do que as profecias que predizem mortes. Quando, por exemplo, a American Society for Psychical Research (ASPR) realizou uma análise de fenómenos psíquicos espontâneos, incluindo casos precognitivos, uma aventura estranhamente profética foi narrada por Mrs. Paul H. McCahen, de Inglewood, Califórnia. Ao cair da tarde do dia 4 de Setembro de 1954, no decorrer de uma visita que faziam ao Grand Canyon, Mr. e Mrs. McCahen viram uma mulher encaminhar-se para uma das cabanas acompanhada por um homem e um rapaz. Mrs. McCahen disse ao marido: «Está ali Mrs. Nash, uma senhora que fez parte de um júri comigo há um ano. O marido só tem um braço. Mas vou falar-lhe amanhã de manhã, porque agora ela deve estar cansada. »

Na carta que dirigiu aquela sociedade, Mrs. McCahen acrescentou: «No dia seguinte, vi-a sentada na varanda e fui falar-lhe. Os nossos maridos conheceram-se e entabulámos uma agradável conversa. A determinado momento mencionei que a vira na tarde anterior, mas que não lhe falara nessa altura Mr. e Mrs. Nash pareceram ambos surpreendidos e declararam que haviam acabado de chegar num autocarro cheio de turistas. Devido ao seu único braço, ele não guia durante longas distâncias. »

Mr. McCahen confirmou o relato de sua mulher, declarando que esta lhe indicara Mrs. Nash no dia anterior e que eles haviam encontrado o casal na tarde seguinte, embora Mrs. Nash afirmasse que «tal era impossível, porque eles apenas tinham chegado nessa manhã».

Haverá uma explicação racional que não contrarie os princípios científicos vigentes para tais incidentes aparentemente inexplicáveis que implicam tempo futuro e coincidência? No seu livro Prophecy in Our Time, Martin Ebon, autor prolífico sobre temas paranormais, ofereceu uma possibilidade tão intrigante como compreensível: «Há uma imagem simples que explica até certo ponto a profecia», escreveu Ebon. «Um indivíduo que sobrevoe uma montanha de helicóptero e veja dois comboios em lados opostos da mesma dirigindo-se um para o outro pode prever uma colisão como se possuísse conhecimentos sobre-humanos, pelo menos em comparação com os passageiros e maquinistas dos dois comboios. E uma imagem clara. Não exige reajustamentos básicos dos conceitos tradicionais de tempo e espaço. Mas podemos nós ter uma percepção de tal modo transcendente do nosso próprio futuro? Certamente que sim, e tanto maior quanto mais profundamente nos conhecemos a nós próprios – porque somos, sobretudo, não senhores, mas, inconscientemente, magnetes do nosso destino. »


Desde que Nostradamus começou a publicar as suas profecias em 1555, as pessoas tem tentado explicá-las. Em 1939, Goebbels alertava Adolf Hitler para a quadra II: 24:

Animais loucos de fome atravessarão os rios,
A maior parte do campo de batalha será contra Hister.
Arrastará o líder numa jaula de ferro,
Quando o filho da Alemanha não respeitar qualquer lei.


Hister era parecido com Hitler, e falava de guerra, mas a quadra não profetizava o triunfo da Alemanha. Foram então lançadas profecias falsas proclamando a vitória alemã.

O estilo obscuro torna muitas vezes dificil a interpretação da obra, mas o ano expresso na quadra II: 51 é suficientemente explícito, prevendo o Grande Fogo de Londres para 1666:

O sangue dos justos será pedido em Londres,
Queimada pelo fogo em três vezes vinte mais seis.


Alguns versos anunciam acontecimentos que não ocorreram, como na quadra VI: 54:

De madrugada, ao segundo cantar do galo,
Os de Tunes, Fez e Bougie,
Os árabes capturados pelo rei de Marrocos,
No ano de 1607 pela liturgia.


Nostradamus também descreveu a fuga frustrada de Luís XVI, em 1791, e a guilhotina:

Durante a noite virão através da floresta de Reines
Dois companheiros pelos desvios;
A rainha, a pedra branca,
o rei-monge vestido de cinzento em Varennes,
O Capeto eleito causa tempestade, fogo e esquartejamento sangrento.


A quadra III: 96 diz:

Ao líder de Fossano cortará o pescoço
O homem que treinava os cães de caça e os galgos.
O acto será cometido pelos da rocha tarpeia,
Quando Saturno estiver em Leão, a l3 de Fevereiro.


O rei de Fossano era avô do duque de Berry, morto por um moço de cavalariça a 13 de Fevereiro de 1820. O assassino era um republicano – ligação com a rocha tarpeia, de onde se lançavam os condenados na Roma republicana.

O conflito que aconteceu na província de Kosovo, na Jugoslávia, está sendo interpretado por muitos astrólogos e estudiosos das profecias de Nostradamus como o início da guerra prevista pelo francês, que em sua centúria X, na quadra 72, escrevendo em francês arcaico:

No ano de 1999, sétimo mês
Do céu virá um grande Rei de assustar
Ressuscita o grande Rei de Angoulmois,
Antes depois Marte reina pela felicidade


Morte de Henrique II de França

O jovem leão vencerá o velho
No campo de batalha num único combate
Trespassar-lhe-á os olhos na sua jaula de ouro
Duas feridas numa, perecerá de uma morte cruel.


Esta predição cumpriu-se 4 anos mais tarde, em 1559, quando Henrique, cujo emblema ostentava um leão, entrou numa justa amigável com um jovem oficial de nome Montgomery. A lança de Montgomery atravessou acidentalmente a viseira do elmo dourado de Henrique, ferindo-o na vista e na garganta. O soberano morreu 10 dias depois.

Napoleão

Um imperador nascerá junto de Itália
Que custará muito caro ao Império


De facto Napoleão, ou Napolon O'Roy como lhe chamou Nostradamus, e que foi descrito pelo profeta como sendo o primeiro Anticristo, custou bastante à França, tanto em homens como em força política, até à sua queda final.

O grande Império será trocado em breve por um lugar pequeno,
O qual cedo comecerá a crescer.
Um local de área reduzida no meio do qual
Irá pousar seu cepro.


Napoleão foi exilado para a pequena ilha de Elba, donde fugiu por 100 dias, durante os quais o seu império cresceu de novo. Renunciou definitivamente ao Poder na pequena ilha de Santa Helena.


O Grande Incêndio de Londres

O sangue dos justos será exigido em Londres
Queimada pelo fogo em três vezes vinte mais seis


O sinistro ocorreu exactamente no ano de 1666 (três vezes vinte mais seis)


Carlos I de Inglaterra

O homem indigno é expulso do reino inglês
O conselheiro arderá pela cólera
Os seus seguidores descerão tão baixo
Que o pretendente quase será aceite.


A irresponsabilidade de Carlos fez-lhe perder o reino. O seu conselheiro, o arcebisto Laud, foi queimado em 1645. Os seguidores que desceram tão baixo foram os Escoceses, que devolveram o reino ao Parlamento em 1646, e o pretendente será Oliver Cromwell ( o Lord Protector ), que quase foi aceite como rei pelo povo inglês.


Luís Pasteur

Pasteur será celebrado como um deus,
Quando a Lua completar o seu grande ciclo.


O ciclo lunar em torno da Terra leva 19 anos a completar. Um desses ciclos lunares concluiu-se em 1889, ano em que Luís Pasteur deu um contributo vital à ciência médica ao fundar o Instituto Pasteur.


Hiroshima

Perto do porto e em 2 cidades haverá 2 calamidades até então nunca vistas.

As duas cidades portuárias de Hiroshima e Nagasaki sofreram dois bombardeamentos em que, tanto as explosões como a radiação que se seguiu foram horrores que o Mundo nunca vivera.


John F. Kennedy

O grande homem será atingido
Durante o dia por um relâmpago
Do telhado o mal abater-se-á
Sobre o grande homem.


Foi o que aconteceu ao então presidente John F. Kennedy, foi assassinado em pleno dia por um tiro certeiro proveniente de um atirador escondido num telhado.


Profecias de um feiticeiro

Em todas as épocas e em todos os lugares, tem havido indivíduos a quem é atribuído o dom da segunda visão, mas isso é muito frequente em certas culturas. Os antropólogos descobriram que nas comunidades zulus, em África, e aborígenes, na Austrália, a capacidade de «ver» à distância é tão vulgar que é considerada natural. Muitas pessoas nas Terras Altas Escocesas também parecem ser dotadas de segunda visão.

O mais lendário vidente dessa região da Escócia foi Kenneth Mackenzie, também conhecido por Coinneach Odhar Fiosaiche, o Feiticeiro da Ravina, ou simplesmente o Vidente de Brahan. Dizem que nasceu no início do século XVII em Baile-na-Cille, na ilha de Lewis, e que se tornou famoso no continente pela sua capacidade de prever o futuro. Como adivinho, usava uma pedra polida para as suas profecias.

Muitas das predições do vidente diziam respeito aos ricos e famosos da sua época. Mas também era conhecido por ajudar as pessoas vulgares e pelas suas profecias em geral. Tal como as quadras de Nostradamus, as suas predições eram muitas vezes expressas numa linguagem que podia ser interpretada de várias maneiras, dependendo de quem as ouvia.

Um exemplo típico parece profetizar a invenção do caminho de ferro, bem como do gás e da água canalizados. «Longas filas de carruagens sem cavalos percorrerão a distância entre Dingwal e Inverness», disse Mackenzie, «e virá o dia em que o fogo e a água correrão por todas as ruas e vielas de Inverness.»

O incidente mais conhecido associado ao vidente terá ocorrido pouco depois da ascensão ao trono de Carlos II, em 1660. O terceiro conde de Seaforth tinha partido para Paris numa viagem de negócios, deixando a sua mulher, Isabella, no Castelo de Brahan. Apreensiva e aborrecida com a ausência, a condessa chamou Mackenzie, que lhe garantiu que o marido estava «bem e contente».

Querendo saber mais, ela começou por recorrer a subornos e depois a ameaças. Finalmente, Mackenzie deixou escapar que via o marido dela na companhia de outra mulher. Furiosa, Lady Seaforth ordenou que o infeliz Mackenzie fosse atirado de cabeça para dentro de um barril de alcatrão a arder e acusou-o de ter negociado com o Diabo.

Diz a lenda que, antes de morrer, Mackenzie profetizou, acertadamente, a extinção da família Seaforth. E disse à condessa: «Eu vou para o céu, mas vós nunca lá chegareis. [Depois da minha morte], um corvo e uma pomha, voando velozmente em direcções opostas, encontrar-se-ão e pairarão por um segundo sobre as minhas cinzas, nas quais pousarão por um instante. Se o corvo vier à frente, tereis falado verdade; mas se a pomba for a primeira, então a minha esperança tem fundamento.» As duas aves apareceram como profetizado – e a pomha foi a primeira a pousar sobre o que restava do Vidente de Brahan.

É muito provável que o Vidente de Brahan tenha sido queimado vivo, mas de facto viveu muitos anos antes de a Casa de Seaforth ter sido criada. Nos registos parlamentares escoceses do século XVI, consta uma ordem para levar a julgamento vários feiticeiros, incluindo um certo Coinneach Odhar. A única certeza histórica é que esse homem era um feiticeiro notável e que a sua reputação como vidente foi crescendo com os anos.



A profecia de Jacques Cazotte

No início de l788, vários homens e mulheres franceses de elevada posição social, reunidos ao jantar, conversavam sobre a iminente revolução e especulavam sobre quantos dos presentes estariam vivos para assistir ao conflito. Todos eles, disse Monsieur Cazotte, veriam a revolução, mas a maioria teria razões para se lamentar. Depois, predisse que o matemático Condorcet se envenenaria na prisão, o aristocrata Chamfort cortaria as veias e outros cinco convivas morreriam no cadafalso no prazo de seis anos.

Cazotte também disse que o rei seria vítima da revolução. O crítico e ateu confesso La Harpe, que mais tarde relatou o incidente, sobreviveria, acabando por se converter ao cristianismo. O profeta profetizou em seguida a sua própria morte na guilhotina.

Infelizmente, o relato de La Harpe só seria publicado depois de todos os participantes naquele jantar terem cumprido o sinistro destino que lhes tinha cabido em sorte. Só por si, isto seria suficiente para pôr em dúvida a história. Além disso, La Harpe morreu em 1803, e em 1817 foi encontrada uma nota entre os seus documentos pessoais afirmando que o relato da conversa tinha sido forjado. Como é óbvio, a confissão também poderia ter sido inventada, e alguns ainda acreditam que Cazotte tenha feito mesmo a profecia, citando testemunhas – infelizmente sem referir nomes – que teriam estado no jantar.

O consenso geral, porém, é que tanto a profecia como a sua sequencia são fictícios. A 2 de Setembro de 1792, os revolucionários prenderam Cazotte, mas os amigos e familiares conseguiram a sua libertação. Aqueles que tinham conhecimento da sua profecia felicitaram-no por ter escapado à sua própria predição. «Não creio», terá respondido Cazotte, «pois daqui a três dias serei guilhotinado.» E assim aconteceu.

Os avisos a Napoleão

Até as figuras históricas mais ambiciosas e auto-suficientes se sentem ansiosas acerca do futuro, sobretudo em épocas tumultuosas. O imperador Napoleão Bonaparte tinha contactos com pelo menos dois adivinhos – a famosa adivinha Marie-Anne-Adélaïde Lenormand e o misterioso Homem Vermelho, que os parisienses contemporâneos acreditavam ser o espírito familiar de Napoleão, que lhe prestava assistência.

Em 1792, Napoleão punha a hipótese de deixar o país para continuar a sua carreira noutras paragens, e para isso fez a sua primeira visita, incógnito, a Mademoiselle Lenormand. Ela disse-lhe que não lhe seria permitido partir. Depois, vaticinou que o jovem oficial teria um papel importante na história de França, que uma viúva o faria feliz e que ele atingiria uma posição elevada graças à influência dessa mulher. Contudo, avisou-o de que, se ele fosse ingrato, a desgraça cairia sobre ele. Quando Napoleão se preparava para partir, a vidente citou de súbito William Shakespeare: «Salve, Macbeth! Daqui para o futuro, passarás a ser rei!»

Depois de o visconde de Beauharnais ter morrido no cadafalso, em 1794, a sua viúva, Josefina, casou com Napoleão, tornando-se imperatriz. Contudo, o imperador divorciou-se dela em 1809, e pouco depois a sua sorte começou a deteriorar-se, como fora predito.

Mais tarde, alguns meses depois da queda de Napoleão, circulavam em Paris rumores do seu encontro com um segundo vidente. A 1 de Janeiro de 1814, um homem alto vestido de vermelho pediu para ver o imperador, havendo quem ouvisse o visitante censurar Napoleão, dizendo que era o seu terceiro e último aviso. O primeiro tinha sido no Egipto, durante a Batalha das Pirâmides, em 1799. O segundo ocorrera depois da Batalha de Wagram, em 1809, altura em que concedera a Napoleão quatro anos para pôr termo à conquista da Europa no promover uma paz generalizada. Esta última aparição destinava-se a recordar ao imperador que, se ele não conseguisse uma coisa ou outra em três meses, tudo teria acabado para ele. Napoleão protestou, dizendo que o prazo era demasiado curto, mas o Homem Vermelho mostrou-se inflexivel.

Nos meses seguintes, Napoleão não prosseguiu as suas conquistas nem conseguiu a paz. Foi forçado a abdicar em Abril de 1814, derrotado em Waterloo em 18l5, e morreu no exílio na ilha de Santa Helena, no Atlântico, em 1821. Os jornais franceses disseram que se cumprira a profecia do Homem Vermelho.

O fim está próximo – mais uma vez

Em todas as épocas, há sempre alguém, em algum lugar, que profetiza o Fim do Mundo. Em 1843, foram os Millerites, dos EUA, que se prepararam para o Armagedão e para a era messiânica que o acompanharia. Foram cerca de 100 000 pessoas que acreditaram nas predições de William Miller, um agricultor que estudara as «porções cronológicas» das passagens apocalípticas da Bíblia durante muitos anos e pregava a sua mensagem desde 1831.

William Miller baseava as suas predições em profecias bíblicas dos Livros de Daniel e do Apocalipse, apoiado por cálculos feitos a partir do Livro de Ezequiel e dos Números. Começou por prever que o Dia do Juízo ocorreria entre 21 de Março de 1843 e 21 de Março de 1844. Quando 22 de Março de 1844 chegou e passou, fez novos cálculos, apontando a data de 22 de Outubro de 1844. Os seus seguidores mantiveram-se do seu lado, deixando as suas casas e bens e vestindo-se com sudários brancos para a ocasião. O entusiasmo dos seguidores não sobreviveu a outro desapontamento, mas muitos aderiram a outros grupos de «adventistas». Os Adventistas do Sétimo Dia e as Testemunhas de Jeová emergiram ambos deste movimento anterior, embora nenhum deles indique habitualmente uma data específica para o fim do Mundo.

Tais sugestões não são novas. A Segunda Vinda de Cristo foi profetizada para os anos 500 e 1000. Vários profetas europeus diferentes apontaram então 1367, 1525, 1689, 1694, 1730, 1826 e 1836 como anos importantes.

Pretensos profetas ligados a esses grupos garantem geralmente aos seus seguidores que só eles serão salvos. David Koresh, que morreu durante o cerco montado pela Polícia em Waco, Texas, EUA, manteve a sua seita unida através de ameaças e promessas relativas à Segunda Vinda. A Igreja Tami da Coreia profetizou o Dia do Juízo para 28 de Outubro de 1992, quando Cristo salvaria os seus 144 000 seguidores. Muitos milhares desfizeram-se de tudo o que possuíam, mas em vão. Mais recentemente, a Irmã Sofia, um freira de Londres, disse que o fim chegaria quando um cometa atingisse Júpiter em 1994. A colisão ocorreu, mas o planeta Terra continua a girar.

A Arte da Magia

Durante séculos homens e mulheres acreditaram na
existência e no poder do conhecimento secreto e no
elitismo das sociedades ocultas


A magia tem poder para experimentar e compreender coisas inacessíveis à razão humana. Porque a magia é uma profunda sabedoria secreta, tal como a razão é uma profunda loucura pública.

Paracelso (1493-1541)


A magia é a ciência tradicional dos segredos da Natureza que nos foi transmitida pelos magos. Por meio desta ciência, o adepto fica investido de uma espécie de omnipotência relativa e pode operar de maneira sobre-humana – isto é, de uma maneira que transcende a possibilidade normal do homem.

Eliphas Lévi (1810-1875)


O impulso da Humanidade para compreender e controlar as forças invisíveis do Universo é um dos grandes temas da história humana. Ao longo dos séculos, homens e mulheres criaram sistemas notáveis de pensamento e fé, todos capazes de fornecer a ouvintes voluntários uma explicação e interpretação do Mundo, todos alargando as promessas de ordem e de controle.

Nos tempos modernos, continuam a florescer três desses sistemas – religião, ciência e filosofia - ,sustentados pelo peso da respeitabilidade histórica e alimentados pela sua capacidade de se adaptarem, à medida que o homem penetra nos mistérios do mundo natural e luta para aperfeiçoar os seus poderes sociais e cerebrais. Apenas a arte da magia, outrora uma disciplina tão válida como as outras, deixou de merecer os favores intelectuais: como arte de prestigitador teatral, é tolerada; como sistema de crença, é desprezada.

Houve, porém, uma época em que a arte da magia e a averiguação meticulosa e frequentemente dissimulada a sua erudição e dos seus rituais, da sua parafernália e dos seus princípios fundamentais ocuparam as mentes mestres em toda a Europa. E embora actualmente pareçam de difícil aceitação, os dogmas da sua fé – que o homem não é mais do que um modelo à escala reduzida do vasto mundo natural, que todas as existências se ligam em termos quer de oposição, quer de correspondência, que o pensamento intuitivo pode ter uma potência muito superior à da investigação racional, que em todas as épocas tem existido determinados homens possuidores deconhecimento secreto capaz de outorgar poder sobrenatural – continuam, no entanto, a suscitar considerável interesse num mundo–, cada vez mais intrigado pela exploração parapsicológica.

Mesmo antes do aparecimento dos mágicos eruditos e da investigação da magia ritual na Europa do Renascimento, apareceram homens com poderes especiais em terras situadas ao longo da extremidade oriental do Mediterrâneo cujas actividades entravam frequentemente em conflito com sistemas de fé religiosa em vias de desenvolvimento.

«Encontrava-se já antes na cidade um homem chamado Simão que praticava magia e assombrara o povo da Samaria dizendo ser ele próprio algo de grande. Desde o mais pequeno ao maior, todos acredicavam nele. “Este homem”, diziam, “é a Força de Deus chamada a Grande.” » Assim se lê nos Actos dos Apóstolos do Novo Testamento. De acordo com outros primitivos textos cristãos, o mágico Simão era capaz de se tornar invisível, assumia a forma de outras pessoas e de animais, atravessar paredes de pedra, passar ileso pelo fogo e voar. Há uma história segundo a qual Simão, depois de ter sido condenado à morte por Nero, terá sobrevivido à decapitação e se terá tornado um feiticeiro da corte imperial. Talvez a mais famosa de todas as histórias sobre Simão relate as circunstâncias do seu declínio final: tendo desafiado o apóstolo Pedro para um duelo mágico, o feiticeiro estava prestes a voar através de uma janela quando Pedro, recorrendo ao poder da oração, o fez cair morto no chão.

Pouco se sabe sobre a verdadeira vida de Simão, o mágico, ou Simão Magus. Alguns eruditos identificaram-no como sendo Simão, o Gnóstico, chefe de uma primitiva seita herética cristã para a qual o caminho da salvação passava pelo recurso à ciência oculta. Dado que os primeiros padres da Igreja Cristã envidaram todos os esforços para obliterar os textos heréticos, provavelmente a verdade nunca será conhecida.

No entanto, qualquer que seja a conexão entre Simão Magus e os gnósticos, nem o triunfo de Pedro, nem a supressão dos textos gnósticos conseguiram abolir com sucesso determinados dogmas gnósticos. E tal como o cristianismo primitivo devia muito ao judaísmo, também o gnosticismo se valeu provavelmente de antigas crenças orientais e pagãs nas quais os sistemas mágicos eram prática aceite e os encantamentos e numerologia, ou misticismo dos números, eram comuns. Além do mais, quando se tornou independente, o judaísmo procurou refúgio espiritual no seu próprio corpo de conhecimentos secretos, a Cabala, que garantia, se correctamente estudada, a revelação dos segredos da vida. A Cabala, que com toda a certeza deve a maior parte dos seus fundamentos aos princípios dos gnósticos, é considerada como um dos mais antigos sistemas de pensamento místico do Mundo. Uma das suas doutrinas essenciais é que o ser humano possui um
Deslocando-se para norte através das terras dos Bárbaros, várias formas de conhecimento secreto penetraram no baluarte celta da Grã-Bretanha e Irlanda, onde o druidismo, com a sua prática da magia, já florescia.

Porém, e paralelamente a este tipo de magia que recorria fundamentalmente a encantamentos, surgiu um grupo específico de eruditos inspirados pelos textos e outras influências de sistemas estrangeiros de ciências ocultas para os quais a magia parecia ser o meio de alcançar fins extraordinários: a descoberta e o domínio das forças sobrenaturais que actuavam na Natureza. Alguns eram investigadores que, através de pesquisas, começavam a penetrar no campo pouco conhecido da mente humana. Outros eram charlatães convincentes. Outro ainda era um santo católico cujas demonstrações mágicas foram denominadas milagres pela Igreja. No entanto, e apesar das numerosas diferenças que os distinguiam, eram todos versados nessa ciência transcendente a que chamamos magia.

Com a possível excepção do lendário Merlin, que alguns acreditavam ser um bardo galês do século VI e cujos feitos na corte do rei Artur eram inteiramente invenção literária, nenhuma figura encarna tão profundamente o conceito popular do mágico como Fausto, cujo nome é sinónimo de venda da alma ao Demónio em troca de conhecimento e poder. A lenda desenvolveu-se ao longo das suas repetidas narrações, mas existiu de facto um Fausto que se considerava a si próprio mágico, cujo nome de baptismo era ou Johann ou Georg, nascido nos finais do século XV e que a generalidade dos relatos considera ignominioso. A 20 de Agosto de 1507, o físico Johannes Tritheim escreveu ao seu colega Johannes Virdung, professor de Astrologia da Universidade de Heidelberga, sobre Fausto nestes termos: «O homem sobre quem você me escreveu, que ousou chamar-se a si próprio o príncipe dos necromantes, é um vagabundo, um jactancioso e um vigarista.» Os registos municipais da cidade de Ingolstadt respeitantes ao dia 17 de Junho de 1528 continham também uma breve referência à desagradável personagem: «Foi ordenado a um homem que a si próprio se chamava Dr. Georg Faust, de Heidelberga, que gastasse o seu dinheiro noutro lado, e ele comprometeu-se a não iludir as autoridades nem vingar-se delas em virtude desta ordem recebida. »

Nenhum destes escritos explicava por que razão era Fausto desprezado pelos seus actos «mágicos», mas relatos posteriores sugerem motivos para preocupação. Foi dito que Fausto ameaçara uma vez um clérigo, ao jurar que podia fazer todas as panelas da cozinha voar através da chaminé. De acordo com outro relato – segundo parecia ele realizava a maior parte das suas magias em tabernas –, Fausto conseguiu oferecer aos seus amigos intermináveis rodadas de bebidas abrindo numerosos orifícios no tampo de uma mesa, dos quais fez brotar uma variedade de bons vinhos.

O odor sulfuroso do Diabo rodeia grande parte das histórias referentes a Fausto. Dizia-se que este devia o conhecimento e poder que detinha a um pacto que estabelecera com o Demónio. Martinho Lutero, seu contemporâneo, acreditava na verdade deste pacto. Fausto nunca o negou. Mas há certos indícios que sugerem que ele próprio terá feito correr a história na esperança de obter algum lucro pessoal.

Pode perfeitamente acontecer que os relatos confusos que até nós chegaram do Fausto histórico constituam precisamente o que sobre ele de tal modo atraiu as atenções. Mais concretas são as histórias de duas figuras que foram sensivelmente contemporâneas de Fausto e que devem ser classificadas como verdadeiros e honestos mágicos escolares do Renascimento: Cornelius Agrippa, que como Fausto era alemão e nasceu em Colónia em 1486, e o inglês Dr. John Dee, nascido em 1527.

Agrippa, cujo verdadeiro nome era Heinrich Cornelis, era mais um génio perseguido pelo infortúnio do que uma celebridade contemporânea. Quando jovem, frequentou a Universidade de Colónia, onde estudou os neoplatónicos, especialmente o trabalho de Proclo, e descobriu a Cabala. A partir destas duas fontes, Agrippa extraiu o tema que iria enformar a obra de toda a sua vida: a possibilidade de união da consciência humana com o Um, ou Divindade, que está no centro de todas as coisas.

Aos 20 anos, Agrippa era secretário da corte de Maximiliano, imperador do Império Sacro-Romano, que terá enviado o jovem para Paris como espião. Durante a sua estada nessa cidade, Agrippa continuou os seus estudos na universidade, mas em breve se via envolvido numa intriga italiana que terminou em desaire. Após uma peregrinação pela Europa, Agrippa fixou-se durante algum tempo na Universidade de Dole, em França, onde se tornou um conhecido professor de Cabala e recebeu o grau de doutor em Teologia. O interesse que publicamente demonstrava pela Cabala, particularmente pela ciência dos números conhecida por gematria, acabou por atrair sobre ele a ira dos ortodoxos, e devido à pressão que o clero sobre ela exerceu, a filha de Maximiliano, Margarida de Ghent, sua patrona, retirou-lhe os seus favores.

Embora o livro não tivesse sido publicado senão 20 anos mais tarde, foi em Dole, quando contava 24 anos, que Agrippa escreveu a obra-prima da magia pela qual é mais recordado. De Occulta Philosophia é um tratado em três volumes que actualmente ainda continua a ser considerado como um dos textos mais relevantes sobre o tema. Nele, Agrippa afirmava a sua convicção de que a magia nada tinha a ver com o Diabo ou feitiçaria, mas estava relacionada com as aptidões obscuras da mente. Agrippa postulou a supremacia da mente sobre o corpo e foi indirectamente um precursor da moderna teoria psiquiátrica ao afirmar que «a fantasia, ou poder imaginativo, exerce uma influência determinante sobre as paixões da alma quando estas se ligam a percepções sensuais. Pois a imaginação, de seu moto próprio e de acordo com a diversidade das paixões, começa por introduzir no corpo físico uma transmutação sensível que o altera, transformando os acidentes do corpo e deslocando o espírito para cima ou para baixo, para dentro ou para fora».

É difícil estabelecer até que ponto Agrippa terá feito uso destes conhecimentos – saber, em resumo, se ele praticou uma forma de magia psíquica baseada na sua compreensão do funcionamento da mente. As histórias que nos chegaram da sua «magia» nada mais são do que cómico-faustianas. A mais famosa diz respeito a um estudante desafortunado que entrou sub-repticiamente no gabinete do seu mestre enquanto Agrippa se encontrava ausente. Tendo começado a ler o livro de invocações de Agrippa, o jovem foi confrontado por um demónio que involuntariamente convocara. Inquirindo, furioso, da razão da convocatória, o demónio agarrou o infeliz e estrangulou-o. Quando Agrippa regressou, ordenou ao demónio que ressuscitasse a vítima e a mantivesse viva durante o tempo suficiente que lhe permitisse acompanhá-la até à praça do mercado da aldeia, onde uma síncope repentina pudesse explicar a sua morte. O demónio obedeceu às ordens de Agrippa, mas, não obstante, a situação provocou um escândalo.

No fim da vida, Agrippa desligou-se da magia e dedicou-se ao estudo da teologia. Em 1530, publicou De Vanitate et lncertitudine Scientiarum, uma obra desesperada na qual considerava vã a procura do conhecimento. Insensatamente, Agrippa decidiu publicar os primeiros textos que tão apaixonadamente escrevera sobre magia aproximadamente na mesma altura em que publicou os segundos (1531), e em consequência das contradições entre ambos a primeira das obras foi considerada como hipócrita. Nos últimos e escassos anos da sua vida, Agrippa perdeu o crédito de que gozara. Morreu antes de perfazer os 50 anos, prematuramente esgotado e desacreditado pelos seus colegas.

A centelha do seu primitivo interesse pela magia e funcionamento da mente sobreviveu, porém, em De Occulta Philosophia, que exerceria profunda influência nas gerações seguintes de eruditos. Entre estes contava-se o proeminente mago de Inglaterra, Dr. John Dee. Em contraste com a especulação que rodeou Fausto e Agrippa, os factos da vida de Dee estão bem documentados pela sua própria mão e por muitos dos que faziam parte do seu círculo de conhecimentos, um círculo que incluiu pelo menos cinco monarcas ingleses.

Nascido em 1527, filho de um oficial subalterno da corte de Henrique VIII, Dee foi aceite em Cambridge com 15 anos. Reduzindo o seu sono a cerca de quatro horas por noite, conseguiu adquirir uma inacreditável quantidade de conhecimentos, e aos 19 anos tornou-se professor assistente no Trinity College, onde se interessou particularmente pela matemática. Continuou os seus estudos nas grandes universidades de Paris e Lovaina. Já adquirira conhecimentos de alquimia e provavelmente estudara o conteúdo mágico da Cabala.

Quando regressou a Inglaterra, com 24 anos e gozando já da fama de ser extraordinariamente culto, Dee foi preso, acusado de traição e encarcerado. Segundo crença generalizada na época, a posição e o movimento dos corpos celestes influenciavam as pessoas e os acontecimentos na Terra. O erro de Dee fora recorrer aos seus conhecimentos de astrologia para satisfazer o pedido da rainha Maria para que lhe «calculasse a sua natividade». Infelizmente, o horóscopo de Dee não agradou a rainha, também conhecida por Maria, a Sangrenta. Finalmente, Dee foi ilibado das acusações de traição e posto em liberdade em 1555.

Isabel, a irmã mais nova e sucessora de Maria, que encarava Dee com maior benevolência, recorreu a ele para escolher o dia mais favorável à sua coroação.

Finalmente, Dee retirou-se para o campo, onde reuniu uma biblioteca com cerca de 4000 volumes – uma realização assombrosa, tendo em consideração que a biblioteca universitária de Cambridge continha na altura 451 livros e manuscritos. Dee escreveu profusamente sobre matemática, astrologia e geografia; em 1583, elaborou um plano para a colonização da América. Mas os conhecimentos mais profundos a que aspirava sempre lhe fugiram. «Passei toda a minha vida a aprender», escreveu ele. «E descobri (finalmente) que nenhum homem, nem nenhum livro ... foi capaz de me ensinar aquelas verdades que desejava e pelas quais ansiava. »

Enquanto Fausto se voltou para o Demónio, Dee, de natureza devota, tentou comunicar com os anjos. Procurando um vidente, uma pessoa com poderes ocultos que o ajudasse na prossecução dos seus objectivos, escolheu um jovem irlandês de nome Edward Kelley, que gozava de reputação duvidosa, cuja principal actividade como falsificador lhe custara ambas as orelhas. Apesar da sua deficiência, Kelley era convincente ao afirmar a sua capacidade de comunicação com os espíritos. Na primeira tentativa que realizou com Dee, Kelley declarou ter visto um anjo que Dee identificou através dos seus conhecimentos cabalísticos como sendo Uriel. Dee não tardou a ficar fascinado com os anjos de Kelley, e construiu uma «pedra indicadora», uma mesa especial pintada de cores brilhantes e com inscrições apropriadas, tais como os nomes dos sete anjos mais poderosos – Zabathiel, Zedekiel, Madimiel, Semeliel, Nogabel, Corabiel e Lavaniel. Com a pedra indicadora, Kelley era supostamente capaz de comunicar com espíritos, e Dee registava cuidadosamente as conversas. Muito do seu teor era incompreensível, mas alguns extractos pareciam reveladores. Numa ocasião, Dee anotou pormenorizadamente a descrição da decapitação de uma mulher alta e bela; Maria, rainha dos Escoceses, foi executada em 1587 segundo o processo descrito por Dee. Outra vez foi recebido o aviso de que se verificaria um ataque, por mar, de uma potência estrangeira; a Armada Invencível lançou-se contra a Inglaterra em 1588. As anotações no livro de apontamentos de Dee haviam sido registadas em 1583.

Depois da morte do seu sócio Kelley, segundo se crê na cadeia, Dee continuou sozinho a sua pesquisa até à sua própria morte, ocorrida em 1608, aos 81 anos.

Em termos de temperamento, intelecto e realização, seria difícil imaginar alguém mais diametralmente diferente do Dr. John Dee do que José Desa, nascido, cinco anos antes da morte daquele, na aldeia de Copertino, no «calcanhar da bota» de Itália. No entanto, se as aptidões de um mágico são aferidas pela reputação de que o mesmo goza de realizar actos misteriosos e inexplicáveis, este pobre clérigo italiano, a antítese de um erudito, merece ser incluído entre os grandes nomes da história do sobrenatural.

Na escola da aldeia, que frequentou durante um breve período, a falta de atenção e de compreensão de que Desa dava mostras, mais tarde interpretada como sintoma de comunicação mística, valeu-lhe a alcunha de Boca Aberta. Com a idade de 17 anos, Desa decidiu que a religião era o seu único refúgio. Ofereceu-se à Ordem dos Capuchinhos, onde foi colocado a trabalhar no refeitório, mas foi despedido por ter quebrado demasiada louça. Entrou então para a Ordem dos Conventuais.

Finalmente, em reconhecimento da sua piedade, foi recebido na Ordem dos Observantes como noviço em 1625. Em 1628, o Irmão José foi ordenado sacerdote depois de ter sido admitido aos votos religiosos.

A conduta bizarra do Padre José, os seus êxtases durante a missa, atraíram a atenção do Santo Ofício de Nápoles, que o convocou para o examinar. As acusações contra ele formuladas foram retiradas, e o Padre José foi autorizado a celebrar missa em S. Gregório da Arménia. Foi nesta igreja de Nápoles que, segundo corre, se verificou o primeiro dos seus notáveis êxtases. O Padre José, que estivera a rezar num canto da igreja, ergueu-se repentinamente, flutuou no ar, aterrou sobre o altar e, sem que as velas acesas o lesassem, voou de regresso ao local onde estivera a orar. Quando os seus assombrados superiores o levaram ao Vaticano, repetiu a sua notável actuação perante o papa Urbano VIII, e permaneceu suspenso no ar até que o padre geral da Ordem lhe ordenou que baixasse.

Tais feitos poderiam ter caído no domínio da lenda não fora o testemunho de um número de personalidades distintas que garantiram ter presenciado os voos do padre italiano. Uma dessas personalidades foi o duque de Brunswick, sério erudito e patrono do filósofo G. W. Leibniz. Outras incluíam Frederic Maurice de la Tour d’Auvergne, distinto aristocrata francês, e a infanta Maria, filha do duque de Sabóia. Se é difícil acreditar nos feitos do «frade voador», é igualmente difícil compreender por que razão estas personalidades conspirariam para perpetrar uma fraude. É de salientar ainda que vários dos relatos das testemunhas oculares, abrangendo um determinado período de tempo, concordavam no mesmo pormenor: durante os seus voos, as vestes do Padre José mantinham-se caídas, como se uma mão invisível assegurasse o decoro do clérigo.

O Padre José morreu a 18 de Setembro de 1663. «Desta vez», comentou o seu biógrafo, «o espírito voou, deixando o corpo atrás de si. » Um século mais tarde, em 1767, após um exaustivo exame realizado pela Congregação dos Ritos, o notável clérigo foi canonizado como S. José de Copertino.

Não obstante toda a sua inconsistência e falta de provas que os fundamentam, os feitos de Agrippa, Dee e do Padre José tem uma aura de sinceridade. Se tais feitos parecem hoje improváveis, estes homens parecem pelo menos tê-los realizado sem qualquer intenção fraudulenta. Com o raiar do século XVIII, os candidatos a mágicos pareceram ter perdido essa linha de conduta. Com esta transformação, aumentou a popularidade dos grimórios, livros sobre a prática da magia, juntamente com uma confiança crescente nos símbolos, encantamentos e rituais, a maior parte das vezes utilizados para convocar os demónios.

De entre muitos símbolos de conjuração, o círculo mágico, uma circunferência com fins protectores cuidadosamente colocada e desenhada, era essencial, servindo não só para proteger o mágico das forças convocadas, como também para ajudar a focalizar os seus próprios poderes. De acordo com uma edição de Clavícula de Salomão, um dos grimórios que maior influência exerceu, a circunferência era normalmente traçada com uma faca mágica na extremidade de uma corda de 2,70 m de comprimento. Desenhava-se frequentemente uma segunda circunferência no interior da primeira, e na área entre as duas eram colocados objectos que se revestiam de significado especial: plantas que os demónios procuravam evitar, taças de água benta, nomes de poder, cruzes e outros símbolos. Não era permitido quebrar a linha circular, e uma vez o mágico no interior do círculo, este tinha de ser cuidadosamente selado.

Antes, porém, de entrar no círculo, o mágico devia preparar-se a si e ao seu equipamento. Entre os objectos essenciais ao desempenho das suas funções contavam-se uma vara, especificamente cortada de uma avelaneira, uma espada, uma faca e uma túnica. De Occulta Philosophia, de Agrippa, recomendava uma túnica de linho branco que cobrisse o corpo do pescoço aos pés e firmemente cingida por um cinto. Eram evitados os botões, fivelas ou nós, que podiam dificultar a concentração dos poderes do mágico. Orações, jejum, abstinência sexual e abluções eram também considerados importantes. Segundo instruções contidas num antigo grimório: «O operador deve manter-se limpo e purificado durante o espaço de nove dias antes de iniciar o trabalho; deve estar também confessado e receber a Sagrada Comunhão.»

Uma vez todos os preparativos ultimados, a convocação iniciava-se com a entoação de vários encantamentos. Gradualmente, o ritmo acelerava-se, enquanto o poder mental do mágico se concentrava e este procurava encontrar um encantamento que resultasse. Repetiam-se sucessivamence várias palavras, numa litania ora ameaçadora, ora aduladora, ora imperativa, como neste refrão do Lemegeton, um grimório do século XVI: «Pelo terrível Dia do Juízo, pelo Mar de Vidro que está perante o rosto da Divina Majestade, pelos quatro animais diante do trono, com olhos à frente e atrás ... pelo selo de Basdathea, pelo nome Primematum que Moisés murmurou e ao qual a terra se abriu e engoliu Coreh, Dathan e Abriam, responde a todas as minhas perguntas e executa todos os meus desejos. Vem em paz, visível e sem demora. »

Um exemplo fascinante de uma personagem que ganhou a fama e a vida com os apanágios da magia sem jamais realizar qualquer feito manifestamente «mágico» é o misterioso conde Saint-Germain. Surgido inesperadamente nos meados do século XVIII, tornou-se uma figura permanente na corte de Luís XV. Afirmando possuir um conhecimento íntimo e directo da corte da Babilónia e da rainha do Sabá, Saint-Germain dava a entender que o seu período de vida seria tão longo como o de Matusalém e que à sua frente se estendia um futuro ilimitado. A fama do conde parece dever-se largamente a publicidade que ele fez de si próprio, uma vez que, à excepção da sua afirmação de que transformara uma peça de prata em ouro, não se conhecem ligados ao seu nome quaisquer actos de magia.

Se Saint-Germain alcançou fama de ocultista através da força da sua personalidade, um dos seus contemporâneos, conhecido por conde Alessandro di Cagliostro, alcançou-a através de puro engenho. Cagliostro, cujo verdadeiro nome era José Bálsamo, nasceu em Palermo, Sicília, em 1743. Devido a uma fraude com ouro, refugiou-se, bastante novo ainda, em Medina, Arábia, onde encontrou um grego de nome Althotas, um «alquimista» consumado, activo e experiente. Os dois passaram juntos vários anos a viajar pelo Próximo Oriente e África. No Egipto, segundo ele próprio relata, Cagliostro travou «conhecimento com os sacerdores dos vários templos, que tiveram a complacência de me introduzir em locais onde nenhum viajante vulgar jamais entrara».

De regresso a Itália, com cerca de 25 anos, Cagliostro desposou Lorenza Feliciana, uma jovem de 14 anos e grande beleza, filha de uma familia nobre arruinada, e o conde e condessa de Cagliostro começaram a ganhar a vida como mágicos itinerantes. Foi uma vida acidentada a do casal, até que o conde iniciou aquilo a que chamou Franco-Maçonaria Egípcia. Afirmando ter sido iniciado neste ramo exótico da irmandade maçónica através da leitura de um manuscrito descoberto num alfarrabista londrino, Cagliostro tornou-se a única autoridade sobre os preceitos que preconizava e as promessas que garantia. O conteúdo da Franco-Maçonaria Egípcia continua envolto num certo mistério. Não obstante os seus ritos serem supostamente secretos, correram numerosas histórias sobre acontecimentos escandalosos que conseguiram impulsionar o negócio.

Durante um ritual elaborado, o Grande Copta (Cagliostro) foi descido para uma sala numa esfera de ouro, nu e segurando na mão uma cobra. Segundo os relatos, instigou os seus discípulos do sexo feminino a «dispensar o sacrilégio do vestuário, pois se recebessem a verdade deviam estar tão despidas como a própria vida». Cagliostro prometeu mais ainda: a Franco-Maçonaria Egípcia conduziria os seus aderentes à perfeição física e moral através da regeneração; devolver-lhes-ia o estado de graça perdido através do pecado original. Para conseguir estes objectivos, propunha um regime de 40 dias de mortificações e jejum, findos os quais os devotos que o tivessem seguido teriam garantida uma vida de pelo menos 5557 anos.

Esta complexa trama alcançou grande sucesso em Paris, pelo que Cagliostro e Lorenza (que chefiava a secção feminina) viviam bem. Eclodiu então um escândalo envolvendo um colar de diamantes, e Maria Antonieta mandou encarcerar o casal na Bastilha. O conde e a condessa foram ilibados, mas ao chegarem a Roma tiveram a infeliz ideia de tentar abrir um ramo da Franco-Maçonaria Egípcia à sombra de S. Pedro. Cagliostro foi julgado pela Inquisição, considerado culpado de heresia e feitiçacia e condenado à morte (pena mais tarde comutada para prisão perpétua), e Lorenza foi presa e subsequentemente enviada para um convento. Tal como aconteceu com Saint-Germain, em Cagliostro concretizou-se até certo ponto a necessidade de outrem de acreditar em algo ou alguém.

A última eclosão de ciência mágica na tradição de Agrippa e John Dee foi criada por Eliphas Lévi, nascido Alphonse Louis Constant, em Paris, em 1810. Lévi, Filho de um pobre sapateiro, revelou desde a adolescência um interesse sincero pela religião, pelo que foi matriculado no Seminário Je Saint Sulpice. Mas o jovem, embora devoto, era igualmente excêntrico e independente, acabando por ser expulso por abraçar «estranhas doutrinas».

Depois de deixar o seminário, Lévi ligou-se, durante um breve período, a uma seita menor dedicada à restauração da monarquia, e provia a sua própria subsistência escrevendo sobre temas católicos. Esta aparente contradição (tendo em vista a sua expulsão), que estaria patente ao longo de toda a sua vida, reflectia não hipocrisia, mas um esforço sincero em reconciliar a sua devota fé cristã com a teoria mágica.

Já com mais de 30 anos, Lévi desposou uma jovem de 16 anos, mas a união foi breve, pois ela não tardou a deixá-lo. Nos 10 anos que se seguiram, Lévi dedicou-se ao estudo de ciências ocultas, e nos primórdios da década de 1850 publicou Dogma e Ritual de Alta Magia, uma síntese floreada de muitas das doutrinas existentes sobre magia e ocultismo. Em comparação com as sérias pesquisas levadas a cabo por Agrippa e Dee, os esforços de Lévi parecem superficiais e aleatórios e o seu interesse parece centrar-se mais nos processos do que nos preceitos da magia. Os seus livros – vários outros se seguiram a Dogma e Ritual – pouca fama lhe conquistaram durante a sua vida. De Facto, sabe-se que ele apenas uma vez tentou executar artes mágicas, e o relato por ele mesmo apresentado da sua tentativa para fazer aparecer o Fantasma de Apolónio de Tiana sugere considerável hesitação e insegurança da sua parte. Faz crer que este homem entroncado e solitário não conseguia acreditar no seu próprio sucesso, e embora narrasse o aparecimento de um homem «envolto da cabeça aos pés numa espécie de mortalha que parecia mais cinzenta do que branca; era magro, melancólico e desprovido de barba», Lévi admitiu também estar tão aterrorizado que não conseguiu fazer à aparição as duas perguntas que planeara.

«Não explico as leis físicas através daquilo que vi e em que toquei», escreveu mais tarde Lévi. «Afirmo somente que vi e toquei realmente, que vi clara e distintamente, não em sonhos, e isto é suficiente para estabelecer a verdadeira eficácia dos rituais mágicos ... Aconselho aqueles que se propõem dedicar-se a experiências semelhantes que usem dos maiores cuidados; tais actividades resultam em total exaustão e causam frequentemente um choque só por si suficiente para provocar uma doença. »

Eliphas Lévi morreu em 1875, aproximadamente 400 anos após o nascimento de Fausto. Nessa altura, a Europa sofrera não uma, mas várias transformações, e o maravilhoso corpo de conhecimentos que outrora parecera esperar apenas uma revelação fragmentara-se em muitas partes, cada uma das quais suficientemente rica e complexa para ocupar um estudioso durante toda a sua vida. Consequentemente, a crença na magia como a via para alcançar a sabedoria e compreensão deixara de constituir uma possibilidade para o homem racional.



Os Perversos Artifícios da Grande Besta


O homem que se tornou talvez o mais famoso mágico ocultista do século XX enfrentou um problema típico do nosso século – qual o processo mais eficaz de fazer a sua própria publicidade. Poucos mágicos na História resolveram este problema de forma mais espectacular do que Aleister Crowley, que a si mesmo se designou a Grande Besta. Cedo decidiu chocar o público para atrair as atenções, e conseguiu tão eficazmente o objectivo que se propusera que foi expulso de três países e, no auge da sua carreira, caracterizado nos jornais como «o rei da depravação» e «o homem mais malévolo do Mundo». Tudo isto conseguiu Crowley, não obstante uma séria desvantagem: nos milhões de palavras por ele ou sobre ele escritas não há qualquer referência a um único caso em que ele tivesse realizado o que pudesse ser inegavelmente considerado um feito de magia.

O pai de Crowley, um próspero cervejeiro de Leamington, nas proximidades de Stratford-on-Avon, convetreu-se à religiao já tarde na vida e tornou-se um evangelista laico. Sua mãe, segundo as próprias palavras de Crowley, era «uma beata idiota». O próprio mágico, depois de uma infância não muito feliz, ingressou na Universidade de Cambridge em 1895 e dedicou-se a escrever poesia incompreensível e com algumas implicações eróticas. «Por estranha coincidência», observaria Crowley mais tarde, «um pequeno condado deu à Inglaterra os seus dois maiores poetas – pois não se deve esquecer Shakespeare.»

Como esta opinião não era compartilhada pelos seus tutores, Crowley deixou Cambridge e fixou-se em Londres, onde, tendo ingressado numa das sociedades secretas na altura em moda, a Ordem Hermética da Aurora Dourada, iniciou os primeiros passos nas ciências ocultas. Quando, nos primeiros anos do século XX, tentou assumir o controle da organização, viu as suas tentativas fracassarem e foi expulso da ordem. Formou então a sua própria sociedade secreta, conhecida por Astrum Argentinum, ou Estrela de Prata.

A característica distintiva do grupo recém-criado consistia na prática daquilo a que Crowley chamava «magia sexual». Embora antigos mágicos tivessem salientado a relação existente entre sexualidade humana e fertilidade vegetal e animal, as colheitas abundantes estavam bastante longe de constituir o propósito de Crowley. Para ele, o sexo, tal como as drogas, era um meio de destruir temporariamente o ego moral consciente e deixar a psique entregue à posse de entidades sobrenaturais primitivas e poderosas.

Crowley sempre se sentira atraído pelas mulheres – na sua autobiografia admitiu pesarosamente ter contraído gonorreia aos 19 anos. Escolhera o seu nome de trabalho, a Grande Besta, do Livro Bíblico da Revelação: «Vi então subir do mar uma besta com sete cabeças e dez chifres; e nas cabeças nomes blasfematórios.» (Ap 13, 1-2.)

À medida que a sua carreira progredia, Crowley realizou longas viagens ao Egipto, Índia, México e Estados Unidos, onde permaneceu até ao Fim da I Guerra Mundial escrevendo pérfida propaganda antibritânica. Foi durante a sua estada em Nova Iorque que realizou um feito notável, que poderia ter tido implicações mágicas. Um amigo, o escritor William Seabrook, concordou em assistir a uma demonstração dos seus poderes. Crowley conduziu-o à Quinta Avenida, onde acertou o passo com o de um homem que seguia à sua frente. «Os seus passos começaram a sincronizar-se», escreveu Seabrook, «e então observei que Crowley ... deixara cair os ombros, lançara a cabeça um pouco para a frente, como a do homem que o precedia, e começara a balançar os seus braços em perfeita sincronização com os do outro – tal como uma sombra em movimento ou um Fantasma astral de outro ser. » De repente, Crowley flectiu os joelhos, manteve-se acocorado durante um breve momento e ergueu-se de novo. O homem que seguia à sua frente «caiu como se lhe tivessem puxado as pernas». Seabrook, possuidor de bastantes conhecimentos sobre magia de palco, procurou as explicações racionais do fenómeno. Talvez o homem estivesse combinado. Talvez Crowley tivesse recorrido a algum truque baseado em ressonância física ou psíquica. Talvez ... mas Seabrook concluiu a história dizendo: «Creio que sei todas as respostas – mas nenhuma delas me satisfaz. »

Durante as suas viagens, Crowley escreveu O Livro da Lei (Liber al vel legis), que, segundo afirmava, lhe fora ditado pelo seu anjo-da-guarda, Aiwass, ministro do deus egípcio Hoor-Paar-Kraat. O livro era de leitura dificil, mas a sua mensagem central, «Faz o que quiseres, os teus actos serão lei », era uma referência clara à crença básica de Crowley de que a via para o conhecimento passava pela entrega ou abandono orgiástico.

Crowley extraiu a ideia do escritor francês François Rabelais, que fizera dela o mote da sua mítica Abadia de Theleme em Gargântua e Pantagruel. Em 1920, Crowley fundou a sua própria Abadia de Theleme. Tratava-se, na realidade, de uma vivenda em ruínas nos arredores da poeirenta cidade de Cefalu, na costa setentrional da Sicília. Não se tornou, como a abadia de Rabelais, um centro de cultura, mas atraiu, efectivamente, o interesse dos jornalistas, um dos quais afirmou no Sunday Express de Londres que o curriculum da instituição consistia em «orgias indescritíveis, inconcebíveis ... bastando dizer que excedem em horror as suspeitas de qualquer pessoa decente». Corriam boatos – na sua maior parte de proveniência duvidosa – que sugeriam sacrifícios sangrentos, bestialidade e até infanticídio. Quando os relatos desta medonha actividade chegaram aos ouvidos de Benito Mussolini, que recentemente assumira o poder, Crowley e os seus discípulos receberam ordem de deixar o país, o que fizeram em 1923.

Seguidamente, Crowley dirigiu-se para França, onde lhe foi solicitado que abandonasse o país porque negociava com heroína. Anteriormente, em 1914, ingressara na Ordem dos Templários do Orience (OTO), um grupo alemão que garantia aos futuros convertidos que «a nossa Ordem possui a CHAVE que abre todos os segredos maçónicos e herméticos, nomeadamente o ensino da magia sexual, o qual explica, sem excepção, todos os segredos da Natureza, todo o simbolismo da Maçonaria Livre e todos os sistemas de religião». Considerado persona non grata em Itália e França, Crowley refugiou-se na Alemanha como dirigente da OTO. Por fim, a Grande Besta regressou a Inglaterra, onde morreu a 1 de Dezembro de 1947.

O moderno historiador do ocultismo Colin Wilson, um dos poucos que conseguem ainda encontrar algo de bom para dizer sobre Crowley, insiste: «O que Crowley compreendeu instintivamence foi que a magia está de certo modo ligada à vontade humana, à verdadeira vontade do homem, a vontade profunda e instintiva. O homem é um ser passivo porque vive demasiado à sombra de uma consciência racional e demasiado assoberbado pelas triviais preocupações do quotidiano. Crowley, com o seu instinto animal e as suas poderosas necessidades de ordem sexual, apreendeu a verdade expressa na frase de Nietzsche: “Há tanto que não foi ainda dito nem pensado.”»

Mesmo que assim seja, dificilmente se poderá dizer que Crowley tenha prestado grande serviço à causa da magia. Se é possível vê-lo como um ministro dos poderes obscuros do irracional, é ainda mais fácil considerá-lo um charlatão que tecia a sua própria aura.


A «Sabedoria Oculta» da Cabala

O vocábulo, que em hebreu significa «as palavras recebidas» ou «sabedoria oculta», define um corpo de tradição esotérica judaica que pretende apontar uma via para a compreensão de Deus e dos muitos mistérios do Universo. Sendo embora impossível datar com precisão as suas origens, crê-se que a Cabala, como uma forma de misticismo judaico, remonta pelo menos ao tempo de Cristo. Durante séculos uma tradição oral, a Cabala, na sua forma escrita, não é um texto único e integrado, mas uma colecção de escritos, geralmente complementares e ocasionalmente contraditórios, os mais importantes dos quais são o Livro da Criação, escrito entre os séculos II e VI d. C., e o Livro do Esplendor, da autoria do espanhol Moisés de Leão, do século XIII.

A principal crença da Cabala centra-se numa realidade oculta, a qual apenas transportes místicos e estudo ritualista facultam o acesso. Especificamente, a Cabala tenta reconciliar as aparentes contradições entre um Deus incognoscível e um Deus que se dá a conhecer; entre um Deus que é bom e criador de todas as coisas e um mundo onde prolifera o mal; entre um Deus infinito e eterno e um mundo – a sua criação – tão obviamente finito e condenado. O ponto fulcral da Cabala é um diagrama denominado a árvore da vida que consiste em 10 «emanações» de Deus e nas várias relações que existem entre elas. A Cabala inclui também uma ciência dos números chamada gematria, através da qual é possível realizar todas as interpretações arcanas da Escritura. Um contributo da maior importância para o renascimento do misticismo judaico e cristão no Renascimento, a Cabala sobrevive hoje no judaísmo e, de uma forma distorcida, no interior da própria tradição.

A Misteriosa Fraternidade Rosa-Cruz

As sociedades secretas tem constituído, desde tempos remotos, um dos elementos essenciais em que se concretiza o fascínio que a arte e o poder da magia exercem sobre a Humanidade. Uma das mais misteriosas, e não obstante frequentemente mencionada, é a Fraternidade Rosa-Cruz, Ordem Rosae Crucis, anunciada num pequeno panfleto publicado em Kassel, Alemanha, provavelmente em 1614. Intitulado Fama Fraternitatis, o folheto anónimo narrava a história de Christian Rosenkreuz, jovem piedoso e culto que, tendo viajado durante anos pelo Próximo Oriente, regressara à Alemanha como mestre de matemática e ciências naturais, bem como possuidor de alguns conhecimentos ocultos. Reunindo à sua volta sete discípulos, Rosenkreuz, segundo narra a história, supervisionou a compilação de uma vasta biblioteca, após o que cinco dos membros da irmandade percorreram o mundo a fim de realizar boas acções, comprometendo-se a reunirem-se anualmente, a encontrarem sucessores dignos e a manterem segredo durante 100 anos.

A Fama descrevia ainda a descoberta – 120 anos após a morte de Christian Rosenkreuz, aos 106 anos – do seu corpo em perfeito estado de conservação. Um segundo panfleto, Confessio Fraternitatis, surgido em 1615, explicava os objectivos da irmandade. Um terceiro panfleto, datado de 1616, narrava uma misteriosa alegoria com implicações ocultas sobre um Christian Rosenkreuz aparentemente diferente. Eruditos recentes atribuíram este terceiro e último panfleto a um teólogo alemão da época bem conhecido, Johann Valentin Andrea.

O desejo de ingresso em tal sociedade elitista foi geral, embora ninguém conseguisse realmente encontrá-la. O fenómeno terminou por volta de 1620, pelo menos na Alemanha, embora o apelo da Rosa-Cruz se mantenha ainda hoje.

A Aurora Dourada

Se a Fraternidade da Rosa-Cruz era provavelmente mais uma fantasia utópica do que qualquer outra coisa, a mais notável organização oculta dos finais do século XIX possuía uma agremiação real e identificável e uma história tangível. Com efeito, a Ordem Hermética da Aurora Dourada foi fundada em 1887 por três franco-mações ingleses – o Dr. William Wynn Westcott, médico-legista; S. L. MacGregor Mathers, tradutor de textos ocultistas, e o Dr. William Robert Woodman, médico – que eram também membros da Sociedade da Rosa-Cruz de Inglaterra. Inevitavelmente, a Aurora Dourada devia muito à tradição maçónica e rosa-cruciana, mas os seus fundadores afirmavam que ela se baseava fundamentalmente num manuscrito cifrado, descoberto, segundo um relato, num alfarrabista londrino. O manuscrito, obviamente obra de alguém possuidor de conhecimentos cabalísticos, de alquimia, astrologia e das teorias mágicas de Eliphas Lévi, forneceu as linhas mestras da Aurora Dourada. Os três fundadores da sociedade, assistidos pelas comunicações, transmitidas de longa distância, de uma misteriosa alemã, provavelmente fictícia, Fräulein Anna Sprengel, completavam o esquema.

A Aurora Dourada era um refúgio requintado para os espíritos superiores dos ocultistas sofisticados interessados naquilo a que se chamava «conhecimento rejeitado» – ou conhecimento desdenhado pelas instituições por se basear em magia ou superstição. A sociedade preconizava a celebração de rituais maravilhosamente elaborados e uma ascensão gradual numa hierarquia de categorias (10) e ordens (3). Afirmava também um propósito nobre: «Alcançar o controle sobre a Natureza e o poder sobre o meu próprio ser.» Inicialmente, a ordem prosperou o suficiente para abrir várias secções, incluindo um ramo em Paris. Porém, entrou rapidamente em declínio, e decorridos menos de 15 anos dividiu-se devido a disputas internas e lutas pelo poder.

Livros de magia negra
Os manuais de magia era lidos por um vasto público nos séculos XVI e XVII, tal como acontecia na Idade Média. Esses livros pretendiam ensinar os leitores a invocarem demónios sem perderem a sua alma e a utilizarem os seus poderes para conseguir riqueza, poder ou vingança.

Os livros de feitiçaria davam aos aspirantes a praticantes das artes negras orientações precisas sobre o desenho de círculos mágicos, utilização de amuletos e talismãs, sacrifício de animais, prática de abstinência sexual e a maneira correcta de tomar banho como preparação para o confronto com o exército de demónios. Quando prontos, deviam invocar o grande Adonai, Senhor de Todos os Espíritos, que então chamaria os espíritos menores.

Dizia-se que, na sua maioria, os livros de feitiçaria eram obras antigas, e, de facto, muitos baseavam-se em respeitadas obras gregas, egípcias, hebraicas e latinas. O mais famoso e influente, A Chave de Salomão, era suposto ter sido escrito pelo próprio rei Salomão. Embora isso seja improvável, sabe-se que pelo menos no século I d. C. já existia uma versão do livro. O texto original em breve se tornou irreconhecível, à medida que outros autores iam acrescentando as suas próprias contribuições, também atribuídas a Salomão. Em meados do século XIV, o papa Inocêncio VI ordenou que as cópias do livro fossem queimadas.

Alguns investigadores acham dificil tomar a sério os manuais de feitiçaria, pois as práticas diabólicas ali descritas parecem mais ridículas do que temíveis. Contudo, ainda hoje há pessoas desesperadas e crédulas que os procuram, e por isso os livros de feitiçaria – alguns deles escritos no século XX – continuam a ser impressos e utilizados.